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Capítulo 4: Minha irmã sumiu em um universo paralelo onde tudo pode acontecer

Passamos o restante do dia sem nos falarmos. Na verdade ninguém abriu a boca para falar absolutamente nada com ninguém. Mas, tirando o fato da minha irmã estar zangada comigo, não ouvir a voz do Richard não me fez nenhuma falta. Na realidade foi algo até conveniente. Não queria falar com ele mesmo. Estava fazendo até bem para a minha saúde, inclusive. Todas as vezes que o Richard chegava perto eu meio que tinha um ataque do coração de tanta raiva. Como pode uma pessoa causar uma emoção tão forte assim? Seria ele um tipo de demônio? Sei lá, tanto tempo nessa ilha. Vai que eu e a Lila havíamos morrido e estávamos no inferno. Mas os sentimentos que corriam em meu corpo eram vivos demais para serem apenas truques de um demônio. E eu não sabia o que era pior.

Na manhã seguinte fiquei surpresa de ver que Richard já estava acordado. Ele estava juntando um amontoado de galhos e folhas e fazendo a maior bagunça. Tive que segurar o riso vendo ele tentando fazer alguma coisa produtiva e não tendo a menor ideia do que estava fazendo. Uma cena extremamente cômica. Algo digno dos filmes de comédia pastelão que passavam na televisão à tarde. Foi irresistível. Tive que quebrar o silêncio.

– O que você está fazendo? – já fui perguntando.

– Você não quer que eu saia da sua casa logo? – ele nem olhou para minha cara – Então? É exatamente o que eu estou fazendo. Estou separando material para construir minha própria casa.

– Fala sério! – olhei com cara de descrença.

– Nunca falei tão sério na minha vida! – ele continuava sem olhar para mim.

– Então pelo menos escolhe direito! – comecei a separar alguns galhos – Estes daqui vão quebrar na primeira topada que você der.

– Não precisa fazer nada por mim! – desta vez ele olhou para mim e tomou os galhos da minha mão.

– Eu só estava querendo ajudar! – fiz uma careta.

– Você me ajuda ficando longe de mim! – ele voltou a desviar o olhar.

– Você me ajuda ficando longe de mim! – o imitei deixando a voz bem pesada.

– Deixa de ser palhaça, Susi! – ele gritou.

– O palhaço aqui é você! – devolvi o grito.

– Vocês ainda estão nessa de ficarem brigados? – Lila apareceu – E depois eu que sou a infantil. O café da manhã já está pronto!

– Podem ir sem mim– Richard amarrava alguns galhos com cipós – Eu já comi algumas frutas por aí. Não estou com fome.

– Aqui o café da manhã não seria muito diferente mesmo. – fiz como quem pouco se importasse com a presença dele.

– Lila, você podia tentar fazer um pão qualquer dia desses. – Richard soltou a pérola do dia.

– Pão, Richard? – quase gritei – Você quer comer pão? Você acha mesmo que nesta selva tem de tudo?

– Susi – Lila interveio – deixe o Rich sonhar um pouquinho!

– Mas é sério! – ele estranhou – Achei que vocês fizessem pão uma vez ou outra. Com tanto trigo atrás da ilha.

– Espere um minutinho! – fiquei intrigada – Do que você está falando?

– Da plantação de trigo! – ele respondia como se fosse a coisa mais óbvia do mundo – Vai me dizer que nunca foram na parte de trás da ilha? 

– Ainda não estou entendendo o que você está falando.

Imediatamente Richard nos levou até o local onde ele viu a tal plantação de trigo. Era um pequeno monte, do qual eu já havia passado e subido algumas poucas vezes. E nunca, em nenhum momento, encontrei plantação de trigo por ali. Mas Richard me mostrou algo que eu jamais havia reparado antes. Uma passagem escondida!

Fiquei completamente sem palavras com a revelação. Dois anos rondando toda aquela ilha e nunca havia encontrado aquela passagem. Ela estava escondida em meio às pedras e plantas, mas estava lá para quem quisesse ver.

– Como você descobriu isso? – perguntei – Estava certa de que tinha rodado toda a ilha. Achei que essa parte não passava de um monte de pedras que haviam deslizado do alto daquele rochedo.  

– Eu estava tentando arrancar aquele galho grande ali, tropecei e caí. – ele falava com uma naturalidade que me assustava.

– E você viu até onde ela vai? – a curiosidade invadiu meu ser – Encontrou algo de interessante?

– Olha isso aqui! – Richard tirou a camisa e mostrou um arranhão consideravelmente grande nas costas e depois nos cotovelos – Me arrebentei todo nessas pedras. Fui procurar um lugar para me lavar e segui de volta para casa.

– E nós estamos aqui esperando o quê? – Lila fazia uma excelente pergunta.

– Não estamos esperando absolutamente nada! – respondi já tomando a liderança da “excursão”.

Fui esquivando das pedras e logo avistei, não muito de longe, uma imensa plantação de trigo. Era algo totalmente inexplicável. Trigo e mais trigo como eu nunca tinha visto antes. E mais inexplicável ainda era o que vinha depois. Vários morros, montes e montanhas até perder de vista. Uma imensidão verde muito maior que a própria ilha. Era impossível. Não fazia lógica nenhuma.

– Isso aqui era para ser no máximo uma caverna! – estava de boca aberta – Não tem condições alguma disso aqui ser parte da ilha.

– Mas é real! – Lila também estava espantada – E eu estou ficando com muito medo.

– Medo do que? – Richard parecia achar tudo normal – Vocês não vivem dizendo que já estão aqui faz dois anos e nada aconteceu?

– Vocês uma vírgula! – Lila não tirava os olhos dos montes – A Susi que sempre diz isso. Eu nunca confiei plenamente na nossa segurança nesta ilha. Ainda mais depois daquelas pegadas enormes.

– Pois desta vez eu também estou com medo! – admiti.

– Ainda não consigo entender! – Richard coçava a cabeça.

– Vem aqui, Richard! – o puxei pelo braço.

Voltei para a entrada da passagem e subi o monte até o topo com o Richard. Ele precisava ver com os próprios olhos para entender o motivo de tanto medo.

– Olha bem para esse lugar! – apontei em direção ao mar – Olha o tamanho disso. Agora me diga, tem alguma condição de todo aquele universo caber dentro disso aqui?

O monte não era assim tão alto e ele ficava bem próximo à baía da ilha. Era totalmente impossível que existisse algo ali dentro. Pelo menos não com toda aquela proporção.

– Realmente – Richard começava a entender – Não faz sentido algum.

– Estou te dizendo! – começava a descer o monte – Não faz sentido algum.

– Que lugar é esse? – Richard coçava a cabeça – Uma ilha que nem está no mapa! Será que morremos e estamos em um tipo de universo paralelo?

– Já pensei milhares de vezes sobre isso, mas sempre chego a conclusão de que essa é a realidade mesmo. – tive que fazer força para soltar essas palavras – Se isso fosse um universo paralelo nós teríamos pelo menos mais duas pessoas aqui com a gente.

– Entendo! – Richard baixou a cabeça – Sinto muito.

– Tudo bem. – dei um sorriso torto – De qualquer maneira essa ilha tem algo fora do comum. Estou começando a achar possível aquele papo de sobrenatural que você falou quando chegou.

– E o que pretende fazer? – Richard parecia apreensivo – Pretende explorar o lugar?

– Honestamente? Não sei. – confessei – Isso é tudo muito estranho. Não sou de me acovardar assim tão facilmente, mas estou tendo um péssimo pressentimento sobre esse lugar.

– Acha que a tal criatura que deixa aquelas enormes pegadas pode se esconder ali? – Richard tentava me alcançar, mas não tinha ainda o costume de subir e descer montes e morros.

– Eu já não sei de mais nada. – suspirei fundo – Mas faria muito sentido. 

– Será que tem outras? – Richard falava quase que para ele mesmo. 

– Olha, eu realmente espero que não. – senti minha mão suar – E eu não tenho certeza se quero descobrir. 

Voltamos ao “mundo perdido” para buscar Lila, mas ela já não estava mais lá. Se bem conheço minha irmã, ela deve ter ficado com tanto medo que voltou para casa. Apesar de ser estranho ela ter ido sem falar nada comigo. Fazia tempo que eu não via a Lila tão assustada. Talvez eu devesse mesmo dar uma trégua nas brigas com o Richard e cuidar um pouco mais da minha irmã. 

Resolvemos voltar para casa. Richard queria explorar o lugar, mas eu definitivamente não estava gostando nada da ideia de voltar ali seja para o que for. Mas é claro que eu seria obrigada a voltar.

– Lila? – Richard chamou enquanto entrava em casa – Resolveu seguir o meu conselho e fazer pão? 

– Deixa de ser besta, Richard! – falei séria – Não dá pra fazer pão só com trogo. Sem contar que Lila deve estar no quarto com a bone... Esquece. Lila, eu posso subir? Eu juro que não é pra brigar.

Fiquei esperando por uma resposta, mas recebi apenas o silêncio. Um silêncio apavorante. Meu coração gelou no mesmo instante. 

– Lila? – tentei de novo – Não precisa ter vergonha de ficar com medo. Se quiser ficar sozinha, tudo bem, mas dê um sinal de que você está aí. – o silêncio permaneceu – Olha, eu vou subir, tudo bem? 

Subi para o quarto torcendo para que não fosse nada e que eu encontrasse minha irmã sentada em algum canto da casa abraçada com sua boneca de infância. Mas ela não estava por lá. Olhei pela janela e ela também não estava ao redor. Não queria acreditar que ela desapareceu naquela imensidão escondida em um monte, mas eu sabia exatamente que era por lá que eu deveria procurar.

– Está pensando o mesmo que eu? – Richard perguntou quando me viu descendo as escadas.

– Infelizmente eu acho que estou! – fui seguindo para a porta – E não gostei nenhum pouco disso!

Já estava surtando com as milhões de possibilidades do que poderia ter acontecido com a Lila. Minha cabeça parecia não ter mais espaço. Minha agonia era tanta que pareceu alongar ainda mais o caminho. Tinha a sensação de estar andando horas e horas e continuar no mesmo lugar.

– Você está bem? – Richard perguntou.

– Minha irmã sumiu em um universo paralelo onde tudo pode acontecer – quase gritei – acho que está tudo beleza!

– Não precisa ser tão grossa! – ele fechou a cara.

– Richard, por favor, sem draminha! – o ignorei. 

– Ei, calma, não é draminha! – Richard entrou na minha frente – Você pode até não acreditar, mas eu também estou preocupado com a Lila. E por mais que tenhamos começado com os dois pés esquerdos, pelo menos nisso aqui eu estou do seu lado. 

– Tudo bem – respirei fundo – vou tentar me controlar.

Finalmente chegamos à “passagem escondida”. Por uma rápida fração de segundos eu quase recuei, mas eu precisava achar Lila a qualquer custo. Minha irmã poderia ser até irritante às vezes, mas era minha irmã. Eu jamais iria deixar que algo acontecesse com ela. Jamais mesmo. Eu já tinha perdido coisas demais na minha vida, e eu não suportaria perdê-la também.

– Por onde vamos procurar primeiro? – Richard perguntou quase sussurrando. 

– Eu realmente não faço ideia. – falei mais pra mim mesma.

Acabei seguindo meu instinto e continuando em frente. Corri por entre a plantação de trigo sem olhar para os lados. Ouvi Richard falar alguma coisa, mas o ignorei totalmente. A plantação era muito grande e por vários momentos achei que pudesse estar perdida. Estávamos quase saindo da plantação de trigo quando Richard me trouxe de volta com uma pergunta perturbadora.

– Mas que cheiro horrível é esse? – Richard tapou o nariz imediatamente.

Como se tivesse sido acordada de um sonho, meus sentidos voltaram ao normal. Só então reparei que estava com alguns arranhões, trigo grudado no cabelo e um pequeno corte no pé. E, claro, comecei a sentir o mau cheiro que Richard falou.

– Meu Deus, Richard! – virei o rosto encostando no ombro dele.

Era um cemitério de ossos. Muitos e muitos ossos espalhados por todo lugar. Alguns já secos, outros pareciam ter ainda algo se decompondo – ou talvez fosse minha imaginação. O que quer que fosse era realmente terrível. E nem queria imaginar do que ou de quem eram aqueles ossos.

– Calma, Susi! – Richard acariciou minhas costas – Pelo que estou vendo não são ossos humanos. 

– Tem certeza? – ainda estava com o rosto encostado no ombro dele. 

– Tenho certeza! Pode olhar.

Tomei coragem e resolvi olhar novamente. De fato não eram ossos humanos. Os ossos pareciam ser de aves, javalis e outros animais selvagens. Mas ainda assim a quantidade era espantosa e não fazia a visão daquilo ser menos assustadora.

– Você acha que...

– Estou quase tendo certeza! – interrompi a pergunta do Richard. Sem dúvida só havia um animal naquela ilha que poderia fazer esse tipo de estrago: A onça!

– E vai continuar por esse caminho? – Richard tentava se aproximar, mas evitei que me tocasse. Estava muito tensa para qualquer tipo de contato físico.

– Richard, é a minha irmã. – consegui ser mansa com ele – Não posso desistir dela. São palavras clichês, mas eu sei que ela não desistiria de mim se estivesse em meu lugar.

– Está certo! – ele tentou segurar minha mão, mas fugi novamente.

– Você não tem obrigação nenhuma de me acompanhar. – tentava fazê-lo voltar – Pode seguir sua vida.

– Susi – mais uma vez Richard tentou me tocar, mas desta vez falhei em fugir – acho que estamos no mesmo barco, não é? Eu sei que acabei de conhecer vocês duas, mas vocês já são tudo o que eu tenho no momento.

– Parece que essa é a nossa nova realidade, não? – tentei não ser grossa – No caso minha nova – nova – realidade. Ela já está mudando tanto que já perdi as contas. 

– Pelo menos por enquanto. – Richard tentou sorrir, mas creio que ficou sem jeito. Ou eu que estava tentando enxergar coisas que... Enfim, não era importante.

Seguimos em silêncio pelo cemitério de ossos. Era extremamente desagradável. Se a Lila estivesse fazendo algum tipo de brincadeira comigo ela iria me pagar muito caro. Mas não conseguia sentir que pudesse ser uma brincadeira. E claro que não era uma brincadeira. Infelizmente algo me dizia que a Lila não estava segura. Algo sério havia acontecido com ela.

O caminho estava difícil devido ao mau cheiro. Por várias vezes tive que tapar o nariz. E o caminho era longo. Não conseguia entender como não tinha enxergado este lugar quando estava na entrada deste “mundo paralelo”. Aliás, a impressão que tinha era de que quanto mais andava mais o lugar crescia. Tive a sensação de ter me afastado por completo da ilha. Era apavorante, mas nada comparado ao que viria depois.

– Mas que porcaria é essa? – Richard gritou.

Não muito distante de onde estávamos nós avistamos um rio. Um grande rio. Isso poderia ter sido algo comum se não fosse um pequeno, estranho e aterrorizante detalhe: Era um rio de águas vermelhas.

– E agora? – me desesperei – O que eu vou fazer?

– Calma! – Richard olhava para os lados – Deve haver outro caminho.

Comecei a observar também. De fato havia outro caminho, mas teríamos que fazer uma longa volta. E meus instintos já não me apontavam mais para qual direção seguir. Estava completamente sem ação.

– Você quer arriscar? – Richard perguntou apontando com os olhos em direção ao rio vermelho.

– Arriscar o que? – me fiz de desentendida – Atravessar o rio?

– É o caminho mais rápido! – ele continuava apontando. 

– Mas não parece muito seguro. 

– Nenhuma das nossas opções estão parecendo... 

– Mas ele é vermelho. Algum motivo deve ter para ele ser assim. 

– Não tenho dúvidas disso. E não vou dizer que acredito que a resposta seja agradável. Mas, como já disse, nossas outras opções também não são.

Olhei novamente ao redor. Nisso ele tinha toda a razão. Nossas opções pareciam um teste de qual opção seria a “menos pior”. E por mais que realmente fosse a opção mais rápida, confesso que fiquei em dúvida sobre atravessar ou não aquele rio vermelho. A julgar pelos ossos atrás de mim era provável que aquilo nem fosse exatamente um rio. Fiquei toda arrepiada só de imaginar.

– Vamos pelo menos ver se não é muito fundo. Com essa cor fica difícil saber a profundidade! – comecei a procurar uma pedra.

– Tome! – Richard encontrou antes de mim.

– Obrigada. – respondi sem pensar. 

Atirei a pedra. E ficamos esperando. E esperando. E esperando. E esperando.

– Mas que raio de lugar é esse? – Richard pareceu ler meus pensamentos.

– E agora? – comecei a ficar aflita – O que vamos fazer?

– Creio que você saiba nadar.

– Óbvio! – não estava gostando da ideia – Eu era a melhor da minha turma.

– Então vamos logo atravessar? – ele novamente apontou para o rio, mas desta vez usou as mãos. 

– Tem certeza mesmo? 

– Se você quiser eu posso atravessar sozinho. – Richard retirou a jaqueta e se preparou para entrar no rio.

– Não. Não é necessário. Eu vou com você. – tomei coragem. 

– Ótimo. Confesso que não estava muito animado pra entrar nesse rio sozinho – ele deu um leve sorriso, mas logo desfez. Provavelmente se lembrou que a situação era muito grave.

– Richard – o segurei antes dele entrar no rio – Desculpa por todas essas minhas grosserias.

– Tudo bem! – ele deu outro sorriso leve – Vamos então?

– Seja o que Deus quiser!

Entramos no rio sem muitos rodeios. Se era para atravessá-lo, que fosse de uma vez. Mas para a minha surpresa o rio não era de sangue como imaginei. Enquanto nadava em direção ao outro lado, notei que a água era transparente – como toda água deve ser. E foi justamente isso que me assustou. A cor avermelhada vinha do fundo do rio. Era como se tivessem nadando em uma piscina de piso vermelho.

– Você também reparou? – Richard perguntou.

– Sim! – respondi ainda apática.

– O que acha que são essas coisas grudadas no fundo? – Richard diminuiu o ritmo.

– Não tenho certeza se quero saber. – tentava não olhar.

– Eu também acho que não estou interessado em saber.

Para a nossa sorte a correnteza do rio não era forte. Caso contrário iríamos ser puxados para sabe-se lá onde. Tanto no meu lado direito quanto no esquerdo não era possível ver o fim ou começo do rio. A única coisa que poderíamos fazer mesmo era seguir em frente.

Estávamos quase chegando ao outro lado quando senti algo grudar em minha perna. Me assustei e tentei ver o que havia prendido em mim, mas não consegui enxergar direito. Tentei me soltar, mas parecia que quanto mais eu puxava, mais presa minha perna ficava.

– Susi, você está bem? – Richard voltou para me ajudar.

– Eu prendi o meu pé em alguma coisa e não consigo me soltar. – estava desesperada.

– Vou resolver isso agora!

Imediatamente Richard mergulhou e começou a tentar desprender meu pé. Mas ele não obteve sucesso.

– Parece uma alga vermelha! – o rosto de Richard estava muito pálido – Não consegui entender. Ela está grudada em você como se fosse um tentáculo de polvo.

– Mas que porcaria é essa? – me apavorei – Richard faz alguma coisa!

– Vou tentar desgrudar-lá de sua perna de novo. – Richard tentou mais uma vez, mas não conseguiu.

De repente senti uma dor muito forte no tornozelo. Era como se tivesse sido espetada com uma faca. Foi totalmente impossível não soltar um grito.

– O que foi? – Richard estava apavorado.

– Acho que essa coisa me mordeu! – quase não conseguia falar.

– Como assim te mordeu? – Richard começou a gritar.

– Mordendo! – estávamos fora de controle – Senti minha perna sendo espetada, mordida, furada, sei lá. Só sei que está doendo muito.

– Que droga! – Richard mergulhou novamente.

Senti Richard tentando puxar a coisa, mas era inútil. Ele subiu para tomar um ar e tentou novamente. Estava começando a me sentir fraca. Mais uma vez Richard subiu para tomar ar e desceu. Desta vez não o senti puxar, mas parecia balançar a coisa. E ele estava demorando mais que o normal. Não sei se era a minha visão que estava turva, mas não consegui enxergar o Richard direito. Estava prestes a ter um ataque quando senti minha perna livre novamente. Richard voltou quase sem fôlego e me puxou para a margem. Notei que ainda estava com parte da coisa grudada em mim.

– O que você fez? – perguntei.

– Eu tinha isso aqui guardado! – Richard me mostrou um canivete – Deu um pouco de trabalho, mas consegui. A coisa estava sugando seu sangue.

– Que horror! – quase desmaiei.

– Não sei o que era aquilo, mas sei que nunca vi nada parecido com isso antes. – Richard ainda estava com a respiração descontrolada – E olha que eu já vi muito bicho estranho na minha vida.

Richard me ajudou a retirar a parte da coisa que ainda estava grudada em mim. Fiquei apavorada. A coisa fez um estrago no meu tornozelo. A parte em que ela estava fincada apodreceu. Uma bola preta do tamanho da minha mão ficou gravada no lugar, assim que Richard retirou por completo o que seria o dente da coisa.

– Está doendo muito? – Richard perguntou.

– Sim, mas já estou melhor. – dizia a verdade – Quando se vive em uma selva a gente se acostuma com a dor.

– Acho que não dá para deixar isso aí desse jeito! – Richard não parava de olhar para a bola preta – Não temos absolutamente nada aqui para tratar disso, então acho que só tem uma coisa a fazer.

Richard retirou a sua camisa e se preparou para amarrar na parte ferida. Apesar de toda a situação que estávamos vivendo, não pude deixar de reparar em seus dotes físicos. E eu não estava muito à vontade com isso.

– Você realmente precisava tirar a sua camisa? – disse isso tentando ser mais educada possível.

– Sério? – ele deu um leve sorriso – Eu acho que é melhor eu ficar sem a minha camisa, não acha não? 

– Convencido! – bufei. 

– Se quiser podemos usar a sua. 

– Não! – gritei – Vamos fazer o seguinte. Me dá esse canivete.

Richard me entregou o canivete desconfiado e eu não demorei muito para confirmar suas desconfianças. 

– Ei! – ele resmungou – É minha única camisa. 

– Aqui faz muito calor. – respondi enquanto cortava uma das mangas.

Devolvi a camisa para Richard e amarrei eu mesma a manga cortada na minha perna. Estávamos agora com todos os nossos problemas resolvidos. Ou quase todos.

– Richard! – fiquei séria – Vamos seguir em frente! 

– É nossa única escolha, certo?!

Tentei me levantar, mas acabei não conseguindo. A dor que sentia era como se a coisa ainda estivesse agarrada no lugar. Teria caído com tudo se Richard não tivesse me segurado – ainda sem camisa.

– Quer que eu te carregue no colo? – ele perguntou quase inocente.

– Está para nascer o homem que vai me carregar no colo! – tentei ficar de pé mais uma vez. Acabei conseguindo – Fique certo disso!

– Está bem! – ele levantou as duas mãos – Você é quem sabe.

– E veste logo essa camisa! Não temos tempo para ficar perdendo desta forma.

Ele vestiu a camisa com uma estranha expressão de satisfação. Mas logo fechou o rosto. Minha perna inteira doía bastante. E minha pressa em querer seguir adiante não ajudou muito. Acabei caindo novamente. E mais uma vez o Richard me segurou.

– Bem a tempo! – ele sorriu.

– Obrigada! – tentei não ser grossa. Não era culpa minha, não conseguia evitar ser dura com as pessoas que... me intimidam.

– Acho melhor pararmos por aqui! – Richard me ajudou a sentar – Pelo menos por alguns minutos.

– Mas e a Lila? – tentei levantar, mas fui impedida.

– Também estou pensando nisso– ele suspirou – Mas também não dá para você ficar caminhando desse jeito. Demoraríamos muito mais assim.

– Está certo. – respirei fundo e levantei as mãos em rendição – Richard, você me responde uma coisa?

– Sim. – Richard se sentou ao meu lado.

– Que história é essa de você já ter visto muito bicho feio? – fiquei curiosa.

– Bem... – ele suspirou – Eu sou biólogo. Biólogo marinho. Ou pelo menos era.

– Mentira! – fiquei muito surpresa – Com toda essa pinta de militar! Jurava que fosse do exército. Ou aeronáutica, já que estava pilotando.

– Muitas coisas me aconteceram. – Richard falou quase que pra si mesmo.

– Tem a ver com aquelas histórias que você não quer contar? – perguntei – Desculpa está tocando neste assunto, mas é que eu ainda não me...

– Eu sei! – Richard me interrompeu – Você não se conforma com o fato de eu te esconder isso. Eu já sei disso. Eu vou contar, pode deixar, mas não agora. Vamos encontrar a Lila e depois a gente conversa sobre isso.

– Tudo bem. – concordei, apesar de ainda achar que algo não estava certo. E isso ficou ainda mais claro quando me lembrei do que ele havia me dito quando viu a pegada da onça pela primeira vez: “Eu não sou especialista em mundo animal...”

Como um biólogo não pode ser especialista em mundo animal? Essa história já estava seguindo muito estranha. E ela nem tinha começado ainda. Por um instante eu senti medo do Richard. Sempre achei que pessoas misteriosas deste jeito só existissem nos livros e no cinema. Nunca pensei que um dia conviveria com uma. Mas também nunca imaginei um dia estar em uma ilha com um lado oculto tão misterioso quanto ele. Tentei não ficar pensando demais no Richard. Não queria deixar que nada tirasse o meu foco em achar a Lila. Mas cada vez que olhava para ele... Que tipo de mistério o Richard esconde?

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