Minha mente fervilhava em perguntas assim que o loiro se afastou de nós, era a primeira vez que conhecia um mestiço assim como eu, e estava muito empolgada, mas instintivamente sentia que havia algo de errado acontecendo, como se a chegada de outra raposa demônio representasse algum tipo de perigo. Respirei fundo, esfregando as têmporas que começavam a doer e voltei minha atenção a Haru que parecia perdido em pensamentos também.
– Espero que o que estou sentindo seja apenas demarcação de território! O ouvi dizer baixo, como se falasse para se mesmo, tentando se convencer disso. Seu rosto estava sério e seus olhos ainda dourados, fixavam-se nas costas de Look.
Não quis entrar no assunto, sentindo que quanto mais pensasse a respeito, mais inquieta ficaria e como já tenho grilos o suficiente, decidi que seria melhor apenas fingir que não havia ouvido e ao invés de tratar do assunto como deveria, optei por limpar a poeira das minhas roupas, e seguir com a proposta de encontro como havia planejado antes.
A palavra encontro de repente, começou a retumbar em minha mente e a ansiosa me tomou, sentindo novamente o famoso friozinho na barriga, era a primeira vez que eu saia com um rapaz, mas não queria demostrar que era tão inexperiente então, acabei fazendo o meu melhor para não transparecer o nervosismo. E imagino que estava indo bem, ao menos enquanto estava um pouco distante de Haru, porém quando ele se aproximou, pegando as minhas mãos para analisar melhor os machucados que terminavam de cicatrizar, meus joelhos tremeram e senti a pele arrepiando-se bruscamente, como se inconscientemente, meu eu interior quisesse sua aproximação.
– Sua recuperação é rápida... – Ele comentou chamando a minha atenção, seus olhos ergueram-se em direção aos meus e senti calor vindo de suas mãos, como se estivesse usando algum poder de cura. – Se ainda estiver de acordo, podemos continuar e ir ao aquário...
– Me parece bom! Concordei, colocando uma mecha de cabelo atras da orelha, ficando sem graça. Estava me sentindo inquieta com relação a minha aparência, imaginando que as roupas estivessem sujas ou rasgadas, sem contar que poderia estar toda bagunçada.
– Aliás, você está linda! Haru elogiou me surpreendendo, era como se estivesse lendo meus pensamentos enquanto enroscava seus dedos aos meus.
– Obrigada! Agradeci sentindo o rosto enrubescer, e tive dificuldade em encara-lo, precisando fixar meus olhos numa pedrinha perto do meu pé. – Digo o mesmo de você.
Fiquei muito grata por ele não comentar nada a respeito, mesmo que parecesse estar contente em ouvir meu comentário. Na verdade, ele estava realmente bonito, usando uma camisa de gola alta branca que contrastava com a calça social preta e os sapatos de mesma cor, olhando-o assim, pude ver um lado seu que desconhecia. Haru mostrava-se um homem sério, de olhar inteligente, mostrando que as piadinhas eram propositais, provavelmente para me deixar confortável ao seu lado.
– Sua manipulação é assustadora... – Resmunguei soltando mais alto do que planejava, mas logo percebi minha gafe e me corrigi. – Quero dizer, você parece mostrar apenas o que te convém...
– E isso não é o que você mesma faz? Ele questionou sendo sincero, uma de suas sobrancelhas estava arqueada e seu rosto ostentava uma expressão de seriedade. – Mas não vamos nos atear a isso, não agora.
Esse final me pegou ainda mais de surpresa, arregalei os olhos em sua direção, sem conseguir acreditar que ele estava tendo a audácia de jogar aquilo na minha cara, entreabri os lábios tentando dizer algo, mas por mais que tentasse não encontrava as palavras certas. E no fim, percebi que não havia defesa, ele estava certo e era isso me assustava.
De repente, seus olhos esverdeados fixaram-se em uma pequena feira que se formava a algumas quadras de distância, os humanos estavam comemorando algum tipo de feriado que celebrava a boa colheita e todos pareciam muito animados. O pequeno evento parecia ter conseguido a sua atenção, e me fazendo imaginar se ele gostava de feiras de alimentos, mas não tive tempo de perguntar nada pois, rapidamente sua mão fechou-se em meu braço, arrastando-me em direção à rua onde algumas barracas de comida estavam armadas.
– Você tem certeza disso? Questionei ficando preocupada com a quantidade de pessoas que se aglomerava ao nosso redor, caminhando totalmente alheias ao perigo que representávamos. – E se algo ruim acontecer?
– Sabe, não é porque somos animais-demônio que não podemos nos aproximar dos humanos... – Haru exclamou sorrindo para uma menininha que passava ao nosso lado, agarrada a mão da mãe, as duas vestidas no mesmo modelo de vestido vermelho e rodado.
Fiquei sem palavras novamente, mas estava começando a me irritar com a forma com que ele lidava com as situações que me inquietavam. Para ele, uma raposa-demônio puro, não havia tantos motivos para preocupar-se uma vez que não perdiam o controle com tanta facilidade quanto nós mestiços, então aos poucos, comecei a apertar seus dedos encarando-o com seriedade, tentando lhe avisar do meu incômodo.
– Não sei com que tipo de pessoas você conviveu para ser tão desconfiada, mas você também tem sangue humano, estar perto deles deveria te fazer bem! Haru exclamou retribuído o aperto em meus dedos, mas sua expressão suavizava em um sorriso de canto. – Não está errada em se autoproteção, mas não vivera nada se continuar se fechando dessa forma!
– Você está certo! Exclamei com um suspiro enfim, concordando. – Mas eu já tentei, e tive muita dor de cabeça por causa disso, então me dê um tempo...
– Seria hipocrisia se eu dissesse que nunca tive problemas com humanos, mas a convivência pode te ajudar inclusive a saber como lidar com eles! Haru explicou caminhando a minha frente, colocando a mão livre no bolso da calça.
Eu apenas ouvia, balançando a cabeça em concordância e esquivando vez ou outra de alguma pessoa que passava por nós, evitando bruscamente o contato, mas era quase impossível manter as crianças longe de esbarrar em minhas pernas enquanto brotavam do nada, saltitando como pequenas gazelas cheias de fitas coloridas. No início, ficava extremamente irritada, querendo gritar com as mães que as deixavam soltas, mas aos poucos, percebi o quanto era ridículo estar irritada com suas brincadeiras e logo, me acalmei e me permiti achar bonitinho a forma como tratavam umas às outras, agarrando suas roupas com as pequenas mãos enquanto sorriam mostrando seus dentinhos em formação.
– Crianças são infalíveis, tão pequenas e delicadas que nos fazem querer protege-las! Haru exclamou surgindo subitamente ao meu lado, entregou-me um espetinho de lula frito e sorriu, mastigando. – Gosto mais das que estão trocando os dentes.
– Tenho um pouco de dificuldade com crianças, elas são lindas, mas sempre acho que irão cair e se machucar... – Resmunguei e mal tive tempo de fechar a boca, uma criança caiu bem ao nosso lado. – O que eu disse?
Era um menininho com cerca de seis anos que passou correndo por nós, me fazendo arregalar os olhos e quase correr em sua direção quando escorregou em uma caixa de papelão, mas apesar de ter caído e machucado o joelho, estava chorando apenas porque perdeu seu doce de feijão.
– Crianças são assim! Haru comentou com um sorriso de canto e dando de ombros, como se estivesse conformado com aquele tipo de comportamento que era no mínimo estranho. – Tem que ver quando começam a gostar de coisas estranhas...
– Você parece gostar de crianças... – Murmurei um caos de perguntas formando-se em minha mente, mas acabei questionando o mais obvio. – Você quer ter filhos?
– No futuro, não acredito que seja capaz de lidar com elas no momento! Haru comentou ainda olhando a criança que chorava enquanto mostrava seu doce a mãe, era obvio que seus planos para o futuro já estavam bem delineados. – E você, quer ser mãe?
O fitei por alguns instantes, e percebi que nunca havia pensado a respeito, mesmo que gostasse pouco de crianças não significava que não quisesse uma, mas ao mesmo tempo tinha muitas inseguras.
– Eu quero ser mãe... – Respondi mais para mim do que para ele, inclinei a cabeça para o lado, sentindo os fios escorrendo por meus ombros e fixei meus olhos na criança enquanto desabafava. – Mas tenho medo de ser muito rigorosa, e acabar sendo detestada por eles...
– É normal ter inseguranças, mas acho que você será uma boa mãe! Ele me assegurou com um sorriso doce. – Não se preocupe tanto!
Balancei a cabeça em concordância, não tinha muito o que fazer quanto a aquilo mesmo, e encarei o petisco que ele trouxera para mim, me perguntando qual seria o gosto daquilo enquanto seria o aroma de temperos e pimenta que cobria a carne branca daquele fruto do mar, mordi levemente a pontinha arredondada e mastiguei, me surpreendendo tanto com o sabor que acabei comendo tudo ao passo em que adentrávamos a feirinha.
A curiosidade aos poucos me tomava e me peguei olhando a mistura de cores das tendas impressionada, havia muitas frutas e alimentos de outros lugares trazidos pelos marinheiros e mercantes em seus barcos. Haru puxou-me em direção a uma tenda de onde podia sentir um cheiro doce e deixei-me ser carregada inebriada por ele, paramos em frente a uma barraquinha onde uma menina de cabelos negros e franjinha, aparentando ser ainda criança, fazia algo que só posso considerar uma grande panqueca colorida por molhos que cheiravam saborosamente.
– Não faço ideia do nome, mas esse negócio é uma delícia! Haru comentou enquanto fazia sinal para a menina fazer dois daqueles para levarmos, e logo, seus olhos estavam procurando possivelmente por mais alguma guloseima que queria me fazer provar.
A menininha habilidosamente derramou um liquido sobre a superfície plana aquecida, e a moldou em forma de círculo usando uma espátula, quebrou dois ovos sobre cada círculo e salpicou alguns temperos para em seguida, “fechar” a massa como um envelope, os colocou em pratinhos descartáveis de papel e nos entregou.
Depois de pegar os doces, que descobri ser uma massa doce com ingredientes apimentados, continuamos caminhando pela feira, comendo as frutas que os vendedores nos entregavam para degustar e que acabei comprando duas porções de uma tal de carambola, uma para cada. E, finalmente, chegamos à parte final do pequeno evento, uma pequena trilha que findava na ponte de madeira que protegia os transeuntes do vento vindo do mar e de onde poderíamos ver o pôr do sol.
– Obrigada! Murmurei fitando os últimos raios de sol, deslisei as mãos pela beirada de madeira e suspirei sentindo o vento salgado balançar meus cabelos. – Faz anos que não me divirto tanto...
– Fico feliz em ouvir isso... – Haru sussurrou alcançando a minha mão, e seus olhos encontraram-se com os meus, como se pedisse permissão enquanto aproximava-se lentamente. – Não era bem o que eu planejava, mas parece que o plano b se saiu bem.
Percebendo quais eram suas intensões, fechei os olhos e esperei pelo selar de seus lábios mornos, suspirei ao sentir uma de suas mãos pousando em minhas costas e a outra deslisou pelo meu pescoço, enroscando os dedos nos meus cabelos. O beijo era quente e úmido, mas não afoito como havia visto em novelas, era calmo e ele parecia estar apreciando cada minuto daquele ato como se fosse infinitamente importante.
– Estou sério sobre isso... – Haru sussurrou contra meus lábios quando o beijo foi quebrado por falta de ar em nossos pulmões. – Quer namorar comigo?
Nesse momento, me senti aquelas adolescentes apaixonadas que perdem a força nos joelhos quando a pessoa de quem gostam está por perto, o encarei por alguns instantes ouvindo seu coração acelerado e ignorando todos os meus grilos, decidi que ouviria apenas as minhas emoções ao menos naquele momento e senti que estava pronta para lhe dar uma resposta.
Balancei a cabeça positivamente, sentindo o meu rosto corar violentamente e meu corpo foi apertado por seus braços fortes, aconcheguei meu rosto em seu peito, aspirando o cheiro amadeirado de sua colônia e me permiti suspirar, aceitando completamente seu carinho. Haru era uma pessoa tão estranha quanto eu, tínhamos alguns desentendimentos devido ao meu temperamento introspetivo que estranhava seu jeito extrovertido, mas sinto que podemos entrar em um acordo confortável para ambos.
Haru levou-me na porta de casa naquela noite depois de uma romântica caminhada de mãos dadas sob a noite estrelada, beijou-me novamente em despedida e seguiu seu próprio caminho. Subi a longa escadaria, balançando o corpo levemente enquanto cantarolava uma musiquinha animada e quando entre no pequeno apartamento notei que meu filhotinho já dormia, ainda com a televisão ligada em um programa culinário, decidi que lhe contaria sobre minhas aventuras na manhã seguinte e depois de verificar se
Depois daquela conversa tensa, acabei sugerindo que saíssemos um pouco da casa, havia me engraçado com seu jardim e estava muito curiosa em descobrir quais outros seres sobrenaturais eu poderia encontrar, o puxei pela mão, e praticamente o arrastei para o pequeno pedaço de floresta que havia atrás da mansão. Havia uma grande fonte de pedras no jardim, cheia de pedrinhas e carpas coloridas que nos olhavam de forma inteligente, o que me fez pensar se estaria diante de Youkais que não conhecia até ent&atil
Qual a minha surpresa ao perceber que meses se passaram desde que me mudei para aquela nova cidade, e enquanto tantas coisas aconteciam em minha vida, as estações passavam e aos poucos, o inverno chegava a suas últimas quedas de neve. Rapidamente os exames finais aproximaram-se, monopolizando meu tempo que já era curto, e mesmo incomodada com a sensação de perigo me rondando vinda de Look, decidi que não deixaria minha vida se perder ainda mais por conta de inseguranças e neuroses. Então, me esforcei-me ao máximo para concluir meus estudos com notas acima da média, afinal era a única forma de entrar numa universidade conceituada, ainda mais quando planejava concorrer a uma bolsa integral.
Conseguir informações sobre o histórico daquele prédio foi mais difícil do que pensei que seria, tentei entrar em contato com a agencia de locação com quem fiz o contrato, mas não consegui nenhuma informação, supostamente porque não mantinham registros anteriores a compra do estúdio que havia acontecido apenas cinco anos antes e todos dos antigos moradores foram realocados por causa de uma grande reforma.Rapidamente descobri que a situação era maior do que aparentava, os filhos dos antigos donos não deixaram nenhum co
No meio da confusão, acabei sendo levada para o hospital pelos paramédicos como uma testemunha do crime, julgando que sendo apenas uma adolescente, precisaria de atendimento psicológico após ver tamanha violência, ainda mais contra alguém do mesmo gênero. Inicialmente, a ideia de conversar com uma psicológica me pareceu desnecessária e até mesmo perigosa pois, ela poderia me hipnotizar e descobrir meus segredos, me causando problemas. Mas quando me vi sentada em frente a uma mulher jovem e negra que falava suavemente, como se entendesse todos os questionamentos que me afligiam, acabei contando sobre meus pequenos surtos de violência, e aproveitei para perguntar o que poderia fazer para ter mais controle sobre mim mesma.
Nos dias seguintes após aquele incidente com o ceifeiro e a noite no hospital, percebi que outros seres sobrenaturais começaram a aparecer em um curto espaço de tempo, misturando-se aos humanos que pareciam não perceber sua presença. E isso era muito estranho, ainda mais depois que tantos templos xintoístas ficaram em desuso, mas por algum motivo, era como se os youkais adormecidos sob aquelas terras, estivessem despertando depois de um longo tempo de inatividade. A verdade era que, com o tempo, as pessoas que antes cultuavam aquelas divindades extinguiram-se, levando consigo suas crenças, e por consequência, os youkais que tanto cultivavam acabaram se enfraquecendo.
Haru, depois daquele encontro com seu irmão, passou a responder meus questionamentos somente com monossílabos, e apesar daquele comportamento me irritar muito, aceitei que ele precisaria de um tempo para assimilar o que estava acontecendo em sua vida e esperei que posteriormente, me colocasse a parte da situação. Na manhã seguinte, seria nossa cerimônia de graduação que iniciou com o concerto de música clássica composto pelos estudantes do primeiro ano, seguido dos discursos
Ficar no evento aos poucos, tornou-se incomodo e como já estávamos com o diploma em mãos e um pouco distantes do evento, saímos de fininho, e fomos em direção a um pequeno restaurante familiar que ficava próximo ao colégio, servindo algumas poucas variedades de churrascos que eram grelhados nas mesas, acompanhados com saquê e alguns petiscos de frutos do mar.– Como as raposas-demônio antigas têm tanto dinheiro? Questionei q