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Capítulo 01 - Início de um sonho esquisito

— Ele tá meio diferente, você não acha?

— Diferente? Para mim ele continua o mesmo enfadonho de sempre.

Os criados murmuravam enquanto espiavam de canto o homem de cabelos loiros compridos, sentado na mesa da biblioteca encarando a janela.

— Não sei, ele parece mais sério… sempre tive a impressão de que a Sua Alteza, o oitavo príncipe, tinha um ar solitário. Mas faz algumas semanas que ele parece diferente.

— Hm… não sei, não. Continuo me sentindo desconfortável perto dele.

Os criados nem faziam questão de falar baixo e evitar que o seu mestre ouvisse. Até imaginaram ter visto dois diamantes no lugar dos olhos do seu mestre quando ele virou-se em sua direção lentamente. Ainda com o queixo apoiado em sua mão, o oitavo príncipe encarava friamente os criados que fofocavam.

— Por acaso vocês querem ser levados para o calabouço?

Rapidamente os dois criados arrumaram suas posturas, assustados com a súbita ameaça.

— Nos perdoe, Vossa Alteza.

— Voltem ao trabalho antes que eu corte suas línguas.

— Sim, Vossa Alteza.

Rapidamente os dois se apressaram para sair da biblioteca. O príncipe suspirou e voltou a encarar a janela.

A vista era completamente diferente do que ele estava acostumado. Ao invés de prédios altos, sons de buzinas e luzes fazendo a noite parecer dia, ele via o próprio sol brilhando e as montanhas ao longe. Havia uma paz e calmaria sem igual, que chegava a ser absurdamente assustador para quem estava acostumado ao barulho da cidade grande o impedindo de aguentar a própria presença.

Depois de assistir o entardecer, o príncipe se levantou da cadeira e foi até o quadro onde havia várias anotações em um idioma que ninguém naquele castelo, além dele próprio, poderia entender. Estando diante de tal quadro, o príncipe pegava o giz e anotava mais algumas informações.

— Em três dias o Imperador anunciará o fim da guerra e a nossa vitória contra o outro reino. O banquete celebrando a vitória será então… em uma semana.

Depois de escrever, ele puxou uma flecha conectando aquela informação ao nome circulado.

Magnus Grimwood.

— É nesse banquete que Magnus se apaixona de vez por Maverick. Mas o seu envolvimento com Maverick é o que o levará à sua morte… eu preciso evitar isso.

Cruzando os braços, os olhos de diamante do príncipe avaliavam cada anotação feita naquele quadro negro. Os dedos sujos de giz batucavam em seu braço enquanto ele pensava em alguma saída.

Evitar a morte de Magnus só poderia ser a resposta que ele procurava.

Talvez assim ele poderia voltar ao seu mundo.

— Vossa Alteza, eu trouxe os documentos que me pediu.

Argus, o criado pessoal do oitavo príncipe, entrava na biblioteca carregando uma pequena pilha de papéis. Só de saber que teria de ler todos aqueles documentos, o príncipe suspirou cansado tendo um pequeno vislumbre do seu antigo eu fazendo algo parecido em um escritório.

— Muito obrigado, Argus.

Sem dizer mais nada, ele se sentou novamente e começou a analisar alguns documentos. Cada passo seu era assistido pelo seu ansioso criado, que só sabia segui-lo com os olhos e mexer os dedos nervosamente como se ponderasse entre duas opções.

— Vossa Alteza, se me permite perguntar… por que está procurando informações sobre o mercado clandestino?

— Apenas por curiosidade. Não tenho nada melhor para fazer. Um príncipe renegado como eu não tem o que fazer.

— Que besteira, Vossa Alteza! Você não é renegado!

O príncipe ergueu a cabeça para o seu criado, que parecia chateado por realmente pensar isso de si mesmo.

— Fico feliz que você me tenha em grande estima, mas… Argus, sabemos bem que o meu silêncio é o que me mantém vivo nesse castelo.

— Mas, Vossa Alteza, eu realmente acredito que você tem potencial até mesmo para herdar o trono.

— Herdar o trono…

O príncipe ergueu a cabeça e encarou a pintura que retratava a figura de algum antecessor seu, segurando um cálice e um cajado em uma pose majestosa. O olhar rígido e frio fazia parecer a pessoa mais teimosa, orgulhosa e ambiciosa da face da Terra. Talvez uma figura típica de um governante.

Sim, ele era o oitavo príncipe do Império Roveaven, apesar de não ter o direito de lutar pelo trono por ele ser um alfa.

Quer dizer… direito até tinha, mas não era a sua vontade.

Nem ele e nem o verdadeiro oitavo príncipe.

Afinal…

Aquele mundo era uma mera fantasia onde os ômegas governavam.

Virando-se para o quadro negro onde tinha as suas anotações esquisitas, ele se pegava pensando sobre aquilo pela milésima vez.

Como ele poderia deixar aquela história e voltar para casa? Para o seu verdadeiro mundo.

O criado percebeu o olhar perdido do seu mestre, e também encarou o quadro negro onde via símbolos estranhos organizados estranhamente, parecendo formar palavras que somente o oitavo príncipe entenderia.

— Vossa Alteza, o que você tanto escreve no quadro?

— O futuro, talvez.

Argus encarou silenciosamente o príncipe. Hesitando alguns segundos, o criado cerrou os punhos escolhendo arriscar em fazer a pergunta que surgiu subitamente em sua mente.

— Teve outra visão, Vossa Alteza?

O príncipe o encarou calmamente e abriu um singelo sorriso misterioso.

— Pode-se dizer que sim.

— E posso perguntar qual futuro você viu?

Aproximando-se do quadro negro, o príncipe lia as suas próprias anotações. Ele escolhia qual informação poderia dar primeiro, e que não faria muito mal ao ponto de mudar toda a história. Apesar que isso seria impossível, pois somente a sua própria existência naquele mundo já era um fator de mudança que culminaria em um efeito borboleta.

— A guerra acabou, iremos celebrar a nossa vitória em pouco tempo.

— Você viu o fim da guerra? Ouvi alguns cavaleiros dizendo que a situação nas fronteiras é bastante perigosa por causa dos avanços do reino vizinho.

— É perigosa, de fato. No entanto, vi soldados com os nossos uniformes ao lado deles. Parece que a falta de sincronia pode ser a ruína deles.

Aquelas palavras misteriosas não faziam o menor sentido para Argus, mas o fato do seu mestre dizer elas com tamanha calmaria enquanto encarava o quadro negro o fazia acreditar que cada palavra dita realmente se concretizaria.

— Devo informar a alguém?

— Não. Acredito que o Grão-duque dará conta do recado.

— O Grão-duque? Está se referindo ao Grão-duque Grimwood?

O rosto do príncipe se tornou levemente descontraído e contente com a menção daquele sobrenome.

— Isso mesmo.

— Entendo… Vossa Alteza, ainda deseja manter o seu poder em segredo? Não acha que deveria tirar proveito do futuro que vê?

O príncipe soltava um riso baixo com aquela pergunta. O seu criado parecia realmente desesperado para vê-lo fora daquela melancolia. Bem, considerando o quadro geral do seu personagem, era esperado que Argus fosse o único a realmente se importar com o oitavo príncipe.

— Esse poder não é infinito. Além disso, ele pode sofrer alterações, então não devemos nos apoiar nele. Entende isso, Argus?

— Sim, Vossa Alteza.

Sentando-se atrás da mesa novamente, o príncipe recomeçava a ler os documentos que Argus trouxe.

Não deveriam se apoiar naquele poder, até porque não se tratava de nenhum dom adivinhatório ou super poder. Eram apenas informações que ele tinha.

Informações de quando ele leu aquela história antes de entrar dentro dela.

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