— Ele tá meio diferente, você não acha?
— Diferente? Para mim ele continua o mesmo enfadonho de sempre.
Os criados murmuravam enquanto espiavam de canto o homem de cabelos loiros compridos, sentado na mesa da biblioteca encarando a janela.
— Não sei, ele parece mais sério… sempre tive a impressão de que a Sua Alteza, o oitavo príncipe, tinha um ar solitário. Mas faz algumas semanas que ele parece diferente.
— Hm… não sei, não. Continuo me sentindo desconfortável perto dele.
Os criados nem faziam questão de falar baixo e evitar que o seu mestre ouvisse. Até imaginaram ter visto dois diamantes no lugar dos olhos do seu mestre quando ele virou-se em sua direção lentamente. Ainda com o queixo apoiado em sua mão, o oitavo príncipe encarava friamente os criados que fofocavam.
— Por acaso vocês querem ser levados para o calabouço?
Rapidamente os dois criados arrumaram suas posturas, assustados com a súbita ameaça.
— Nos perdoe, Vossa Alteza.
— Voltem ao trabalho antes que eu corte suas línguas.
— Sim, Vossa Alteza.
Rapidamente os dois se apressaram para sair da biblioteca. O príncipe suspirou e voltou a encarar a janela.
A vista era completamente diferente do que ele estava acostumado. Ao invés de prédios altos, sons de buzinas e luzes fazendo a noite parecer dia, ele via o próprio sol brilhando e as montanhas ao longe. Havia uma paz e calmaria sem igual, que chegava a ser absurdamente assustador para quem estava acostumado ao barulho da cidade grande o impedindo de aguentar a própria presença.
Depois de assistir o entardecer, o príncipe se levantou da cadeira e foi até o quadro onde havia várias anotações em um idioma que ninguém naquele castelo, além dele próprio, poderia entender. Estando diante de tal quadro, o príncipe pegava o giz e anotava mais algumas informações.
— Em três dias o Imperador anunciará o fim da guerra e a nossa vitória contra o outro reino. O banquete celebrando a vitória será então… em uma semana.
Depois de escrever, ele puxou uma flecha conectando aquela informação ao nome circulado.
Magnus Grimwood.
— É nesse banquete que Magnus se apaixona de vez por Maverick. Mas o seu envolvimento com Maverick é o que o levará à sua morte… eu preciso evitar isso.
Cruzando os braços, os olhos de diamante do príncipe avaliavam cada anotação feita naquele quadro negro. Os dedos sujos de giz batucavam em seu braço enquanto ele pensava em alguma saída.
Evitar a morte de Magnus só poderia ser a resposta que ele procurava.
Talvez assim ele poderia voltar ao seu mundo.
— Vossa Alteza, eu trouxe os documentos que me pediu.
Argus, o criado pessoal do oitavo príncipe, entrava na biblioteca carregando uma pequena pilha de papéis. Só de saber que teria de ler todos aqueles documentos, o príncipe suspirou cansado tendo um pequeno vislumbre do seu antigo eu fazendo algo parecido em um escritório.
— Muito obrigado, Argus.
Sem dizer mais nada, ele se sentou novamente e começou a analisar alguns documentos. Cada passo seu era assistido pelo seu ansioso criado, que só sabia segui-lo com os olhos e mexer os dedos nervosamente como se ponderasse entre duas opções.
— Vossa Alteza, se me permite perguntar… por que está procurando informações sobre o mercado clandestino?
— Apenas por curiosidade. Não tenho nada melhor para fazer. Um príncipe renegado como eu não tem o que fazer.
— Que besteira, Vossa Alteza! Você não é renegado!
O príncipe ergueu a cabeça para o seu criado, que parecia chateado por realmente pensar isso de si mesmo.
— Fico feliz que você me tenha em grande estima, mas… Argus, sabemos bem que o meu silêncio é o que me mantém vivo nesse castelo.
— Mas, Vossa Alteza, eu realmente acredito que você tem potencial até mesmo para herdar o trono.
— Herdar o trono…
O príncipe ergueu a cabeça e encarou a pintura que retratava a figura de algum antecessor seu, segurando um cálice e um cajado em uma pose majestosa. O olhar rígido e frio fazia parecer a pessoa mais teimosa, orgulhosa e ambiciosa da face da Terra. Talvez uma figura típica de um governante.
Sim, ele era o oitavo príncipe do Império Roveaven, apesar de não ter o direito de lutar pelo trono por ele ser um alfa.
Quer dizer… direito até tinha, mas não era a sua vontade.
Nem ele e nem o verdadeiro oitavo príncipe.
Afinal…
Aquele mundo era uma mera fantasia onde os ômegas governavam.
Virando-se para o quadro negro onde tinha as suas anotações esquisitas, ele se pegava pensando sobre aquilo pela milésima vez.
Como ele poderia deixar aquela história e voltar para casa? Para o seu verdadeiro mundo.
O criado percebeu o olhar perdido do seu mestre, e também encarou o quadro negro onde via símbolos estranhos organizados estranhamente, parecendo formar palavras que somente o oitavo príncipe entenderia.
— Vossa Alteza, o que você tanto escreve no quadro?
— O futuro, talvez.
Argus encarou silenciosamente o príncipe. Hesitando alguns segundos, o criado cerrou os punhos escolhendo arriscar em fazer a pergunta que surgiu subitamente em sua mente.
— Teve outra visão, Vossa Alteza?
O príncipe o encarou calmamente e abriu um singelo sorriso misterioso.
— Pode-se dizer que sim.
— E posso perguntar qual futuro você viu?
Aproximando-se do quadro negro, o príncipe lia as suas próprias anotações. Ele escolhia qual informação poderia dar primeiro, e que não faria muito mal ao ponto de mudar toda a história. Apesar que isso seria impossível, pois somente a sua própria existência naquele mundo já era um fator de mudança que culminaria em um efeito borboleta.
— A guerra acabou, iremos celebrar a nossa vitória em pouco tempo.
— Você viu o fim da guerra? Ouvi alguns cavaleiros dizendo que a situação nas fronteiras é bastante perigosa por causa dos avanços do reino vizinho.
— É perigosa, de fato. No entanto, vi soldados com os nossos uniformes ao lado deles. Parece que a falta de sincronia pode ser a ruína deles.
Aquelas palavras misteriosas não faziam o menor sentido para Argus, mas o fato do seu mestre dizer elas com tamanha calmaria enquanto encarava o quadro negro o fazia acreditar que cada palavra dita realmente se concretizaria.
— Devo informar a alguém?
— Não. Acredito que o Grão-duque dará conta do recado.
— O Grão-duque? Está se referindo ao Grão-duque Grimwood?
O rosto do príncipe se tornou levemente descontraído e contente com a menção daquele sobrenome.
— Isso mesmo.
— Entendo… Vossa Alteza, ainda deseja manter o seu poder em segredo? Não acha que deveria tirar proveito do futuro que vê?
O príncipe soltava um riso baixo com aquela pergunta. O seu criado parecia realmente desesperado para vê-lo fora daquela melancolia. Bem, considerando o quadro geral do seu personagem, era esperado que Argus fosse o único a realmente se importar com o oitavo príncipe.
— Esse poder não é infinito. Além disso, ele pode sofrer alterações, então não devemos nos apoiar nele. Entende isso, Argus?
— Sim, Vossa Alteza.
Sentando-se atrás da mesa novamente, o príncipe recomeçava a ler os documentos que Argus trouxe.
Não deveriam se apoiar naquele poder, até porque não se tratava de nenhum dom adivinhatório ou super poder. Eram apenas informações que ele tinha.
Informações de quando ele leu aquela história antes de entrar dentro dela.
era um romance do gênero boys love e omegaverso que Luciano lia sempre. Um romance entre um alfa que era cavaleiro do Império Roveaven e um ômega que se descobre filho perdido de um nobre e sofre preconceito da alta sociedade por ter vivido com plebeus.Como todo romance, o ômega e o alfa passam por dificuldades para finalmente ficarem juntos. E isso ocorre graças ao amor possessivo do primeiro vilão da história, Magnus Grimwood, um ômega que detém o título de Grão-duque.Luciano adorava ler justamente para ver as cenas em que Magnus Grimwood aparecia. Talvez fosse a sua preferência se interessar pelos vilões das histórias que lê, mas Magnus tinha algo a mais que sempre chamava a sua atenção.“E então, Maverick baixou os olhos incrédulos para o ômega que segurava em seus braços. Como poderia aquela doce e gentil pessoa estar inconsciente depois de beber um copo de limonada?Os dedos enluvados de Maverick acariciavam a bochecha pálida de Stephen. Mas foi uma risada
Tal como esperado, alguns dias depois os jornais eram espalhados pela capital anunciando o fim da guerra na fronteira. Todos os cidadãos estavam em êxtase pela notícia, principalmente aqueles que eram familiares de soldados que participaram da guerra.O criado saía da loja movimentada estando surpreso com o tanto de pessoas que andavam pelas ruas. Todos pareciam contentes e aliviados, e se o Imperador não anunciasse feriado de três dias para eles comemorarem, então o povo o faria por conta própria.Por conta disso, as lojas já anunciavam promoções e os clientes se aglomeravam em suas portas. Tal como o oitavo príncipe havia dito.— Ele estava certo. A boa notícia realmente veio… — Sussurrava Argus com orgulho — Ah, eu preciso ir contar a ele!Argus estava incrédulo e abobalhados com a coincidência. O seu mestre tem estado muito estranho faz um mês, ou seja, desde que o oitavo príncipe teve um mal súbito que o deixou acamado por dias, mal conseguindo respirar direito. O seu adoecimento
O banquete imperial ocorreu depois da cerimônia em que o Imperador concedeu as honras aos seus cavaleiros que lutaram bravamente no fronte. Vários nomes foram citados, muitos subiram suas posições e ganharam medalhas, e também houve homenagem aos soldados que perderam suas vidas no campo de batalha.Mas Lucian pouco se importava com isso.Na história original, o oitavo príncipe não participou da cerimônia, como sempre fazia. Lugares cheios de gente lhe causavam pânico, principalmente por ser descaradamente rejeitado pela alta nobreza. Então, Lucian optou por seguir o seu personagem e ficar ausente. Até porque seria irritante aguentar os olhares dos demais príncipes e princesas sobre ele.Enquanto isso, Argus caminhava entre os convidados verificando se tudo estava dentro dos conformes. Ele seguiu a programação entregue pelo mordomo chefe do palácio imperial, garantindo que os convidados fossem bem tratados até que a chegada da família imperial fosse anunciada.Durante sua vistoria, Ar
No andar superior havia salas de descanso onde os convidados poderiam usar caso precisassem de um refúgio. Alguns usavam para cuidar de algum convidado que estivesse passando mal, ou para trocar de roupa caso se sujassem. Mas Lucian estava usando como seu pequeno refúgio.Bebendo champanhe, o oitavo príncipe aproveitou o seu descanso. Nunca gostou de participar de festas, e para piorar, naquele mundo a etiqueta nobre era essencial para não sujar o nome de sua família. Lucian poderia até saber uma coisa ou outra, mas duvidava muito que sua língua ficaria quieta se alguém tentasse bancar o engraçadinho com ele.Por isso era melhor evitar a multidão.— Oh, você está aí, irmãozinho!A bela Raven Saint Richmond, irmã de Lucian, trajava um vestido levemente decorado cujo tecido certamente deveria custar caro. A cor clara do tecido realçava o seu cabelo platinado e os olhos de cor de pêssego, colorido como todos os ômegas tinham.Estava espetacularmente linda para alguém que ele deveria ser
Não gostava deles? É… ele não gostava.Contudo, a sensação de ver os personagens do seu livro predileto em carne e osso era muito… assustadora. Quer dizer, havia ali uma pequena ponta de euforia e surpresa, no entanto também existia algo estranho e assustador.Tipo uma pessoa cética se deparando com um fantasma e questionando a própria sanidade. A pessoa sente um frio na barriga, um arrepio na espinha e sente sua alma sair do corpo pelo susto.Como se estivesse lidando com o sobrenatural inconscientemente.Essa era a sensação de ver Maverick de longe. Tal como descrito, ombros largos, corpo forte, cabelos curtos e castanhos claros… pelo menos foi isso o que Lucian conseguiu enxergar de longe. Estava prestes a dar uma olhada nos irmãos mais novos de Magnus, quando Raven puxou o seu braço ao alcançarem o final da escadaria.Dando apenas um aceno para os convidados, o oitavo príncipe acompanhou a sua irmã para o centro do salão que já estava vazio e pronto para dar início à dança. Assim
Depois daquele dia, Lucian não teve notícias de Magnus, o que parecia ser uma boa coisa já que nem mesmo ouviu algo sobre ele rejeitar a proposta de casamento. Provavelmente aquele ômega deve ter ficado surpreso por saber que o oitavo príncipe descobriu a sua conversa com Cadec.Considerando a forma como os irmãos de Magnus contaram a ele sobre a gentileza de Lucian, o príncipe poderia considerar como bem sucedido o seu plano de conseguir o favor de Eugene e Jesse Grimwood. Talvez os irmãos fossem um grande peso para fazer Magnus aceitar a proposta de casamento.— Vossa Alteza, parece que chegamos.Acordando dos seus devaneios, Lucian olhou pela janela da carruagem e percebeu o lugar deprimente em que estava. O bairro dos plebeus parecia movimentado, o que facilitaria eles dois se dispersarem entre a multidão.— Muito bem, vamos lá.Os dois rapazes desceram da carruagem em uma rua deserta, e a partir de então Argus guiou o príncipe pelos becos até chegarem na praça do bairro plebeu. A
Conde Baragnon era um homem parlamentar com boas conexões e todos se compadeciam de sua trágica história do sequestro do seu filho quando criança. Os nobres sabiam da sua incansável busca pelo filho perdido, que perdurou por anos sem titubear.De fato, era uma história emocionante que ganhou um capítulo novo.O filho perdido finalmente foi encontrado e retornou para o seu lar.Aquela festa era justamente para celebrar o seu retorno. Os nobres estavam contentes pelo Conde, mas também estavam curiosos para conhecer pessoalmente a grande estrela das fofocas. Além de que tudo parecia ir bem graças a ajuda de um certo cavaleiro alfa que auxiliou nas buscas e foi responsável por encontrar o rapaz perdido.— Sir Maverick! É uma honra conhecê-lo pessoalmente.O homem alto e corpulento se virou e fez uma mesura respeitosa aos nobres que se aproximavam. A sua presença era intimidadora, mas ele ainda continuava sendo um alfa muito bonito que chamava atenção por onde ia.— Senhores…— O que você
Maverick havia conhecido Stephen em uma missão para proteger um vilarejo próximo das fronteiras. Durante o tempo em que o alfa permaneceu no vilarejo para cumprir sua missão, eles se tornaram cada vez mais próximos até o ponto de Maverick descobrir que Stephen era o filho perdido do Conde Baragnon.Foi após a guerra, no caminho de volta, que Maverick começou a demonstrar mais a sua afeição ao ômega. E como Magnus acompanhava Maverick, ali surgia um triângulo amoroso.Lucian estava ciente de que o seu vilão já estaria dando o primeiro passo à sua vilania. Uma droga que forçaria o cio de Stephen e o faria cair nos braços de um outro alfa, e assim romper a confiança entre o casal principal.O problema era que Lucian iria bagunçar os planos de Magnus.— Algum problema, Vossa Graça? — Perguntava Stephen inocentemente.Magnus piscava aturdido e Lucian só podia engolir o seu sorriso vitorioso.— Não… eu pensei ter visto algo…Ah, ele não iria admitir que tentou drogar o filho do Conde, certo