Olívia Morrison
A lufada de ar frio quase a derrubou pela calçada úmida pela quarta vez; andava devagar porque geralmente escorregava facilmente. A canseira de um turno de vinte e quatro horas também contribuía para a letargia de seus passos, e os pés estavam dormentes. O carro escuro e luxuoso estacionado em frente à sua casa era uma decepção. Esperava fervorosamente que ele já tivesse ido embora de Seattle, mas aparentemente teve esperanças em vão. Infelizmente, o plantão de hoje foi marcado pela presença daquele homem no hospital. Todos queriam saber o que o maravilhoso Hórus Amonhhat estava fazendo na cidade e por que ela falara com ele como se ele fosse um cafajeste. A bem da verdade, nunca imaginou que o veria novamente. Depois de assinar os papéis do contrato de casamento, ele simplesmente foi embora sem olhar para trás. Lembrava-se de se perguntar o motivo de tanta frieza; era tão excessiva que beirava a hostilidade. Mas não se deixou levar por esse caminho. Depois do choque de saber que o homem, comparado a um deus da beleza, estava contratando-a como esposa, ela evitou pensar em como ele a tratou feito um inseto asqueroso durante as fotos. O único motivo viável para ele estar ali pessoalmente era o divórcio. Se realmente fosse esse o caso, ficaria mais do que feliz em se livrar desse papel ridículo que assumiu em um momento desesperador de sua vida. A proposta veio há quatro anos. Um advogado a procurou com o pretexto de representar uma instituição que investia na especialização de novos médicos. Para Olívia, foi apresentada uma tábua de salvação. Poderia fazer sua especialização sem custo algum. Assim que assinou o contrato com a instituição, o tal advogado revelou o real motivo dela ser aceita naquele programa. Olívia o ignorou inicialmente, acreditando tratar-se de alguma piada de mau gosto ou subterfúgio para algo ainda mais sórdido. Porém, no dia seguinte, ele bateu à sua porta quando ainda morava em Nova York e lhe apresentou um contrato de umas vinte e cinco páginas de cláusulas, e um valor exorbitante pago mensalmente até o fim do acordo em cinco anos. O nome de quem seria o contratante só apareceu quando ela aceitou o acordo; ela precisava urgentemente daquele dinheiro. A surpresa do nome do contratante foi tamanha que ficou alguns minutos parada olhando para o advogado, sem nada dizer. Depois de pensar incansavelmente nos motivos de um homem como ele pagar para fingir ser casado, nunca chegou a uma compreensão. Só entendia que pessoas ricas tinham suas excentricidades, e ele não era uma exceção. Todos os termos de confidencialidade foram negociados e, depois de vinte dias, ela foi levada a um prédio no centro da cidade, onde foi arrumada como uma noiva da alta sociedade. Quando Hórus adentrou a sala, ele a olhou brevemente e, em seguida, passou a instruir o fotógrafo sobre o que ele queria que fosse feito. Depois da assinatura de documentos e da sessão de fotos, em que ele incorporava um marido infinitamente feliz, ele saiu, ordenando ao advogado que terminasse os pormenores. Olívia voltou para casa com uma certidão de casamento, um cartão de crédito negro com o sobrenome da família, e um gosto amargo na boca por vender sua integridade. Daquele momento em diante, ela entendeu que Hórus Amonhhat nunca se daria ao trabalho de sequer conhecê-la. Com certeza, ela era abaixo de um funcionário de seu império. Afinal, quem aceitaria ser paga para fingir ser esposa de alguém que nunca viu? Olívia apertou o passo. Estava começando a chover de novo, e não poderia correr o risco de pegar um resfriado. Seus pensamentos voaram para o momento em que ouviu aquela voz grossa e macia como veludo. Reconheceria a voz dele mesmo que se passassem cem anos. O choque que sentiu ao vê-lo no corredor fez seu corpo esquentar instantaneamente, o que era estranho. Chegou a prender o fôlego quando ele se voltou para olhar em sua direção. Nada do que se lembrava da única vez que o viu pessoalmente fazia jus à presença dele naquele momento. Seria genérico dizer que ele era bonito, lindo ou coisa parecida. Essas palavras não o resumiam. Hórus Amonhhat era exótico, uma combinação que parecia ser uma forma de Deus aperfeiçoar a raça humana. O corpo musculoso parecia uma estátua dos deuses, com a altura que julgava ser mais de um e oitenta e oito. A pele morena e bronzeada chamava a atenção de uma maneira descomunal; o rosto anguloso, de queixo quadrado, era coberto por uma barba aparada; os lábios cheios, perfeitamente desenhados, combinavam com a simetria milimétrica daquele rosto. Mas os olhos eram algo de outro mundo; com certeza, o que mais chamava a atenção nele eram os olhos. Eram de um azul claro e cristalino, surreal, pareciam um lago límpido com o brilho azul de estrelas cintilantes, circundados por um halo negro; os cílios grossos e espessos completavam aquela obra-prima como uma moldura. Sinceramente, se perdeu nos olhos dele por dois ou três minutos inteiros, correndo o risco de parecer uma completa idiota.Não seria hipócrita ao dizer que não se interessou pela vida dele após se casarem. Acompanhou a vida pública dele logo no início do acordo e sabia da existência da modelo loura e deslumbrante chamada Victória, sempre vista ao lado dele. Houve muitas outras em festas beneficentes, concertos, apresentações, viagens ao exterior, e assim por diante. Desistiu de ver tudo que se relacionava a ele depois de alguns meses, percebendo que ele era só um homem rico e arrogante, que não se importava em continuar posando ao lado de qualquer mulher, mesmo após anunciar o casamento misterioso deles à mídia. Esse fato a incomodou a ponto de querer acabar com aquela farsa. Mesmo que ninguém soubesse de sua existência, um dia acabariam sabendo, já que o propósito dele era enganar alguém, ou a todos. E quando isso viesse ao conhecimento de todos, ela seria exposta como a tola e pobre coitada traída que se conformava com sua posição. Sua cota de humilhação foi enorme até o momento e não precisava dobrá-la
Mesmo em seus sonhos mais delirantes, nunca imaginou ver Hórus com os cabelos úmidos pela chuva fina, parado na sua porta. Um arrepio percorreu sua pele; os olhos dele contrastavam com o clima lá fora, estavam mais escuros e aparentavam um brilho estranho, quase sobre-humano. A expressão era misteriosa e indecifrável, e sua boca se curvava levemente em um sorriso divertido e charmoso. Ele não demonstrou nenhum desconforto ao entrar em sua humilde casa e fechar a porta atrás de si como se fosse o dono do lugar.— É um lugar interessante para morar — disse ele suavemente, enquanto esquadrinhava cada canto da pequena sala com móveis gastos, sofá de segunda mão e uma TV pequena sobre um aparador.— Obrigado — Olívia cruzou os braços e apertou os olhos. Não tinha imaginado aquele brilho cintilante em sua íris. — O que quer, Sr. Amonhhat?Poderia ser lentes de contato internas; talvez o ângulo da luz pudesse gerar aquele efeito. Sim, essa deveria ser a justificativa.Olívia fez questão de e
Olívia pensava furiosamente depois daquela frase. Nova York? Como assim? E o divórcio?— Nunca foi necessária minha presença para esse acordo. Na verdade, nem a sua. — Sentiu minha ausência, então? — ele riu ironicamente, divertindo-se com o ar inflamável que exalava da pequena mulher. — Podemos resolver isso rapidamente. Arrume suas coisas e partiremos em seguida. — Costuma ser sempre tão prepotente? O que o faz crer que eu abandonaria minha vida e meus compromissos pela sua vontade? Notando a insistência do olhar intenso dele, que se insinuava pelo corpo dela como se a tocasse intimamente, ela se encolheu e olhou com uma firmeza que não sentia. Esperava que, sendo rude, ele desistisse desse contrato. — Querida, não fale assim. Minha família exigiu a presença da minha adorada esposa em um evento grandioso da empresa. Desejam apresentá-la publicamente à sociedade. Esse homem cínico! Agora ela era algum objeto? Estava em sua casa, como se ela fosse uma de suas prioridades, ex
O silêncio absoluto imperava dentro do carro luxuoso. Partiram noite adentro em direção ao aeroporto. A neve e a chuva haviam cessado; o tempo parecia colaborar para aquela loucura à qual ela estava sendo obrigada a participar. Às vezes, ele falava com alguém no celular ou digitava no mesmo. Frustrada e impotente diante da situação de ser arrastada pelos caprichos desse homem, Olivia amaldiçoava o momento em que assinou aquele pedaço de papel. Infelizmente, não tinha escolha; aquele contrato era sua coleira. Abraçou a mochila rota como se esta fosse uma tábua de salvação. Voltou-se para a janela somente para evitá-lo, alheia ao fato de que, com isso, chamou a atenção dele para uma ávida observação.Lembrou-se de que não havia avisado aos seus parceiros do centro comunitário sobre essa ausência não programada. Preocupada com o andamento das coisas no próximo evento, em dois dias, tirou o celular do bolso e enviou algumas mensagens a Jackson e Noelle. Acrescentou algumas instruções para
(Pensamentos de Paul Ferris)O bom motorista ainda não acreditava no que seus olhos viram. Se um dia lhe dissessem que seu patrão agiria daquela forma, tão impulsiva, certamente mandaria a tal pessoa procurar um médico, pois estaria louca. Trabalhava para o Sr. Amonhhat desde que ele assumiu a presidência das empresas de sua família. Ele sempre foi meticuloso, perfeccionista, não admitia que o tocassem intencionalmente e jamais se deixou levar por interesses sexuais ou amorosos. Paul perdeu a conta de quantas situações constrangedoras aconteceram entre o patrão e a senhorita Vitória por esse motivo. Apesar do que diziam os tabloides, até mesmo a relação que mantinha com essa bela senhorita estava longe de ser considerada calorosa ou romântica; seu senhor fazia questão de manter seu espaço pessoal sem exceções e se mantinha no outro extremo do veículo quando saía com a senhorita. Julgava-se capaz de dizer que o conhecia melhor que a própria mãe. Com o tempo, percebeu que seu patrão tin
Hórus estava determinado a explorar aquela estranha química e conexão entre eles. Afinal, essa era a primeira vez que uma mulher rompia todas as suas defesas e convicções. Quão miserável ele se tornou, apenas pela presença de Olívia. Tentou controlar o ímpeto de beijá-la, mas isso se tornou a tarefa mais difícil de sua vida; irremediavelmente, falhou em controlar sua vontade de provar seus lábios suculentos. E isso nem era o fato mais preocupante, ele queria mais, muito mais. Só de pensar em como seria ter Olívia em seus braços, nua e suplicante, enquanto a penetrava com força, já sentia seu corpo entrar em combustão. Seu desejo incontrolável sussurrava palavras distorcidas em seu interior. Palavras como: ela sempre me pertenceu, provar de seu gosto não era o suficiente, precisamos sentir o prazer indescritível que só ela poderia dar. O plano anterior seria que ela ficasse na cobertura do Central Park, como havia dito à sua família que residiriam lá por enquanto, depois da volta dela
Olívia A palavra exaustão era um eufemismo perto de como se sentia; mesmo assim, mal conseguiu dormir. Leu as páginas deixadas para ela sobre esse enredo sórdido, tomou um banho demorado no banheiro amplo, com decoração contemporânea; imaginava que adormeceria de imediato, mas, entre cochilos rápidos, sonhava com Hórus no alto de uma pirâmide. Seus olhos a encontravam rapidamente no momento em que ele pulava do alto da construção em profunda agonia; joias esféricas de um azul brilhante se derramavam do céu tempestuoso, e ela sentia o gosto salgado das próprias lágrimas. Seu coração transbordava de tristeza, dor e solidão. A todo momento, via em seus sonhos desconexos aqueles olhos azuis cintilantes, e em todos eles havia uma profunda agonia que lhe perfurava a alma, semelhante à tempestade de areia no deserto em que estava no último sonho. Olívia balançou os cabelos molhados; o banho matinal não provocou a mesma satisfação de sempre. Ainda havia muito cansaço. Secando os cabelos, t
- É uma bela obra de arte. - mesmo que estivesse de costas, sentiu que ele se aproximava novamente. Seu corpo todo ficou rígido como uma pedra, um alívio enorme a dominou quando ouviram uma batida na porta de entrada. Ao se virar, viu que ele caminhou rapidamente para abrir a porta, e a frustração em sua expressão era visível, ouviu o que pareceu uma imprecação em outra língua. Hórus saiu para resolver algumas pendencias em seguida, e não foi visto desde então. Olívia passou o resto do dia ocupada com estilistas, consultoras de imagem, cabelereiros e maquiadores. A vontade de expulsar aquelas pessoas para que a deixassem em paz estava quase ganhando de seu bom senso. Em alguns momentos daquele culto de beleza e estilo, conseguiu se comunicar com a equipe do hospital por mensagem e foi informada que uma médica obstetra estava cumprindo suas funções em caráter provisório, ficou tentada a perguntar como providenciaram uma profissional dessas tão rápido. Poderia apostar que tinha o ded