Ethan abriu a porta do carro para minha avó primeiro, ajudando-a a se acomodar no banco traseiro com um cuidado que me pegou de surpresa. Ela olhou ao redor, confusa, os dedos enrugados apertando a bolsa de tricô contra o peito.
— Para onde estamos indo? — ela perguntou, franzindo a testa.— Para um lugar seguro, dona Abigail — Ethan respondeu, com uma paciência que parecia inusitada para ele.Ela assentiu devagar, sem realmente entender, e voltou a atenção para as agulhas de tricô, murmurando algo sobre um cachecol que precisava terminar.Respirei fundo antes de entrar no carro. Ethan fechou a porta atrás de mim e contornou o veículo até o banco do motorista. Dois homens estavam na frente, um no volante e outro no banco do passageiro. Eles usavam ternos escuros e tinham a postura rígida de seguranças experientes.O motor roncou suavemente quando o carro começou a se mover. Cruzei os braços, lançando um olhar para Ethan.— Certo. Agora você pode começar a falEthan abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse, senti um movimento ao meu lado. Minha avó tentava abrir a porta do carro.— Vovó! — exclamei, me virando para segurá-la.Mas Ethan foi mais rápido. Com um movimento ágil, ele segurou seu braço com firmeza, mas com gentileza.— Está tudo bem, dona Abigail — disse com uma calma surpreendente. — Estamos indo para um lugar seguro.Ela piscou, confusa, e depois olhou para mim. — Lila… eu quero ir para casa…Meu coração doeu ao vê-la assim. Segurei sua mão e dei um sorriso fraco. — Eu sei, vovó. Mas precisamos ir com Ethan primeiro, tudo bem?Ela hesitou, então olhou para Ethan mais uma vez, parecendo estudá-lo. — Você tem os olhos dele…Ethan sorriu de canto. — Quem, dona Abigail?— George… — ela murmurou, antes de voltar a focar no tricô.Meu peito apertou. Eu sabia que, na mente dela, George era uma lembrança antiga, uma sombra do passado que ela não conseguia abandonar. M
Eu me recostei no sofá, sentindo um peso invisível começar a se instalar sobre meus ombros. Eu estava ali agora. Não tinha mais volta. E, por mais que tentasse me convencer de que era o certo a fazer, uma parte de mim ainda queria correr para a floricultura e fingir que nada disso estava acontecendo.Ethan, como se sentisse minha hesitação, falou baixo ao meu lado.— Você está segura aqui.Enquanto ele falava com o mordomo em voz baixa, minha atenção foi capturada por algo próximo à escada principal: uma grande moldura contendo uma foto de família.Seis pessoas estavam na imagem. Ethan no centro, mais jovem, mas com a mesma expressão severa. Ao redor dele, cinco irmãos. Quatro homens e uma mulher. A irmã tinha cabelos ondulados e olhos afiados como os dele, e se destacava. Sua postura era tão firme quanto a de Ethan, como se estivesse acostumada a comandar.Eu franzi a testa, surpresa. Não sabia que Ethan tinha uma irmã.— Lila.A voz dele me trouxe de vo
Scarlett franziu o cenho, claramente insatisfeita com a resposta vaga, mas, antes que pudesse rebater, seu olhar pousou em minha avó.A minha avó continuava sentada no sofá espaçoso, tricotando como se estivesse em sua própria sala de estar, alheia à tensão ao redor. Seus dedos ágeis entrelaçavam a lã com precisão, o pequeno tricô crescendo em suas mãos sem pressa.Os olhos de Scarlett brilharam com uma curiosidade inesperada.— Ela não parece preocupada — murmurou, inclinando ligeiramente a cabeça.— Minha avó não se preocupa facilmente. — Minha voz saiu mais suave do que eu esperava.Scarlett me avaliou por mais um instante antes de soltar um suspiro baixo.— Se você está aqui, então alguma coisa séria deve estar acontecendo. — Não era exatamente uma aceitação, mas também não era hostilidade.— Está, sim. — Ethan confirmou sem entrar em detalhes.Scarlett apertou os lábios, ponderando, antes de enfim recuar um passo.— Só espero que você saiba o
O frio da madeira contra meu rosto foi a primeira coisa que senti ao acordar com um sobressalto. Meu coração disparou, pulsando forte contra as costelas, e minha respiração veio curta e errática, como se tivesse sido arrancado de um pesadelo profundo e sufocante.Levei alguns segundos para entender onde estava.O escritório. Ainda.A pouca luz do abajur iluminava a mesa de mogno diante de mim, repleta de papéis desalinhados e um copo de uísque esquecido pela metade. O cheiro amadeirado do álcool misturado ao aroma de couro dos móveis me ancorou à realidade. Pisquei algumas vezes, tentando dissipar a névoa pesada do sono. Meus músculos protestaram ao menor movimento, tensos e exaustos, como se correntes invisíveis me mantivessem preso àquela cadeira.O pesadelo ainda ecoava em minha mente, como um sussurro persistente no fundo da consciência. Fragmentos dispersos de algo que eu não queria lembrar.Então, a porta se abriu.— Senhor Ethan?A voz de meu mordo
Depois de alguns toques, a imagem do meu irmão apareceu, os cabelos desgrenhados e os óculos tortos no rosto. Ele piscou algumas vezes, claramente saindo de um transe, e soltou um bocejo preguiçoso. — O que foi agora? — murmurou, a voz arrastada de sono. — Tava no meio de algo importante. Revirei os olhos, já esperando alguma desculpa dramática. — Você sempre tá no meio de algo. Alec estreitou os olhos para mim, claramente já pronto para retrucar, mas antes que pudesse abrir a boca, eu me inclinei um pouco mais para a tela e estreitei os olhos. — Você tá de óculos de leitura? Alec congelou por um segundo, depois disfarçou rápido, tirando os óculos com um movimento exageradamente casual e jogando-os de lado. — Claro que não. Antes que eu pudesse continuar, ele franziu o cenho e apontou para a tela. — Peraí… Você tá bebendo uísque de novo no escritório? Soltei um suspiro, passando a mão
— Só pra constar, você tá fodido.— Eu já sei disso.— Não, você não sabe. Mas vai saber.— Alec…Ele ergueu as mãos, rindo.— Tá, tá, já tô vendo. Me manda a foto e eu vejo o que consigo descobrir.Soltei um suspiro, tirei a foto e enviei para ele. O coração ainda batia forte no peito, um tambor insistente contra as costelas, mas ignorei. Eu não podia me dar ao luxo de demonstrar fraqueza agora.Alec olhou para a tela por um momento antes de se espreguiçar, como se já estivesse calculando os próximos passos.— Isso vai levar um tempinho. Mas eu te aviso assim que souber de alguma coisa.— Ótimo — murmurei.Alec assentiu, mas antes que ele pudesse desligar, um sorriso presunçoso surgiu no meu rosto.— Agora pode voltar pro seu Crepúsculo.Alec ficou vermelho na hora, arregalando os olhos antes de estreitá-los em um olhar furioso.— Vai se foder, Ethan.A risada escapou antes que eu pudesse segurar.— Até mais, maninho.
O silêncio entre nós era tão espesso que quase podia ser tocado. Meus passos ecoavam pelos corredores da mansão, pesados, ritmados, enquanto a presença de Scarlett logo atrás de mim se fazia sentir como um peso invisível sobre meus ombros. O som discreto dos saltos dela contra o chão polido me dizia que ela me seguia, mas sem pressa, sem urgência—como se estivesse processando cada momento, cada palavra não dita.Soltei um suspiro baixo, passando uma mão pelos cabelos, tentando encontrar uma maneira de começar.— Scarlett, eu sei que isso é—— Não agora, Ethan.A frieza na voz dela fez meu peito se apertar.Continuei andando, mas minha mente girava, inquieta. Algo estava errado. Não que eu esperasse que ela reagisse bem ao que eu disse, mas a ausência de uma explosão, de uma reação mais intensa, estava me deixando apreensivo. Scarlett nunca foi de engolir suas emoções. Sempre foi intensa, possessiva, apaixonada.Empurrei as portas de vidro que davam para o jar
E Scarlett sabia.Ela estudou meu rosto, e dessa vez, não havia mais raiva. Apenas uma aceitação silenciosa, cruel em sua simplicidade.Scarlett se virou para o jardim outra vez.— Esse lugar sempre foi nosso refúgio, Ethan. Eu escolhi cada flor, cada detalhe. Mas agora…Ela suspirou.— Agora o quê?Seus olhos encontraram os meus.— Agora eu sinto que ele pertence a outra pessoa.O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Eu não podia negar. Eu mesmo tinha sentido isso assim que pisei ali.Scarlett desviou o olhar primeiro.— Você ainda vai me dizer que ela não significa nada?Engoli em seco, mas não respondi.Eu não precisava. O silêncio falava por mim.Scarlett soltou uma risada curta, sem humor.— Foi o que eu pensei.Puxei o ar devagar, tentando encontrar as palavras certas, mas elas simplesmente não vinham. O cheiro das flores ao nosso redor, o vento leve balançando os galhos das árvores, tudo parecia uma ironia cruel.