Jorge desligou o telefone e, sem saber exatamente como revelar a notícia a Clara, se adiantou:— Estão bem. Guevara foi embora e não fez mal a ninguém. Carol está a salvo, mas preciso falar com você, Clara — disse, chamando-a para uma conversa particular.Clara, alarmada, mal conseguia conter a ansiedade:— O que aconteceu? Algo com minha filha? Carol está bem? — suas perguntas saíam atropeladas.— Sim, sim, ela está bem — Jorge respondeu rapidamente. — Mas primeiro, quero me desculpar. Não fazia ideia do que você estava passando. Não sei o quanto você está aflita. Preciso saber: quão perigoso seu marido pode ser para você e para Carol?Clara o encarou, confusa e temerosa:— Por que esse interesse agora? Pode ser mais claro? O que está acontecendo?Jorge respirou fundo, lutando para manter a calma:— Seu marido levou Carol com ele. Disseram para eu não te contar, mas não posso esconder isso de você. Não seria certo — sua voz era grave e sincera.Clara sentiu um calafrio percorrer seu
Na estrada, Clara observava a paisagem que se desenrolava velozmente pela janela. As árvores e colinas, borradas pela rapidez do carro, pareciam fugir de sua visão, assim como os momentos tranquilos de sua vida. Por breves instantes, ela se perdeu em um mar de pensamentos. Como havia chegado àquele ponto? O que a conduzira por um caminho tão tumultuado? A injustiça da situação a esmagava, um fardo pesado demais para seus ombros frágeis.Sentia-se afundar na maré de emoções, desejando libertar-se da dor que parecia não ter fim. As memórias dolorosas se aglomeravam em sua mente, sobrecarregando-a. Incapaz de conter a torrente interna, uma lágrima solitária escapou. Clara, tentando esconder sua vulnerabilidade, enxugou rapidamente o rosto, mas não conseguiu impedir que seus olhos continuassem a transbordar. A tristeza desenrolava-se em silêncio absoluto, marcada apenas pelo som sutil de sua respiração entrecortada.Clara lembrava-se de quando era uma boa garota, cheia de esperanças e son
Jorge acelerava o carro em direção à linha do horizonte, os olhos fixos na estrada. Ao seu lado, Clara enxugava as lágrimas que escorriam incessantemente. Ele não conseguia tirar da cabeça o carregamento deixado no galpão do Guevara, agora confiscado, e a dívida gigantesca que isso acarretava. Precisava falar com Tito para saber a situação da mercadoria. Clara, silenciosa, mantinha o olhar perdido pela janela, vendo o acostamento e as árvores passarem rapidamente. Jorge sabia que Kate estava no seu encalço e que não seria fácil se aproximar do galpão sem ser visto ou seguido. Sua principal preocupação era garantir a segurança de Clara. Mais uma vez, Jorge olhou para o lado e se perguntou por que se preocupava tanto com Clara. Talvez a achasse indefesa? Sacudiu a cabeça, tentando afastar esses pensamentos, e percebeu que já estavam chegando. — Deve ser aquela cidade — disse ele com um sorriso, apontando para o aglomerado de casas próximo à linha do horizonte. — Mais alguns minut
O GPS indicava que estavam próximos. Um calafrio ainda percorria o corpo de Clara, e suas mãos suavam mais a cada minuto. Jorge, por outro lado, parecia tranquilo, ao menos exteriormente. A tarde começava a descer suavemente no horizonte. As folhas das árvores, amareladas e secas, caíam lentamente ao sabor do vento. Era uma tarde fria de inverno; o outono havia se despedido há apenas dois dias, e o pôr do sol trazia consigo um frio cortante. Clara olhou pela janela do carro, tentando controlar a ansiedade. O cenário ao redor parecia um quadro pintado em tons de cinza e laranja. Jorge, concentrado na estrada, quebrou o silêncio: — Está tudo bem? — perguntou ele, sem desviar os olhos do caminho. — Sim, só um pouco nervosa, acho — respondeu Clara, tentando forçar um sorriso. Jorge assentiu, compreensivo. A jornada deles estava prestes a inciar. Entraram em uma travessa da avenida. A placa indicava "Rua 45". Parecia ser uma rua calma, estava em silêncio e não havia ninguém na
Clara não deveria, mas pensou em como seria bom poder viver como naqueles filmes lindos, com famílias amáveis que via na TV. Por tantas vezes, teve nojo de si ao se deixar ser tocada por Ruan, por tantas noites bêbado e agressivo. Ela ainda podia sentir sua mão a puxando com força, ou o sussurro em seu pescoço com o fedor da bebida.Olhou ao redor e viu a casa vazia, documentos em sua mão com nomes de outra pessoa, e deu um suspiro para si mesma. "Esse deve ser o fim da linha, o fundo do poço que algumas pessoas dizem", pensou. "Não posso desistir, eu sei, mas não sei o que fazer. Estou tão só, sem dinheiro." Falando sozinha, ela olhou pela janela e chorou, sabia que não poderia agora se apegar em suas fraquezas, mas chorou o quanto pôde até ser interrompida pelo tilintar do portão que estava se abrindo.Esse barulho era assustador há dois dias, quando Ruan chegava em casa. Agora, ela sentia um alívio, o som do portão agora indicava que não estava sozinha, ao contrário que antes a sen
Jorge, que agora era Romeu, tinha algumas curiosidades sobre Clara, agora Catarina, mas resolveu deixar o tempo correr para que se conhecessem melhor. O silêncio às vezes aparecia e trazia a Romeu a lembrança de todo o ocorrido, fazendo-o lembrar que precisava recuperar sua mercadoria e falar com Tito sobre seus negócios.Ele não poderia desaparecer completamente; precisava encontrar uma maneira de se sustentar. Um trabalho novo? Mas com o quê? Eles nem sequer tinham documentos originais. Ele sabia que tinha Catarina sob sua responsabilidade e que precisava mantê-la em segurança.Romeu deu uma olhada ao redor e viu que faltavam muitos móveis, e os que estavam na casa eram muito velhos. O fogão, por exemplo. Catarina tinha o transformado, pois, à primeira vista, parecia impossível cozinhar nele, tão enferrujado que estava. Milagrosamente, Catarina o limpou e conseguiu torná-lo usável. Foi admirável a sua capacidade de limpar a casa. Enquanto ele havia saído para ir ao mercado, dar uma
Na casa havia uma poltrona velha e um colchão sujo. Enquanto lavava a pouca louça, Romeu se atentou ao fato de que teriam que dormir e não havia uma cama. Sorriu alto, agradecendo ironicamente ao irmão pela casa velha e sem móveis. Tirou sua blusa e colocou sobre o colchão.— Venha! Se deite e descanse aqui. Amanhã iremos arrumar tudo isso. Você não terá mais dias como hoje. Te prometo que irei arrumar um lugar decente para você.Catarina, ao ouvir isso, não sabia nem o que dizer. Ao olhar a blusa de Romeu sobre o colchão, forrando para que ela pudesse se deitar, e ao ouvir que ela não teria mais dias como aquele, sentiu uma mistura de emoções. Se não fosse por estar longe de sua filha, aquele seria o melhor dia de sua vida em muito tempo. Ela estava sendo cuidada, não havia sido abusada nem maltratada, mas tratada como um ser humano. Uma lágrima desceu em seu rosto, de gratidão a Romeu, que não precisava ter esse cuidado com ela.— Pegue sua blusa. Se deite você aí. Deve estar cansad
Ela sabia que não poderia se apegar à ideia de ter Romeu como segurança. Ele logo partiria para seu destino, sua vida e suas mulheres, e ela seguiria com sua filha, como era o plano. Mas, ao acordar e observar ele dormindo, deu um leve sorriso com o canto dos lábios. Ele era tão bonito, gentil, e o cheiro de sua blusa ainda exalava em suas narinas. Entendeu facilmente por que as mulheres brigavam por ele. Era como se ele tivesse saído dos contos de fadas, o príncipe que a protegia.Balançou a cabeça e se culpou por pensar essas bobagens. Logo Romeu acordou.— Bom dia, raio de sol — disse Romeu, olhando para ela com olhos claros que iluminava toda a sala e um semblante leve que não parecia refletir o caos de suas vidas.— Bom dia. Espero que tenha conseguido dormir bem — respondeu Catarina. Toda perdida por ter ouvido a expressão "raio de sol" que soou tão linda aos ouvidos pela manhã. Romeu observou que estava com sua blusa e uma dela sobre o corpo. Ele pegou a blusa, dobrou e agrad