ALINA
"Doce Alina,Não quero imaginar o que se passa pela sua cabeça nesse exato minuto. Me dói pensar que enquanto estiver lendo essas palavras pode estar chorando. Me dói pensar, ainda, que, nesses últimos meses é tudo que tem feito: chorar. E, dói bem mais em mim, saber que sou a grande causadora de tanta dor em você, filha.Vou tentar ser breve. Não quero que chore tanto. Tenho alguns últimos pedidos a fazer, Alina. Espero que os possa realizar, sinceramente.
À começar pela sua vida, espero que não se deixe vencer pela tristeza. Ela pode parecer mais forte que você na grande maioria das vezes, mas não é. Acredite em mim quando digo que a tristeza nunca é tão grande quanto faz parecer. Quando perdemos seu pai, você ficou, durante dias, afundada em uma tristeza sem fim. Então a fiz entender que ele não havia partido, de fato. Ele continuava conosco se os mantêssemos vivos em nossa mente e coração. Sei que está sentindo-se sozinha, mas, filha, não importa onde eu esteja, estarei com você se me manter viva em seu coração. Por favor, jamais esqueça isso.
Alina, não a deixei desamparada. Aspen, seu tio, meu irmão, vai te ajudar no que for necessário. Nesses últimos meses tenho me correspondido com ele às escondidas. Queria te poupar de mais sofrimento precipitado. Seu endereço está nesse mesmo envelope, assim como as passagens que ele comprou-lhe generosamente. Seu tio é um bom homem e prometeu que ajudaria você no que fosse necessário, pelo menos até se estabilizar financeiramente, porque, se bem a conheço - e estou certa de que a conheço bem até demais - você não vai querer depender dele por muito tempo. Você tem garra, inteligência e força de vontade. Três características primordiais para se vencer na vida.
E, tocando nesse assunto de vencer na vida, eu espero que não desista do seu sonho de ser uma grande bailarina de jazz. Infelizmente, não pude apoiá-la do jeito que mereceria, mas agora acho que terá tempo de sobra para se descobrir e se empenhar no sonho de ser uma grande dançarina. Já posso vê-la abrilhantando os palcos da vida, minha menina.
E, doce Alina, nunca se culpe pelas coisas que aconteceram. Nem culpe Deus. Somos ignorantes demais para entender seus desígnios. Mas eu consigo aceitar que suas decisões são as melhores, sempre. E, por isso, intercedo e peço a ele que a guie nessa nova fase que, a primeira vista, pode parecer assustadora, mas vai ver que pode ser bonita. Basta querer que seja. Espero que, no meio desse longo caminho, encontre um amor para trilhar ao seu lado. Alguém que a apoie e a ame tanto quanto merece. A vida é mais bonita quando se tem alguém para compartilhar momentos.
Tenho orgulho de você. A menina dentuça de cabelos indefinidamente ruivos e jeito de moleca. Acredite, enquanto escrevo esta carta, você esta tirando um rápido - e merecido - cochilo sobre o duro criado-mudo que fica ao lado de minha cama. Não sei se mereço tanto. Mas aceito de bom grado tudo que me foi concedido por Deus.
A vida foi boa, Alina.
Desejo que a sua seja melhor ainda.
Todo o amor,
Eliz, mamãe"
Reli a carta deixada por minha mãe pela quinta vez.
Eu sentia falta sua falta constantemente. Desde que ela havia partido, meu único pensamento era ela, embora ela me pedisse na carta escrita que focasse na minha vida dali em diante.
Como eu sobreviveria sem você, mãe...?
É fácil me deixar suas palavras incentivadoras, mas eu precisava mais do que isso. Não queria apenas suas palavras. Queria minha mãe em seu aspecto físico. Bem aqui, do meu lado. Para me abraçar. Me cantarolar alguma música infantil. Para me ajudar a escolher o melhor passo para incluir em minhas coreografias nada profissionais. Eu a queria comigo. Agora mesmo.
Mas isso, infelizmente, eu não poderia mais ter.
— Tudo pronto?
Jay, meu grande amigo, parou e recostou-se sob a porta do quarto que sua mãe carinhosamente designara como meu há uma semana.
Tempo em que mamãe partiu e eu me vi completamente desnorteada. Jay e sua mãe me acolheram e eu certamente seria eternamente grata pelo gesto completamente altruísta.
— Tudo. — balancei a cabeça e movi meus olhos para minha pequena mala, deitada sob a cama, já fechada. — Podemos ir quando quiser.
— Ali... — ele coçou a nuca. — Está indo porque quer. Não porque precisa. Você sabe que mamãe e eu te acolhemos com todo o amor do mundo e não nos incomodaríamos se quisesse morar conosco. — Ele começou o mesmo discurso dos últimos dias. Eu suspirei fundo.
Desde que contei sobre a carta de minha mãe e sobre sua exigência de ir a encontro do meu tio, Jay simplesmente disse que era loucura. Sair da cidade para morar com alguém que eu sequer tinha visto na vida.
Em partes, talvez, ele tivesse razão. Era loucura. Mas eu sabia que minha mãe jamais me aconselharia a fazer algo que fosse ruim para mim.
Eu precisava ir. Não apenas por ela, mas por mim. Ficar aqui, no mesmo lugar de sempre, na cidade onde nasci e cresci, seria como reviver todos os dias as coisas que eu queria esquecer de uma vez por todas.
— Jay, já conversamos sobre isso. Eu preciso ir. Não posso ficar aqui e invadir a vida de vocês sem mais nem menos. Eu sei que têm boa vontade, mas... não dá, entende?
Ele rola os olhos, aparentemente chateado. Infelizmente, tenho que ignorar isso. E dar ouvido ao meu coração e ao pedido de minha mãe. É tudo que me importa agora.
— Além disso, sabe que se eu for, lá terei mais oportunidades na área da dança. A dança é a única coisa que tenho comigo agora, Jay. É tudo que me restou.
— Está enganada... — ele diz baixinho, caminhando em minha direção. Senta-se ao meu lado na cama e apanha um de minhas mãos, colocando sob as suas. — Tem a mim. Sempre vai ter a mim. Alina, eu gosto de você. Sabe disso.
— Jay, você tem a Karol. Eu não posso estragar isso. Eu não quero.
— Todo mundo nessa cidade, inclusive a Karol, sabe que eu sempre vou amar você. Infelizmente, Alina, eu sempre vou. Tenha certeza disso.
— Jay... conversamos sobre isso. Somos amigos. Apens amigos. Sua namorada merece todo o seu amor, não eu. — digo friamente as palavras olhando em seus olhos. Ele não parece aborrecido, no entanto. — Precisa... superar.
— Obrigado pelo conselho. Vou tentar superar. — ele ri de lado, e até eu mesma dou uma risadinha com seu senso de humor. — Só não posso prometer. Tem mais de você em mim do que pode crer, Alina.
Seu polegar acariciou levemente as maçãs de meu rosto. Fechei meus olhos desfrutando àquele toque suave. Eu gostava de Jay. Só não do jeito que ele queria que eu gostasse. Mas me importava com ele. E sabia que seus sentimentos por mim, apesar dos pesares, eram verdadeiros.
— Então... será que podemos ir? Quero chegar algum tempo antes do voo sair.
— Sim, claro. Venha, vamos. Vou levando sua mala para o carro enquanto você se despede de minha mãe.
Assinto com a cabeça. Caminhamos juntos até a sala da casa. Cleo já está a nossa espera. Enquanto meu amigo sai para colocar a mala no carro, eu fico a me despedir da mulher que, na última semana, fez o papel de uma segunda mãe para mim.
— Torno a repetir que por mim não iria a lugar algum, sabe disso, não é?
Balanço a cabeça em afirmação, sentindo meus olhos encherem-se de lágrimas.
— E eu agradeço por toda a gentileza, Cleo. Fez mais por mim do que qualquer outra pessoa faria.
— Imagine, Alina. Elizabeth era uma grande amiga. Quando precisava de amparo, recorria a ela. Ela não pensava duas vezes para me ajudar ou ajudar quem quer que fosse. Eliz foi uma mulher de coração enorme! — conforme Cleo tocava no nome de minha mãe, as lágrimas já rolavam sobre meu rosto. — Não chore, criança. Ela... certamente está em um lugar tão bom quanto seu coração era.
— Sinto falta dela, Cleo. Eu... sinto tanto... a falta dela...!
— Eu sei. Venha cá.
Cleo me puxou para um abraço apertado. Eu não conseguia parar de chorar. E ficava me perguntando como ainda tinha tantas lágrimas, tendo em vista tudo que eu tinha chorado nesses últimos dias.
— Ouça, — ela me desgrudou de si e fitou meu rosto. Levou uma de suas mãos até meu rosto e limpou as lágrimas que ainda desciam de meus olhos. — Sei que está indo e que este é um pedido dela, mas, se não gostar de lá ou achar que as pessoas não te tratam como merece, precisa me prometer que vai voltar, entendeu? Aqui em casa, as portas sempre estarão abertas para você.
— Cleo...
— Alina, prometa-me!
— Eu... certo. — forço um sorriso. — prometo. Eu prometo que volto.
— E me ligue com frequência. Especialmente quando chegar. Quero que me diga como foi a viagem e se esse seu tio é realmente uma boa pessoa.
Assinto.
— E, Alina... — ela olha para Jay que ja está no carro a minha espera. — Saiba que você ainda é minha número 1. Nada me tira da cabeça que você e meu filho ainda irão se casar.
Meu rosto esquenta, mas não tanto para me denunciar. Sorrio levemente para Cleo. Gostaria de dizer que quando menina eu também partilhava do mesmo pensamento. Mas o tempo passou. Jay foi o meu primeiro amor. Mas as coisas nuncas deram muito certo para mim. Ele encontrou a Karol e eu deixei de gostar dele. As coisas realmente mudaram muito.
Eu mudei.
E queria mudar mais. A partir de agora, por exemplo.
Eu estava sozinha no mundo.
Não podia vacilar. Mamãe e papai esperavam coisas de mim e eu não me permitiria desapontá-los, por mais que a vontade de fraquejar fosse grande.
Conforme Jay dava partida, a minha cidade natal ficava para trás. Não apenas a cidade, mas todas as coisas que eu já tinha vivido até ali.
E, tudo bem, a gente precisa deixar para trás aquilo que já passou e dar espaço a tudo aquilo que ainda se pode viver.
É a lei da vida.
É como ela segue.
Eu iria seguir.
DOMINICNoventa dias. Noventa dias e o rosto de Kate Smith simplesmente não desaparecia da minha mente. Ela estava impregnada em mim feito uma doença estigmatizada. Não havia remédio que curasse essa doença que se chamava Kate em minha vida. Eu já havia tentado de tudo.A pior parte é que ela insistia em se fazer presente nos meus sonhos. Ou, melhor, pesadelos.O que mais me irritava era o fato de que eu deveria odiá-la. Ela havia feito a pior coisa que um ser humano pode fazer contra outro: trair.E, ainda assim, mesmo a odiando com todas as minhas forças, eu a amava.Maldita, Kate! Maldita!&n
DOMINICEu estava completamente ferrado. Havia oito mensagens de tio Aspen, cinco de tia Sabrina e pelo menos umas doze ligações de minha mãe, o que, resumindo de modo bem sucinto, significava que eu estava ferrado. Ferrado pra cacete.Quando cheguei no aeroporto, às 17h32, eu sabia que havia pisado na bola. Não apenas sabia, mas sentia-me culpado e envergonhado por isso.Tio Aspen tinha feito um pedido e estava esperando de mim. Se ele realmente quisesse me matar, tinha todos os motivos do mundo para cometer tal ato: sua sobrinha não merecia essa recepção nem um pouco bem admita. A garota havia perdido a mãe há poucos dias, estava se deslocando de sua cidade natal para outra completamente desconhecida, provavelmente estaria super cansada devido a viagem e, Dominic Sant, um grande idiota, tinha esquecido de
ALINADepois do jantar, todos foram se dispersando. A casa era enorme, talvez nem devesse chamar de casa, mas sim mansão. Tudo era muito bonito e sofisticado, porém, apesar de tanto luxo, nunca tinha conhecido pessoas tão humildes de coração como eles. Os Sant pareciam ser ótimas pessoas. Talvez não fosse tão difícil assim me adaptar a tudo isso com toda essa receptividade da parte deles. Eu poderia me sentir em caso sem dificuldade alguma.Era estranho dizer isso. Sentir-me em casa.Há uma semana atrás eu ainda estava em Carolina, no Maranhão, cuidando de mamãe e, mal podia prever tudo que estava por vir.Mas talvez essa seja também a beleza da vida: o mistério dela. N&
DOMINICEstava tranquilo no meu sono profundo, quando a luz solar invadiu o quatro e penetrou meus olhos sem dó nem piedade. Faço uma careta de imediato. Olho para frente e, feito uma alma penada, tio Aspen está me encarando não muito contente.— Bom...— Espero que dessa vez honre com sua palavra. Alina e Sophia já estão te esperando. É melhor se levantar e ir logo, Dominic.— Eu... é claro que eu vou. Só... — fiz outra careta, rolei meu olhos por todo o quarto.— Já está tarde se é o que quer saber. Bom... vou deixar você sozinho. Desça em dez minutos, tá legal? Sem atrasos, dessa vez.Embora tenha soado como uma pergunta, eu sabia que aquilo que tio Aspen tinha dito estava mais para uma afirmação. Eu teria de descer em dez minutos e pronto. Sem contestaçã
ALINAO dia, apesar de cansativo, tinha sido incrível.Sophia era um amor de criança e a grande propiciadora de tanta diversão. Estando com aquela garotinha era impossível não sentir-se bem e feliz. Ela causava isso nas pessoas: bem-estar. Ao mesmo tempo em que, em Dominic, causava umas boas dores de cabeça. Domi não conseguia negar que não levava muito jeito com as crianças. Isso era engraçado de se assistir. Sophia conseguia, com maestria, contornar a situação e enrolar o tio.Devo dizer com convicção que Sophia Sant será uma brilhante e competente advogada. Ela parece ter o dom de contestar e opinar divinamente.Agora,
DOMINICAlina me beijou.Para causar ciúmes em Kate.Kate estava no restaurante com Joe, desfrutando de um momento feliz, à medida em que fazia com que eu me sentisse ridicularizado e na merda.Muitas informações para assimilar em tão pouco tempo.Não podia negar que não desejava aquele beijo de Alina desde o minuto em que coloquei meus olhos naqueles lábios avermelhados que desenhavam um perfeito coração. Mas eu estava garantindo a mim mesmo que aquilo jamais aconteceria. Por dois simples motivos:1. Tio Aspen me comeria vivo. Isso não era uma hipótese. Era um fato
ALINAAgradeço internamente quando adentro no quarto e não acabo esbarrando com ninguém no caminho até ele.Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o beijo de Dominic.Se mamãe estivesse aqui e eu lhe dissesse tudo que aconteceu nas últimas horas, ela provavelmente não acreditaria. E, quando desse conta de que tudo era verdade, me mandaria não perder tempo e "agarrar de uma vez esse homem..."Abri um sorriso com o pensamento bobo e senti meu coração mais aquecido. Pensar em minha mãe trazia uma calmaria boa pro coração e, naquele momento, era tudo que eu precisava.Beijar Dominic no restaurante foi uma idéia impensada, eu tinha de admitir, mas, no momento, fo
DOMINICA noite foi longa.Mas não durou tanto quanto eu gostaria que durasse. Nossos corpos nus caíram sobre a cama e, sem que conseguíssemos dizer uma palavra a mais, adormecemos.Meu sono sempre foi muito profundo, no entanto, por algum motivo, naquela madrugada um simples ruído fez com que eu acordasse muito rapidamente. Meus olhos se abriram de modo súbito e depararam-se com o corpo despido de Alina, de costas para mim, sentada na beirada da cama, escrevendo num minúsculo caderno que atiçou minha curiosidade.— Ei...? – sussurrei, a voz cheia de rouquidão.A ruiva girou a cabeça levemente para me olhar e engoliu à seco.Último capítulo