Capítulo 4

ALINA

Depois do jantar, todos foram se dispersando. A casa era enorme, talvez nem devesse chamar de casa, mas sim mansão. Tudo era muito bonito e sofisticado, porém, apesar de tanto luxo, nunca tinha conhecido pessoas tão humildes de coração como eles. Os Sant pareciam ser ótimas pessoas. Talvez não fosse tão difícil assim me adaptar a tudo isso com toda essa receptividade da parte deles. Eu poderia me sentir em caso sem dificuldade alguma.

Era estranho dizer isso. Sentir-me em casa.

Há uma semana atrás eu ainda estava em Carolina, no Maranhão, cuidando de mamãe e, mal podia prever tudo que estava por vir.

Mas talvez essa seja também a beleza da vida: o mistério dela. Não poder prever o que virá do futuro torna tudo mais emocionante. Em alguns casos, claro.

Caminhei para a sala e sentei-me no sofá menor. Logo, meu tio caminhou na minha direção e sentou-se ao meu lado.

Abriu um largo sorriso.

— E pensar que eu te vi quando ainda era um bebê... Olhe só para você agora!

Seus olhos estavam marejados, isso era notável. Abri um sorriso fraco, meio envergonhado.

— Te segurei no colo por alguns segundos, você começou a chorar muito e eu tive que te dar de volta para a sua mãe. Você era bem chorona, sabia?

Só consigo rir. Não tenho muitas recordações minhas de quando era uma criança. Só consigo me lembrar com detalhes das coisas que vivi depois que meu pai morreu e então eu e mamãe tivemos que seguir sem ele. Foi difícil. Mas nós conseguimos sobreviver.

— Quando você completou um mês de vida, sua mãe decidiu ir embora com seu pai. Desde então, nunca mais tinha te visto. Vez ou outra, em alguma data comemorativa, ela me mandava uma carta, algumas fotos suas... mas isso mudou depois que ela... bem...

— Que ela ficou doente...? — soprei.

Seu rosto endureceu e ele parecia tão machucado quanto eu.

Tio Aspen balançou a cabeça, suavemente, em afirmação.

— Sim. Foi isso que aconteceu. Ela ficou doente.

— A mamãe me contou que nos mandava dinheiro todo mês. Eu não sabia de onde vinha aquela ajuda, mas... depois que ela me contou. Muito obrigada. O dinheiro nos ajudou muito. Boa parte do tratamento foi paga com o dinheiro que nos mandava mensalmente.

— Queria ter ajudado mais. Queria... queria tanta coisa...

Ele parecia aborrecido consigo mesmo. Não deveria. Ele nos ajudou grandemente. Queria que ele tivesse noção disso.

— Você ajudou da forma que pode. E, me aceitando aqui, em seu lar, está ajudando ainda mais. Serei eternamente grata por isso, tio.

— É minha obrigação, Alina. Não é um favor. Elizabeth era minha única irmã. Sempre fomos muito apegados quando éramos crianças. Então, crescemos, eu tive de seguir um rumo, ela outro... não deixamos de nos amar. Longe disso. Nós apenas... tivemos a infelicidade de nos distanciarmos. — meu tio recolheu uma de minhas mãos e a apertou fortemente. — Preciso que saiba que estou muito feliz em tê-la aqui, apesar das circunstâncias. Quero que, de verdade, sinta que está em sua casa. Amanda e Derek são duas pessoas incríveis, você vai gostar deles.

— Obrigada, tio. De verdade. Por tudo.

— Posso...? — ele se inclina e eu crispo a testa.

Ele quer me abraçar.

Queria dizer ao meu tio que não precisava pedir, mas opto por não dizer nada. Apenas abro um sorriso largo, seguro as lágrimas em meus olhos e, então, abraço-lhe sentindo-me um pouquinho mais próxima de minha mãe.

Tinha de admitir, eles eram parecidos.

— Bom, desculpe interrompê-los, mas Aspen, acredito que Alina está cansada... gostaria de mostrar seu quarto, querida. Vem comigo?

Sorrio para Amanda. Ela é realmente adorável.

Ergo-me do sofá e ela entrelaça uma de suas mãos às minhas.

Nunca me senti tão bem acolhida como agora.

— Boa noite, querida. Durma bem.

— Obrigada, tio.

Amanda acena rapidamente para meu tio antes de rumarmos até o meu futuro quarto que ficava no andar de cima da casa.

— Pedi a Meg para arrumar esse quarto para você... — dizendo isso, Amanda abre a porta e cede espaço para que eu seja a primeira a entrar no ambiente.

Pisco os olhos meio incrédula com o que vejo.

Isso era um quarto?

Eu conseguiria viver nesse quarto o fazendo de casa se eles quisessem.

Era enorme. Tudo muito bonito e já organizado, mas, o que mais me chamara a atenção, era a extensa varanda que provavelmente tinha uma vista linda.

Abobalhada, abraço Amanda pegando-a de surpresa. Ela ri baixinho, mas retribui meu ato.

— Muito obrigada! Não têm a obrigação de me abrigar aqui, mas estão fazendo isso e... Deus! — De repente, estou me desfazendo em lágrimas.

Ótimo, Alina! Belo momento para se desfazer em lágrimas...

Parabéns!

— Ei, querida, está tudo bem. Não chore. Venha, sente-se aqui!

Amanda senta-se na beirada da cama e pede para que eu faça o mesmo, ao seu lado.

— Desculpe... me desculpe. Eu... nem sei... — tento abrir um sorriso em meios as lágrimas, mas estas escorrem pelo meu rosto sem que eu possa ter controle algum sobre elas. — Eu...

— Não precisa dizer nada. Quero que feche seus olhos e respire fundo. Pode fazer isso?

Seus olhos esverdeados penetram os meus e exalam uma calmaria absurda.

Realizo seu pedido.

Fecho meus olhos e me concentro em respirar profundamente na tentativa de retomar a calma.

Quando percebo, as lágrimas começam a cessar e minha respiração retorna ao seu normal.

Abro os olhos e enxugo algum vestígio de lágrima que tenha ficado por ali.

— Melhor...?

Sorrio fraco para Amanda.

— Sim. Obrigada.

— Não precisa se envergonhar por chorar, Alina. Também não precisa conter suas lágrimas. É bom que as coloque para fora. Guardar isso é ruim demais. É sufocante, se quer saber...

O modo como Amanda diz sugere que talvez ela já tenha passado por isso e, por esse motivo, entenda bem mais do que eu. Analiso sua expressão, ela realmente parece dedicada a me entender naquele momento.

— Eu sei, é que... — suspiro fundo. — É tudo meio difícil de crer, entende? De repente alguém que você ama está com você e no minuto seguinte não está mais e você sente como se estivesse perdida. Entende?

— Se entendo? — ela solta uma risada sem humor. — Deixe-me te contar algo... — ela força um sorriso. Segura firmemente minhas mãos. — Pode parecer ruim, mas considere-se sortuda por ter estado com sua mãe até o último minuto, querida. Sabe... quando minha mãe morreu, eu não estava com ela. Só descobri que a tinha perdido meses depois da sua morte. E eu sofri, Alina. Sofri porque não pude me despedir. Sofri porque me culpei por não estar com ela. Sofri porque não pude lhe dizer o quanto a amava... sofri...

Dava para ver a tristeza invadir o semblante de Amanda. Dóia tanto nela quanto em mim. Eu sempre fui assim. A dor do outro sempre dói em mim também. Mamãe dizia que não era um defeito, como eu achava que era, mas uma qualidade. Poucos conseguem ter empatia pelo próximo e eu conseguia, e isso era algo bonito, segundo ela.

— Eu sei que dói não tê-la mais com você. Dói todas essas mudanças repentinas, mas eu quero que saiba que a morte é uma das únicas certezas que temos na vida. Sua mãe preparou tudo para você. Aspen e todos nós não a deixaremos desamparada, tenha certeza disso. Deus não é mau, Alina. Ele não mata. Ele recolhe a alma do seu filho e o leva de volta para seu antigo lar. Um lugar sem dor, sem angústia, sem medo. Um lugar repleto de paz. Gosto de imaginar que é lá que minha mãe está.

— Eu sei. — uma lágrima quente escorre pelo meu rosto. — É nisso que acredito também. Muito obrigada, Amanda. De todo o meu coração. Mas preciso que saiba... eu aceito a ajuda de vocês de bom grado, no entanto, quero que saibam que isso será até eu conseguir me estabilizar financeiramente e conseguir ter um teto para morar. É minha meta.

Um sorriso largo se intala nos lábios da mulher madura, porém bonita, ao meu lado.

— Gostei de você, Alina. Acho que é assim que tem que pensar, mas não tenha pressa. Faça tudo da melhor maneira possível. E, no que precisar de mim...

— Sei que posso contar com você. — completo, com um sorriso.

— Muito bem. — Amanda levanta-se da cama. — Certo! — ri levemente. — Agora que já te mostrei o quarto, vou te deixar sozinha para organizar suas coisas. Depois pode tomar um banho e descansar. É o que precisa agora. Descanso.

Assinto, balançando a cabeça levemente.

— Obrigada, Amanda!

— Qualquer coisa que precisar, é só chamar. Uh, o quarto do Dominic, meu filho, é logo ao lado. Não se acanhe, se precisar dele, basta chamar também. Sei que ele parece muito rabugento, mas quando o conhece percebe que ele é só um pouco.

Amanda ri.

Envergonhada, apenas assinto.

Elegantemente ela me sorri rapidamente e depois sai do quarto, deixando-me para trás naquela imensidão de quarto.

Olho ao redor. Uau. Eu teria de me adaptar a essa nova realidade. Afinal, essa seria minha casa pelos próximos meses.

Corro em direção a varanda. Minha imaginação estava correta, a vista era perfeita. Eu conseguia enxergar toda a frente da exuberante mansão Sant. A piscina, o jardim encantador. E, o mais importante de tudo, o Céu estrelado que aparentava estar tão perto de mim quanto se mostrara quando estava no avião.

Eu gostava daquilo. Daquela sensação de estar perto do Céu. Era bom.

Imersa a beleza daquilo tudo, escutei um leve zumbido ao lado.

Assustada, virei-me de supletão e dei de cara com o filho de Amanda apenas de toalha em sua, também, varanda.

Cobri a boca para abafar meu grito de supresa. Ele não tinha me notado. Estava de costas e eu, com toda a certeza, não queria parecer uma intrometida logo na primeira noite na sua casa.

De fininho, fui tentando me afastar da varanda sem fazer barulho e, quando já estava prestes a alcançar a zona segura do quarto, sua voz me faz parar rapidamente.

— Boa noite!

Fecho os olhos e me censuro baixinho. Viro-me rapidamente e cedo um sorriso super envergonhado para ele.

— Boa...

E, finalmente, corro dali.

Depois de organizar todas as roupas no guarda-roupa e descobrir um enorme closet para sapatos no quarto, tomei uma ducha quente e me joguei na cama sentindo como se estivesse me esquecendo de algo.

E estava.

Prometi a Jay e, especialmente a Cleo, que ligaria assim que chegasse na cidade. Xinguei-me de todos os nomes possíveis quando percebi que havia esquecido totalmente de fazê-lo.

Levantei-me da cama num pulo e procurei pelo meu celular dentro da gaveta do criado-mudo.

Muitas mensagens, muitas ligações.

Cleo, a esta altura, estaria surtando de preocupação.

Disquei o número de Jay o mais que rápido que consegui.

Apenas uma chamada e eu fui atendida.

— É ela, mãe! É a Alina! — escutei a voz de meu melhor amigo um tanto ofegante do outro lado da linha. — Ali? Meu Deus do céu, Ali...!

— Jay, sou eu. Eu sinto... ai, Jay. Me desculpe. Eu esqueci de ligar quando cheguei. Por favor, me perdoe!

— Ali! Santo Deus, quase nos matou de preocupação! Passamos o dia esperando a sua ligação! Desde as três da tarde que eu não largo o celular na expectativa de que nos ligasse...

Não consigo evitar sorrir, Jay realmente me amava. Talvez não do jeito que eu queria, mas ele me amava e eu era muito grata a todas as pessoas que tinha em minha vida.

— Estou bem. Só estava cansada demais e acabei esquecendo. Além disso, não cheguei há muito tempo. Só consegui me deitar agora e foi quando lembrei.

— Seu voo não chegou às três? — sua voz soou preocupada demais.

— Sim, sim. Chegou. Mas... houve um imprevisto e... o sobrinho do meu tio acabou não indo me buscar, então...

— Está dizendo que ficou sozinha, perdida, nessa cidade que nem conhece realmente?

— bom... não exatamente...

— Eu sabia, Ali! Sabia que isso acontecer! Olha só, se eles não forem legais com você, basta me avisar, eu juro que vou até ai ou você pode simplesmente voltar e...

Ouço um barulho no outro lado da linha e, ao que me parece, Cleo está resmungando alguma coisa para Jay.

— Jay...?

— Oi, querida. Sou eu, Cleo. Jay está impedido de falar por ser extremamente explosivo com tudo. — solto uma leve risada. — Então quer dizer que esqueceu de me ligar, hum?

— Cleo... eu sinto muito. Estava tentando explicar ao Jay, eu estava tão cansada, acabei me esquecendo...

— Eu imaginei que isso aconteceria, querida. — seu tom de voz suaviza. — Apesar de ter ficado preocupada, mesmo assim. Como está? Chegou bem? E todos aí, são realmente legais?

— Está tudo bem, sim. Todos aqui são incríveis. Acolhedores. Tio Aspen é um ótimo homem e se quer saber, é muito parecido com a mamãe. A semelhança é assustadora!

— Oh, minha linda. Não sabe o quanto me alegra saber disso. Estava preocupada se eles realmente seriam gentis com você, mas pelo que está dizendo, parece que são.

— Parece, não. Eles são, Cleo. Eu até fiquei um pouco envergonhada. — admito. Cleo me conhecia desde pequena, ajudou mamãe a cuidar de mim. Ela era quase uma segunda mãe. Com ela eu poderia ser extremamente sincera sem ter medo de fazê-lo. — A casa... não, não é uma casa, Cleo, é uma mansão. Você ia amar. Na verdade, você ia amar mesmo o jardim... e a varanda do meu quarto, Cleo! É incrível! A vista é perfeita! O Céu estrelado parece tão perto...

— Nossa, menina! Devagar, é muita informação para eu digerir assim, tão rápido. — ela solta uma gargalhada do outro lado da linha. — Muito bem, querida! Recomece... você tem toda uma vida pela frente, ainda vai ser muito feliz. Aproveite as oportunidade que a vida te oferece e as agarre com tudo de si. Você...

— Será que eu posso falar com a Ali agora? — Jay interrompe a mãe.

— Seja educado. Estou falando com ela, não vê? — Cleo reclama. — Então, querida, eu vou passar o celular para esse meu menino mal educado ou ele cai duro no chão se não ouvir sua voz agora mesmo. Não esqueça, qualquer coisa que precisar, me ligue, tudo bem?

— Pode deixar, Cleo. Faço das suas as minhas palavras. Qualquer coisa que precisar, me ligue.

— Ali?!

— Oi, Jay. — sorrio, ainda que meu melhor amigo não possa ver meu rosto, eu sorrio. Eu o amo.

— Ali, promete que não vai deixar de me dar notícias suas? Promete, também, que não vai nunca esquecer de mim? De... nós...?

Meu coração aperta no peito.

Por que Jay tinha que me amar desse jeito? Eu não queria que ele sofresse por mim. Não queria porque o amava como uma melhor amiga que só quer o seu bem.

— Prometo. — e era verdade. Eu jamais o esqueceria. Jamais esqueceria todas as coisas que um dia vivemos. — Prometo, Jay. Mas vai ter que me prometer algo também.

— Qualquer coisa, Ali.

— Prometa que vai seguir com a vida. Que vai se permitir amar a Karol do jeito que ela merece. Por favor, Jay, me prometa?

— Alina...

— Por favor, Jay. Por mim?!

— Ali, isso é covardia. Sabe que faço qualquer coisa por você.

— Ótimo. Faça isso por mim. Eu... vou desligar. Estou cansada, só quero dormir um pouco.

— Tudo bem, Ali. Durma bem. Eu amo você.

— Eu também, Jay. Eu também.

E, então, finalizo a ligação, caindo na cama e apenas fechando meus olhos em seguida.

Amanhã seria, de fato, o primeiro dia de um novo ciclo que estava para se iniciar.

É, mamãe, você tinha razão, como sempre. O inesperado pode parecer assustador, mas nem sempre é tão ruim quanto imaginamos.

Eu estava ansiosa pelo o que o futuro me reservava.

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