— Sempre achei que aquela cobertura era dela. - Um dos amigos de Renard comentou.— Coisas da vida. - Peter disse. - Olha aqui. - Ele exibia um extrato bancário. Mimo é mimo, meu queridão. Ficou cara a brincadeira, mas foram duas semanas fodendo à vontade. - Ele apontou para si. - Está viciada no pai. Daqui, vou lá para a cobertura para treinar a novinha. - Ele se congratulava.— Você é o bichão mesmo! - Um dos caras se divertia. - Passa esse feitiço pra gente.— Vai sonhando. - Peter gargalhou. - É meu dom. Eu tenho o jeito. - Ria-se, orgulhoso de si. Bruce pensava no estado de Helena. Já não havia comparecido ao oftalmologista. - Preciso que vocês me façam um favor. Vamos lá pro Hell. - Peter anunciava. - Tenho um plano. Hell era um clube de baixo meretrício local, conhecido pela imigração por empregar menores e ilegais. Era difícil pegar aqueles caras e Bruce começava a desconfiar do motivo. Naquela mesa, havia dois capitães e um major. Tático, informações e operações de campo, re
Bruce tentava falar com Helena, em vão. O telefone caía na caixa postal e ela era sua paciente que mais demandava atenção. Estava a beira de um colapso, abandonar a Tenente não era uma opção. Não ela, que o defendeu feroz de uma acusação de assédio sexual anos antes. Ele foi indiciado por uma recruta que ele rejeitou, na época, namorava outro oficial, mas ali, expor sua preferência era o fim de sua carreira. Helena foi quem fez manobras e manobras para protegê-lo. Quando ele e Philip se separaram, ela protegeu o segredo deles, chantageando Rosenbauer. Ele devia a ela tanto quanto sentia pena daquela alma quebrada. — Chega! - Bruce se afirmou. Levantou-se e foi até o departamento de pessoal. - Senhora, preciso localizar o Major Renard, Peter e a Tenente Brown, Helena Jones. Quais os endereços? — Credenciais. - A mulher lhe estendeu a mão, recebendo sua insígnia. - Aguarde um pouco. - Ela digitou algo, imprimiu uma ficha e lhe entregou. - Algo mais, senhor? — Não, obrigado. - Ele
Helena desistiu de si. Passou o dia deitada, sem forças para se mover. Aguentava a fome e a sede. A dor no corpo anestesiava-a. Ela se punia, sem entender a causa daquilo ou conseguir encontrar suas falhas. Nada fazia sentido. A mente voltava a se confundir. "Eu sempre o amei assim? Isso é amor? Dói tanto..." Ela se questionava. Forçava-se a dormir para sedar a mente. Do escritório, Stuart e Bruce partiram. Gregory parecia tomado de ódio, assumiu a condução do veículo e dirigia a toda velocidade. Em questão de vinte minutos, chegaram ao rancho de Renard. — Por que este endereço não está registrado? - Bruce questionou. — Deve ser algum tipo de cativeiro. Como vou saber? Peter sempre foi um canalha. - Gregory respondeu, ríspido. - Só não achei que Helena não passaria de mais uma das presas daquele predador. Como fui idiota! Achei que a amava e mudaria, se fosse por ela. — Não é o que parece, capitão. - Bruce constatava. Desceram do carro, a casa parecia trancada. Gregory se desespe
Com a detenção do Major Renard, o Tenente Rosenbauer assumia a liderança das investigações internas. Tudo estava contra Helena naquele momento. Ele apresentou a ordem judicial, respondia por ela. — Tenente, podemos começar? - O secretário da sessão perguntou para Bruce. — Não, senhor. Quero alguém do sindicato para acompanhar a questão. - Bruce atrasava a investigação, sem qualquer pudor. - Helena faz jus a ser acompanhada por um advogado também. Sem esses representantes, solicito o reagendamento desta sessão. - O homem, instruído em tantos processos e acusações com si, engessava o andamento da sindicância. Helena estava segura, por enquanto. Contrariado, Rosenbauer aceitou o pedido para que o processo não se perdesse. Sem ela na fila, ele era o próximo a ser promovido a capitão no departamento, sua classificação permitia aquilo. Bruce voltou ao hospital, assumia o turno e os cuidados com Helena, que não reagia. Pelo relatório, sequer reagiu quando as sondas foram instalad
— Bacon? - Bruce confirmou as batidas à porta. — Sim, senhor. - Ela respondeu. — Entre, por favor. - Ele se mantinha naquela enxurrada de papéis. — Senhor, posso ajudar a organizar isso? - Ela se ofereceu. Trazia uma pasta à mão. — Aceito a ajuda. O que tem aí? - Ele perguntou. — Documentos civis da Tenente. É um tanto triste. É como se fosse uma prova de que ela existiu. - Maria suspirou. - Uma vida cabe em uma pasta, Tenente. - Ela entregou os documentos para ele. — Desculpe. Não entendi o quis dizer. - Ele recebeu a pasta, parando para ouvir a Cabo. — Na cobertura, não há nada, sabe? Fotos, diplomas, condecorações, medalhas, nada dessas coisas que qualquer um ostentaria. Toda a vida e a existência dela está nesta pasta: diplomas, certidões, as duas únicas fotos dos homens do passado dela, passaporte, documentos pessoais. Tudo aí. Um catálogo da prova da existência de alguém que claramente não quer existir. Por que batalham tanto por ela? - Maria se incomodava com essa
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,
Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu
Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças. — Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer. — Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher. — Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze. — Não precisa falar