Todos ao mesmo tempo, com andar e olhar de caçadores, se aproximaram juntos com a cauda serpenteante levantada ao céu. Fecharam o círculo à minha volta, aproximando-se com os olhos fixos em mim! Movimentos tão perfeitamente sincronizados que quase hipnotizaram a vítima: eu.
Tomado por súbito medo de virar refeição, senti a adrenalina jorrar. Com um movimento lento, pus a mão no cabo da minha lâmina e fiquei imóvel, tentando prestar atenção em todos os que cabiam em meu raio de visão. Um deles, um macho em especial, dirigiu-se com ferocidade à tigresa que me trouxera e rugiram um para o outro sem se tocar, repetindo o gesto algumas vezes. Tive a impressão que se comunicavam ou, mais precisamente, discutiam seriamente sobre mim, porque entre uma rugida e outra, encaravam-me de relance.
Era o maior de todos, bem acima da média e parecia irritado ao me ver. “O alfa” — pensei intrigado com a situação. Parou de rugir e me observou em silêncio. Tão lento quanto antes, afrouxei um pouco a mão em volta do cabo da lâmina. Devagar, caminhou em minha direção com passadas perfeitas e firmes, características dos felinos e sem desviar os olhos, aproximou-se fazendo-me apertar a empunhadura.
Cheirou-me por inteiro tocando, por vezes, o narigão gelado em partes do meu corpo. Levantou-se sobre as patas traseiras e colocou as dianteiras em meu ombro quase me abraçando. Era tão mais alto que senti o bafo de cima cafungando meu rosto e minha cabeça.
E que patas enormes! Estaquei sem reação imaginando que, se tivesse a mesma velocidade que têm os gatos domésticos para um ataque, poderia decapitar-me com uma patada.
Tomado pelo pânico, fiquei petrificado, suando frio e minha mão apertou mais! O medo retardou minha ação e, quando decidi sacar a lâmina, o bichano deu várias lambidas ásperas e molhadas na minha cara, desconcertando-me e desfazendo qualquer possibilidade de reação agressiva de minha parte.
Senti o ar fugir dos pulmões, em alívio. Ganhara uma sobrevida. Pensando friamente, o que teria adiantado reagir? Eu estaria morto se eles assim desejassem.
Ele dirigiu-se outra vez à tigresa dando rugidos intercalados com resmungos, e respondidos da mesma forma. Em seguida, rugiu estrondosamente alto, olhando para cima e para os outros tigres como se desse uma ordem. Absolutamente tudo o que eu vira até aquele momento fora surpreendente, mas o que veio a seguir foi, em uma palavra: inacreditável!
Todos os animais adotaram postura bípede ao mesmo tempo em que seus corpos diminuíam de tamanho, os pelos sumiam e as feições mudavam. Transformavam-se em seres humanos muito rápido!
Com a transformação completa, girei devagar trezentos e sessenta graus ao observar estupefato! Vestiam peles de animais e pareciam de etnias diferentes. Por fim, minha visão estacou nela, a tigresa que me levara até lá transformada em uma lindíssima mulher de formas e curvas perfeitas; longos e ondulados cabelos tão negros que emitiam um brilho azulado e pele branca como a neve; olhos grandes, verdes como esmeraldas e enigmáticos fixos em mim. A boca de lábios médios e sensuais me agraciou com um sorriso encantador de dentes perfeitos.
Hipnotizado, eu não consegui tirar os olhos dela, tamanha a beldade! A boca rosada e carnuda na medida certa se mexia, falava algo e eu, encantado pela perfeição que ela irradiava, demorei para começar a escutá-la. Esforcei-me para ouvi-la e o volume de sua voz subiu aos poucos, tão aveludada que mais parecia o canto de uma sereia. Eu não conseguia prestar atenção no que dizia e, sim, no timbre melodioso que emitia.
Acordei do transe ao me dar conta que ela usava uma língua familiar. Esforcei-me mais e percebi que a entendia parcialmente, até que reconheci o idioma. Fiquei pasmo outra vez!
Era uma língua muito antiga que há mais de dois mil anos serviu de base para o nosso idioma atual. Era surpreendente, mas ela falava inglês!
Com o encanto quebrado, prestei atenção no que ela falava e o diálogo que se seguiu, sem contar as dificuldades para compreender um ao outro, foi mais ou menos assim:— …quando você chegou aqui e qual o seu nome? — perguntou pela terceira vez, que foi quando saí do transe.— Bem… onde é “aqui”, senhorita? — respondi, tentando fechar o sorriso bobalhão.— Eu faço as perguntas — retrucou em tom autoritário, mas gentil.Não tente entender a contradição. “Que gata selvagem!” — pensei extasiado, inclinado a responder tudo o que ela quisesse saber.— Meu nome &eacut
— Dois mil anos? Pirou de vez! — intrometeu-se a gata.— Impossível? Então por que você não nos conta de onde veio? — trovejou Cassius firme, mas sem perder a calma.Ao que, os burburinhos calaram e Cassiene apassivou-se em respeito. Ele demonstrava ser mais aberto do que a irmã. Segundos mais tarde, dei-me conta que para algumas das perguntas que me fiz há apenas alguns minutos, poderia encontrar respostas no que ele acabara de relatar. E eu não tinha motivo para duvidar, pois diante de tudo o que vi desde que acordei na floresta, nada mais me surpreenderia, pensei. Ledo engano, mas decidi falar um pouco.— Tudo bem, farei um resumo: antes de acordar aqui, a última coisa de que me lembro é de entrar no hiperespaço com
Enfim, vi-me sozinho com a estonteante mulher e não deixaria, de modo algum, escapar a chance de me aproximar.— Nesses quase seis meses aqui já tiveram algum tempo para fazer explorações, imagino, então me conte, por favor, o que encontraram de interessante por aí?— Muitas coisas estranhas. Conhecemos alguns belos seres que se autointitulam “elfos”. É surpreendente como as lendas podem se tornar realidade de uma hora para outra, não é? — perguntou quase em tom de afirmação, sarcástica e satisfeita.— É claro, “lenda viva” — respondi, provocando-a com um sorriso descontraído.— Ao que parece, são seres de bo
Quando acordei, ainda estava escuro. Voltei para a árvore e por lá fiquei até o nascer do sol, o que não demorou. Os irmãos me chamaram para voltar à aldeia, mas neguei. Eles insistiram dizendo que era perigoso ficarmos expostos, mas mesmo assim não fui. Queria estudar a cidade na tentativa de encontrar uma luz no fim do túnel, que nos conduzisse de volta para casa. Além do mais, eu não faria nada além do meu trabalho: explorar. O que, modéstia à parte, faço bem.O movimento na cidade era grande. Vagões de madeira puxados por bois e por cavalos, passavam a toda hora para lá e para cá, levando e trazendo gente e cargas. Uns chegavam outros saiam e muitos circulavam lá dentro. Vi o nome da cidade rusticamente entalhado em um arco de pedra na entrada sul: “Nova Esparta”. Ti
Era o que eu tinha até o momento: lugar com alto nível de Mana? Merlin e Gandalf eram magos e magos faziam “magias”! Dois senhores cujos modos e vestes assemelhavam-se aos deles em uma era medieval? Ainda mais dando instruções dentro de um castelo? Depois do que a gata relatou sobre “manipulação de mana” aliado a tudo de impossível que eu presenciara, imaginei:“Magos!” — seria possível alguma outra conclusão? Com seus conhecimentos poderiam nos ajudar! Uma possibilidade absurda, admito, entretanto o que não era absurdo aqui? Concluí que eu precisava fazer contato com aqueles senhores.Contar toda a verdade seria imprudente, uma vez que essa gente antiga costumava ter crenças fundamentalistas e eram capazes de atrocidades terrívei
Desci a colina em direção à cidade encoberto pela vegetação. Não entraria por um dos portões por serem bem guardados. Identificara um ponto do muro perto de uma torre vazia e, portanto, pouco vigiado, por onde poderia escalar. Algumas pedras soltas e com falhas no paredão ajudaram, além das vantagens do meu traje. Concluída a escalada, corri para a torre vazia. Creio que eram tempos de paz, porque a vigilância era frouxa. Da torre, percebi uma faixa de terra de cinquenta metros da muralha até o início da zona urbana para acomodação de tropas, supus. Corri rampa abaixo e cheguei à borda da urbanização nos fundos de casebres. Em um deles, uma senhora estendia roupas em um varal. Esquadrinhei as roupas camponesas com as lentes que transmitiram a informação para o computador de bordo e para o traje.
Depois de muito divagar, percebi que chegara o que chamavam de comida: um gorducho sujo, suado e peludo empurrava uma rudimentar carroça com rodas de madeira que rangiam sobre a qual se via um caldeirão de ferro em que borbulhava um engodo repugnante que o obeso servia em pequenas gamelas de argila. Os servos correram para formar uma fila à frente da carrocinha. Fiquei por último e ao pegar minha tigela fui me sentar ao lado de Yole.Experimentei para constatar que, como desconfiei, o gosto era terrível e rançoso! Cuspi! Os outros comiam tão vorazmente que nem perceberam. Entreguei o meu a Michael, que apenas devorou. Recorri a uma pastilha de nutrição, que me mantém alimentado por vinte e quatro horas, bebi água e dormi.Ao acordar, lavei o rosto sendo notado com curiosidade pel
“Oh, céus! Como fui me meter nisso” — eu ruminava, deitado de costas observando as estrelas quando o guarda da escolta pessoal do necromante cutucou de leve minhas costelas com a ponta da bota e disse:— Taurus quer falar contigo, agora — sussurrou e deu-me as costas voltando à sua posição.Afora o crepitar da fogueira e os sons selvagens da mata, no acampamento reinava o silêncio, mas duvido que todos estivessem dormindo depois do pavoroso ataque. Dirigi-me à tenda de Taurus e entrei encontrando-o sentado a uma pequena mesa rústica sobre a qual havia um embrulho encurvado que desconfiei ser o braço do morto. Não me deu atenção enquanto não terminou de redigir uma carta, a qual lacrou usando cera vermelha e o brasão de Nova Roma.