“Oh, céus! Como fui me meter nisso” — eu ruminava, deitado de costas observando as estrelas quando o guarda da escolta pessoal do necromante cutucou de leve minhas costelas com a ponta da bota e disse:
— Taurus quer falar contigo, agora — sussurrou e deu-me as costas voltando à sua posição.
Afora o crepitar da fogueira e os sons selvagens da mata, no acampamento reinava o silêncio, mas duvido que todos estivessem dormindo depois do pavoroso ataque. Dirigi-me à tenda de Taurus e entrei encontrando-o sentado a uma pequena mesa rústica sobre a qual havia um embrulho encurvado que desconfiei ser o braço do morto. Não me deu atenção enquanto não terminou de redigir uma carta, a qual lacrou usando cera vermelha e o brasão de Nova Roma.
O rei Victorio leu a mensagem que eu trouxera e recebeu com pesar a notícia da morte do irmão, embora se esforçasse para disfarçar, pois julgava que eu desconhecia a informação, que era quase um segredo. De fato, o rei tinha vergonha daquele irmão caçula, um homem dos mais desprezíveis, mau caráter, trapaceiro, estuprador, bêbado e arruaceiro.É difícil imaginar que um homem bem-nascido consiga reunir tantos defeitos e que tenha conseguido fazer tanta maldade a ponto do irmão, o próprio rei, tê-lo deserdado. Mas Titus conseguiu, e, conta-se, a gota d'água foi quando tentou estuprar a então princesa, noiva de Victorio.Ninguém sabe ao certo onde terminam os boatos e começam as verdades, mas parece que o primogênito conseguiu impedir o ato e deu uma surra no irmão com a parte chata da lâmina da espada, e depois esmurrou-
E assim eu fiz sem maiores problemas, a não ser ter que conviver por alguns dias com a intragável e medonha mulher de Titus, Zéphyra, o que me levou a entender porque ele era um notório estuprador. Se eu fosse casado com aquela bruxa, certamente enfiaria o pau em qualquer outro buraco, menos nos dela. Não sei como conseguiu fazer seis filhos nela. Talvez tenha tido algum resquício de beleza quando jovem. Sem contar o humor amargo, sempre reclamando, brigando com um filho ou outro. O único filho com quem se dava bem era o mais velho, Nero, então com quinze anos. E os dois foram os que menos lamentaram a morte de Titus. Pelo menos eu não os vi derramarem uma lágrima sequer durante toda a viagem, inclusive no funeral, ao contrário dos menores que choraram aos prantos.Na ida para Nova Roma, notei que Nero e Zéphyra começ
Quando chegamos a Nova Roma, fomos recebidos pelo escravo particular de Victorio, Caius que era conhecido por ser educado, mas sucinto. Não gostava de perder tempo.— Sejam bem-vindos a Nova Roma. Eu os guiarei daqui para frente. Obrigado por teus serviços, Yole, eu assumo.— Perdão, Caius, mas Victorio ordenou que eu liderasse a comitiva desde a saída de Sicilianos até a volta para lá, e assim o farei, a não ser que Victorio em pessoa diga o contrário.Ele me fulminou com o olhar, mas sabia ser verdade, pois estava presente quando o rei me dera as ordens. Depois de um momento respondeu:— Que seja. Sigam-me.— Esperem um pouco aí! —
Na sala do trono, Victorio se sentava sozinho, aguardava sem tentar esconder a cara de poucos amigos. Ajoelhamo-nos e fizemos uma mesura para cumprir as formalidades.— Sê breve, Zéphyra — ordenou ele.— Muito grata por receber a mim e teus sobrinhos, majestade. Me honra tua gloriosa presença, mas se não for abusar da tua paciência, poderíamos ter uma audiência privada?— “Se não for abusar da minha paciência”? Receber-te aqui já é um enorme abuso da minha paciência e do meu tempo, mulher, sem contar que teus filhos não são mais meus sobrinhos desde que o pai deles foi justamente deserdado. Portanto fala logo ou retira-te! — trovejou o soberano. Acordei com um raio de sol nos meus olhos e com os ferimentos completamente curados, mas ainda fraco. Fiz o último procedimento de cura que não tivera tempo de fazer antes de apagar: injetei, na veia, uma ampola compacta de sangue artificial concentrado. Era o que eu precisava para revigorar o corpo e sair daquele fosso, mas, para que fosse mais efetivo, teria que beber água.Levantei, guardei o estojo de primeiros socorros e analisei as paredes buscando uma forma de subir. Existiam pontas de raízes que eu não vira antes, então escalei com relativa facilidade até a borda do buraco.O difícil foi mexer o tronco que, mesmo carbonizado, além de bloquear o caminho devia ter uns dois metros de diâmetro. A abertura, embora não fosse grande o bastante para que eu passasse meu corpo completamen16 - LAIUS E O RETORNO
Caminhei a passos largos e corri quando o terreno permitia, até que cheguei a uma clareira e me dei conta que era o local onde fui acordado pela tigresa. Olhei em volta e subitamente me questionei onde raios estaria minha nave? Com as confusões e descobertas absurdas dos últimos dias, esquecera-me completamente dela. Devia estar por perto, é claro, pois como eu teria chegado aqui? Decidi que pediria ajuda aos tigres para vasculhar a floresta em busca dela e continuei.Repentinamente, estaquei ao sentir que era observado! Mesmo com meus equipamentos ligados e sabendo que seria impossível, eu senti. Fiz uma rápida busca visual para constatar quem me fitava: os elfos, nas copas das árvores.Pensei em me revelar e iniciar um diálogo, afinal despertavam curiosidade. Foi quando ouvi um quebrar de galho seco vind
Guardei a lâmina que, desarmada, confundia-se com um pequeno bastão no cinto. Ninguém imaginaria o que era. Transparente quando energizada, causa leve refração da luz incidente, tornando difícil vê-la e impossível aparar seu golpe.Vibrolâmina de monofilamento. Por onde passa, desfaz as ligações químicas em escala molecular. Energiza-se por comando mental via computador de bordo, reconhecendo o DNA, e desliga-se ao abandonar a mão do usuário mesmo que por um instante.Tremi. Caí de joelhos, penalizando-me pela morte, senti a visão embaçar e o peito apertar; depois de alguns segundos, assimilei um fato: era eu ou ele e apenas isso permitiria que eu me perdoasse pela vida que acabara de ceifar. Devagar, levei a mão direita às costas do
Saquei um estojo e dele tirei seis minúsculos dispositivos do tamanho de cabeças de alfinetes.— Permita-me — pedi.Aproximei-me dela e colei um em cada lateral de sua cabeça no ponto acima dos ouvidos e a frente das orelhas. Ela sentiu uma picada naqueles pontos.— Os dispositivos penetraram na sua pele. São pontos eletrônicos subcutâneos que transformam seu crânio em uma caixa de ressonância permitindo que me ouça. Poderemos conversar a distância — expliquei.— Poderei ouvi-lo? Quem bom! — exclamou. — E poderei falar também?— Aqui, ponha no céu da boca e sentirá a mesma picada.