Acordamos sob o sol nascente e, depois do desjejum, fomos ao observatório. Os dezessete dias que se passaram desde o ataque do dragão dourado ao acampamento nos proporcionaram intimidade quase automática. Dezessete dias de convivência próxima em que dormíamos juntos todas as noites reservando o dia para vigiar a cidade e o envolvimento afetivo consumara-se: estávamos perdidamente apaixonados um pelo outro.
Voltáramos à aldeia dos tigres uma única vez para reabastecer os suprimentos e, na cidade, as diferenças eram grandes: todo o exército fora realojado dentro das muralhas na faixa de terra reservada para tal fim e aqueles homens já davam sinais de tédio, esboçando pequenos ataques aos barracos mais pobres da cidade. Os capitães faziam de tudo para contê-los, mas um ou outro sempre escapava
— Soldados, atenção!! — gritou o rei. — Carregar! — comandava e era obedecido à risca por todos os arqueiros — Preparar, apontar! Sustentar a mira! Ao meu comando!O dragão púrpura era tão grande quanto o dourado que vi e parecia determinado a tirar muitas vidas sem hesitar, mas por que? Que tipo de inteligência era aquela?Não houve tempo para respostas: ele escolheu uma ala de soldados e vertiginosamente, derramou sobre eles suas chamas púrpuro-esbranquiçadas.Muitos dispararam na esperança de abater o monstro, mas as flechas passaram no vazio dada a velocidade da criatura, além do que, o comando de disparo ainda não fora dado pelo rei que esperou a criatura levantar-se do rasante e esboça
Depois de revogar a deserção de Titus, Victorio mudou de postura, compadecendo-se de Zéphyra e dos filhos, passando a tratá-los como membros da corte e da família real. Entretanto, mandou que voltassem a Sicilianos e aguardassem em suas terras até segunda ordem, pois tinha assuntos mais sérios a tratar do que trazê-los de volta para a corte. É claro que ele poderia delegar a função para subalternos e, o fato de não fazê-lo, evidenciou que não queria a cunhada e os sobrinhos xeretando por perto nos próximos meses, o que corroborava o boato de que algo grande se aproximava.Depois do funeral de Titus, antes de partirmos em viagem de volta, o rei me chamou para uma conversa em particular.— Yole, primeiramente, agradeço-te por abrir mão de teu
No caminho de volta, com o chacoalhar da carroça onde eu ia deitado, pensava sobre os pequenos pergaminhos em minhas mãos, retirados dos compartimentos de prata daquela joia que Taurus me dera anos atrás.— “Só abre quando eu morrer…” — dissera-me.O que poderiam conter? Eu ruminava na iminência de lê-los e descobrir. Seria por causa do conteúdo deles que minha herança fora negada? Hoje sei que foi, mas, naquele momento, eu tinha medo de olhar e descobrir uma realidade que me deixasse mais desamparado ainda.No fundo, eu sonhava com o dia em que ele poderia reconhecer-me como filho publicamente, mas na impossibilidade de que isso acontecesse, queria, pelo menos, manter a imagem de bom pai secreto que eu tinha dele, de bom senhor par
— Atrás daquele morro — informou um viajante para quem perguntamos por Nova Roma.Viajamos por alguns dias acampando à noite, sempre fora das estradas, longe das cidades e povoados. Vislumbramos o “morro” a que se referia o homem e constatamos ser uma elevação maior que uma colina e menor do que uma montanha, baixa o suficiente para ser coberta de vegetação e com poucas paredes rochosas íngremes o suficiente para serem nuas.A estrada que percorríamos passava pelo lado direito da elevação e continuava colina abaixo tornando impossível, do ponto em que estávamos, ver qualquer coisa além. Decidimos sair dela em busca de um ponto de observação em meio à vegetação da elevação em questão. Já
— Sabe Deus o que poderia ter acontecido! — exclamei exaltado.Ela me olhou interrogativamente séria, a sobrancelha direita erguida, levantou e caminhou.— Aonde você vai? — questionei.— Descobrir onde estamos. É quase noite e precisaremos de abrigo. Você vem?Sem responder, levantei e a segui. Andamos por alguns minutos e descobrimos que estávamos no topo de uma colina a leste da cidade e, como fizemos em Nova Esparta, escolhemos uma árvore alta como observatório, preparando-a para acomodar-nos, mantendo um acampamento a seus pés.— Daqui descobriremos a feiticeira e um meio de abordá-la sem chamar atenção —
Quando acordei ela preparava algo para comermos, assando um animal de tamanho médio que exalava formidável aroma à luz quase inexistente do dia que se esvaía.— Hmmmmm!! — Pelo cheiro teremos um banquete!— É, “belo adormecido”, mas não se acostume a ser sempre servido assim — descontraiu.Retirou o espeto improvisado do fogo, fincando-o no chão em meio a duas raízes expostas da árvore que nos abrigava. Era lá que sentávamos, um em cada raiz de frente um para o outro. Banqueteamo-nos com fartura e, em dado momento durante o jantar, ela parou de comer e me observou séria, com olhar distante.— No que está pensando? — inquietei-me.
Mal terminou de falar e com um rosnado tornou à forma guerreira quase dobrando de tamanho e me derrubando de suas costas assumindo, em seguida, posição de defesa com o joelho direito tocando o chão, a mão esquerda apoiada no joelho esquerdo e a mão direita em posição de guarda com as grandes garras retráteis expostas.Eu, caído entre as pernas enormes e musculosas, via as orelhas felinas movimentarem-se frenéticas cento e oitenta graus cada, cobrindo todo o perímetro como fazem os gatos domésticos. As narinas ejetavam um leve vapor de respiração, a cauda serpenteava sem parar e eu, sem nada ver, tive a tardia ideia de mudar o espectro das lentes para o termográfico.Tal foi minha surpresa ao avistar pelo menos trinta lobos encobertos pela penumbra fec
Rumamos em silêncio ao nosso observatório e, durante mais três dias, tudo o que vimos corroborava com nossa constatação anterior: a feiticeira participava de eventos acompanhando o rei, o papa e toda a nobreza de Nova Roma. Então no amanhecer do quarto dia eu perdi a paciência.— Já esperamos demais. Vamos nos aproximar, nos infiltrar e descobrir o que mais podemos fazer para ter uma audiência discreta com ela — declarei e fui descendo.Cassi, carrancuda e sem nada dizer, me acompanhou. Entramos na cidade por um grande arco de pedra sem sermos abordados por ninguém e nos misturamos aos transeuntes. Lá dentro, a cidade fedia mais ainda, é claro, e fomos abordados por todo tipo de ambulante oferecendo a mais variada gama de ervas, cereais, peças de carne de todo tip