Catarina
O fim de semana passou como um sopro, que eu sequer pude aproveitar decentemente. Choveu absurdamente e Beca passou bastante tempo de mau humor, já que nossos sagrados passeios restaram apenas no nosso mundo da imaginação.
Uma coisa sobre crianças de quatro anos que ninguém me avisou é sobre a fonte inesgotável de energia em que consistem. Inventei tudo o que foi possível e meu auge foi o nosso acampamento na minha pequena sala.
Uma barraca feita de cobertas de ursinhos, pisca-pisca que encontrei perdido do natal, almofadas em um número que eu nem lembrava ter e desenho animado.
Era uma constante infinita de musiquinhas infantis que a faziam dançar, saltitar e cantar na sua língua infantil, que às vezes, é impossível de compreender.
Quando ela se cansava, deitava em meu colo e segurava meu queixo, um costume que não sei se ela já tinha antes de chegar para mim. Nesse momento, ela adormecia e eu ganhava o direito de co
Catarina Dando-me um tempo valioso, uma moça bate à porta, trazendo-nos café e água, o que agradeço profundamente. Ela me serve e eu me controlo para não beber todo o conteúdo de uma vez e aplacar a secura na minha garganta que parece querer me impedir de falar. – Fico feliz que Raphael a tenha enviado como representante da Mendes. – Ele inicia formalmente nossa reunião, me tirando daquele espiral de ansiedade. – Raphael me designou para essa reunião, mas pelo que verifiquei do projeto, vocês praticamente fizeram a maioria dos acertos. – Consigo interagir de forma sã e celebro internamente. – O projeto que ele apresentou é horrível. – O homem é honesto e eu não resisto em arregalar os olhos, o que parece lhe chamar a atenção. – Como? – Eu sei que é horrível, mas se ele já tinha essa opinião, exatamente o que estou fazendo aqui? – Antes de contatar vocês, analisei diversos projetos da empresa e apenas um
Arthur – Quer explicar o que acaba de acontecer ali fora? – César me pergunta e me sento puto na minha cadeira, sem saber como responder. O que aconteceu? Nada, só não esperava que o impacto que tive há dois anos se renovasse. E que história foi aquela que nosso encontro não deve ter sido relevante? E por qual razão eu estou debatendo isso na minha mente nesse instante? Não é por isso que ela está aqui. O que aconteceu entre nós foi mero acaso, coincidência e obra do destino. Não tenho qualquer razão para lembrar como ela me abalou por tanto tempo ou pensar em como ela está absolutamente linda hoje. Ela estava com um vestido preto, que a deixava profissional e sexy ao mesmo tempo. Os cabelos presos, ainda tinham suas mechas adornando seu rosto e seu colo. Ao mesmo tempo em que parece uma mulher séria de negócios, ela me impressiona com a espontaneidade que emana de si. Algo que ela guarda até de si mesma, mas qu
ArthurConsigo fugir do trânsito pesado, saindo muito antes do necessário e a empresa ainda está pouco movimentada. Maria Emília já se encontra em seu posto e assim que me vê, se levanta animada, como se fosse me contar uma fofoca.– Ela é linda! – Diz antes mesmo de me dar bom dia. Maria Emília e eu somos amigos, antes mesmo de sermos chefe e secretária. Diante dos outros nos tratamos formalmente, mas minha família e César sabem que é apenas para manter o local de trabalho, um local de trabalho.É assim que eu evito cenas como essa.– Bom dia, Maria Emília. – Ela afugenta meu mau humor com a mão como quem abana uma mosca.– Ouviu o que eu disse? Ela é linda! Tipo, linda, como aquelas crianças da televisão. – Que maravilha, minha secretária já con
Catarina Saio da sala de Arthur igual ou mais atordoada do que ontem. O que acaba de acontecer, meu Deus? Consigo me recordar da dimensão exata de sua altura, do movimento exato de sua garganta ao engolir seco e da dilatação de suas pupilas tão evidentes em seus olhos azuis, que o faz apertá-los levemente, os deixando brevemente puxados. Lembro, com uma precisão atordoante, do cheiro que ele todo emanava para mim. Consigo lembrar que a distância que nos separava era a de um sussurro, que saiu de seus lábios finos como uma promessa. Prometeu que me deixaria trabalhar em paz. Trabalho, Catarina! Trabalho! – Tudo bem por aí, Cata? – O que? – Você está bem? – Sim! – Digo ainda sem raciocinar. – César entrou aí para ver se você precisava de ajuda ou se o rei a tinha mandado para o calabouço. – O que eu fiz? – Enfrentou a fera. E se não foi mandada de volta por o
CatarinaA chuva cai intensa, atrapalhando todo o meu cronograma. Arthur anda insuportável com relação ao andamento do projeto, como se um complexo residencial ficasse pronto em um mês.Sim, um bendito mês inteiro em que ele se mantém com um humor dos infernos, por complicações no Olimpo. Ou Reino, como diz César. Descobri por Maria Emília que o problema é com outro cliente da empresa e não é pessoal.O que ela entende como pessoal, quando o homem praticamente diz que meu projeto está como o do Raphael? Jura?Daquele dia em diante, meu humor espelhava o dele e fiquei suscetível a uma briga. Ele desconhecia completamente o sentido da palavra “expediente” e me mandava mensagens infinitas parecendo ser proposital.Ontem Rebeca não resistiu e, ao ouvir o som do telefone, respondeu a mensagem. Assim, de
Arthur – Maria! – Grito da minha mesa, assim que Carolina vai embora. – Sim, chefinho? – Apenas me explica. – Catarina precisou deixar uma pasta e entrou. Por quê? Carolina te pegou desprevenido? Não se preocupe, Cata não vai contar para ninguém. – Essa não é a questão. – Então qual é? – Que as pessoas não podem entrar na sala das outras sem bater. – Conta outra, você faz isso todos os dias. Quero ver se um dia pega Catarina em uma situação dessas na sala dela. – E com quem ela ficaria numa situação dessas, Maria Emília? – Digo impaciente. – Não sei. A mulher é solteira, bonita e até eu, se não fosse hétero, ia querer. Zero defeitos e sei que qualquer pessoa com um neurônio sabe ver e não perderia uma oportunidade com esse espetáculo de mulher. Meu mês foi terrível e essa situação que acaba de ocorrer, apenas a coroou. Lutei como um entusiasta para jamais esquecer
Catarina O universo anda de parabéns quando o assunto é me desviar da rota. Qualquer rota. A rota do ônibus, da carona, do horário, dos meus planos e, decididamente, da minha recém-tomada decisão: Bem longe de Arthur Ferraço. Contra todas as possibilidades, ele decide seguir minha maldita carona e se tornar minha única opção segura de chegar em casa sem precisar fazer ensopadinho de Rebeca e Catarina. Ótimo momento para não ter habilitação, insisto. Fui teimosa, eu sei. Deveria pensar que, para Beca, seria melhor chegar mais rápido em casa, do que passar pelo caos do trânsito em uma viagem desconfortável. Deveria pensar que essa carona foi bem-vinda, mesmo se tivesse uma namorada dele aqui dentro. Não tem. Devo-te essa, universo. Mas a situação constrangedora em seu escritório, parece ter ligado uma sirene obstinada em meu cérebro e ela ecoa, ecoa e ecoa até que eu tenha vontade de socar aquela cara bon
Arthur Lembro-me perfeitamente de em diversos momentos da minha vida afirmar que o destino não é falho. Ele demora, enrola bastante, pega caminhos que muitas vezes eu desconheço, mas o resultado é sempre bom. Como nesse momento, em que estou fazendo figuras de sombras com as mãos para que uma animada Rebeca possa adivinhar. E eu sequer precisei planejar isso, quando tudo apenas aconteceu. Meu surto com Catarina em sua sala, ela me flagrando com Carolina, a raiva crepitando em seus olhos, a malfadada carona com o Tio Fábio, uma chuva torrencial e eu aqui. Tudo bem, o destino teve uma tarefa árdua, mas tudo compensou para esse momento de calmaria com esse pinguinho de luz. Ela é falante como Guilherme era e possui seu sorriso. A forma de pegar no queixo da gente para chamar a atenção ou firmar as duas mãozinhas e evitar que possamos olhar para o lado. Manias que seu pai tinha, não aceitando dividir espaço