DESEJO INSANO
DESEJO INSANO
Por: Déia
Capítulo 1

Ele tem olhos verdes

Lily Rose, 21 anos, estava exausta após dois anos de pandemia global. Logo na sua vez de se formar em enfermagem após o ensino médio, o mundo entrou em colapso. Novata na área, ela foi jogada na linha de frente do furacão.

A princípio, ninguém sabia o que era ou do que se tratava. Trabalhando no maior hospital dos Estados Unidos, Lily viu pessoas chegarem na emergência com sintomas de gripe. Geralmente, era febre alta, dores no corpo e prostração.

O quadro dos pacientes evoluía muito rápido para insuficiência respiratória, parada cardiorrespiratória e óbito. Dezenas, centenas, milhares e milhões de pessoas morreram até a doença ser detectada e a vacina ser encontrada.

Por ter sobrevivido aos anos de 2021 e 2022, os dois anos que ela pensou que fosse morrer de COVID, exaustão ou por ter visto sofrimento demais para uma única existência, Lily desistiu de trabalhar na emergência do pronto atendimento do Hospital Hopkins, e se candidatou a uma vaga de enfermeira na Clínica Hope.

O salário era até melhor, mas a escala de 24x12 era um pouco desafiadora. Sem família, solteira, sem filhos e com boletos atrasados, Lily decidiu ir na entrevista de emprego após ser chamada depois de exatos trinta dias que tinha enviado o currículo por e-mail. Com três vagas abertas, aquela era a única forma que eles aceitavam a inscrição.

A Clínica Hope ficava nos arredores da pequena cidade de Jackson, no alto de uma colina onde tinha um majestoso carvalho. Por fora, era uma imponente casa cinzenta de dois andares em estilo europeu com telhado inclinado, paredes de pedra e chaminé.

Devido ao clima frio na maior parte do ano, e o céu cinzento, a clínica particular tinha sido construída para aproveitar toda a iluminação externa possível com grandes janelas de vidro.

Se por fora parecia apenas uma casa de campo, por dentro, a clínica era ampla com recepção, sala de estar, cozinha anexa ao refeitório, corredores largos e quartos com banheiro.

Sorridente, Lily dava oi para todos os enfermeiros que via no caminho até a sala do diretor Davis Brune West. Ele era um psiquiatra renomado que por muitos anos, conduziu pesquisas sobre a mente humana, e tinha três best-sellers que ainda figuravam na lista do The New York Times.

Davis West, além de médico e escritor, também era palestrante motivacional, e um ferrenho defensor da medicina alternativa. Para não ser pega de calças curtas durante a entrevista, Lily tinha lido os livros do Doutor West: O Poder Da Mente, Medicina Alternativa, e Cura & Libertação.

Se os dois primeiros livros se referiam a uma prática abrangente de métodos de saúde não convencionais, o terceiro livro era uma explicação dos outros dois, tendo como modelo Jesus Cristo.

Aquilo pegou Lily de calças curtas porque ela acreditava cegamente que qualquer doença mental, deveria ser tratada com remédios e ponto final.

Cura & Libertação era um livro um tanto quanto audacioso, talvez, até mesmo apelativo e distorcido da verdade universal: Psicopatia não tinha cura, e o portador de tal doença mental, não poderia alcançar a cura através dos ensinamentos de Jesus.

Não foi à toa que o Doutor West teve a sua licença cassada para exercer medicina de forma legal, e conseguiu na justiça o direito de ter a sua própria clínica particular para os familiares de doentes mentais, que partilhavam da sua visão um tanto quanto "precipitada", para dizer o mínimo.

Entretanto, Lily não tinha nada a ver com aquilo. O trabalho dela seria cuidar dos doentes mentais dando banho, alimentação, levando para tomar sol, tratar possíveis ferimentos, trocar fraldas, e no caso dos que estavam em tratamento com remédios, ela daria a medicação.

Sendo assim, ela alisou o terno preto, verificou se os cabelos castanhos escuros e cacheados estavam alinhados, olhou o rosto negro no espelho de bolsa, e como a maquiagem leve estava ok, ela guardou o espelho na bolsa de mão e bateu na porta.

- Entra.

Ao entrar, a primeira coisa que Lily viu foi uma parede inteira com vários diplomas emoldurados. O consultório era simples com uma maca hospitalar, mesa com cadeira, pia com sabonete em barra, suporte de papel toalha, lixo e uma janela de persianas levantadas, deixava à mostra a colina e parte da cidade de Jackson ao longe.

Doutor West era muito mais alto do que parecia nas fotos. Branco, cabelos e barba grisalhos, miúdos olhos azuis, e corpo atlético até demais para quem estava com sessenta anos. Ele vestia uma blusa de flanela xadrez preto e vermelho, calça jeans escuro, botas de borracha e tinha um pano cinza jogado no ombro esquerdo. Se estivesse de chapéu de cowboy, ele se passaria facilmente por um pacato fazendeiro daquela região árida.

Ele sorriu abertamente mostrando os dentes brancos e perfeitos.

- Lily Rose?

- Sim.

O médico psiquiatra estendeu a mão quente e macia.

- Davis West.

- É um prazer conhecê-lo, Doutor West.

- Por favor, não diga que é uma grande fã dos meus livros porque ninguém na sua idade iria gostar de toda aquela complexidade.

Lily sentou na cadeira apontada para ela e o médico sentou atrás da mesa de madeira entulhada de papéis. Havia um telefone fixo e um notebook aberto. Ela sorriu. A timidez sempre foi sua inimiga número um.

- Eu confesso que não entendi muito do que li.

Davis suspirou frustrado. Porém, ele disse com gentileza:

- Você não acompanhou o meu raciocínio como a maioria das pessoas.

Lily se sentiu mal. O que Davis queria compartilhar era importante para ele, mas nem todos conseguiam ver algo de bom ou útil na sua narrativa cansativa e complexa. Ela forçou um sorriso.

- Eu acredito que o senhor seja um homem à frente do nosso tempo. O que o senhor já sabe, nós ainda não tivemos a oportunidade de ver.

Lily ganhou a atenção de Davis que arqueou a sobrancelha direita com evidente surpresa.

- Você acha?

- Sim. Talvez daqui uns cem anos, a medicina alternativa seja uma realidade e alguém vai dizer: "Davis Brune West estava certo. Valeriana é muito melhor do que Valium."

O Doutor West soltou uma sonora gargalhada, e chegou a se inclinar para trás na cadeira giratória de couro preto.

- Poxa, isso foi realmente incrível de se ouvir.

Lily continuou sorridente. Talvez, o médico psiquiatra estivesse certo em um ponto: Era tão fácil fazer alguém se sentir melhor com uma palavra de incentivo.

- O emprego é seu. Leonardo Ferrero é o único paciente que está fazendo uso de tranquilizantes. Você irá cuidar dele. Só um aviso, haja o que houver, não tire as algemas dele. E nunca, nunca, em hipótese alguma, entre no quarto com grampos, presilhas, ou qualquer outra coisa perfurante. Terá sempre um monitor treinado com você porque Leonardo é extremamente perigoso.

Lily ficou boquiaberta. Em seguida, ela disse aflita enquanto apertava as mãos sobre a bolsa no colo:

- Eu lidei com COVID por dois anos e isso me deixou muito exausta em todos os sentidos. Eu pensei que aqui, eu poderia apenas dar banho de leito, colocar fraldas, fazer curativos e acompanhar os pacientes no banho de sol. Sabe, sem toda aquela loucura do pronto atendimento do Hopkins.

Davis suspirou compreensivo, porém, ele deu um sorriso torto.

- Eu não acho que você terá vida fácil em uma clínica psiquiatra, começando pelo plantão de 24hs porque estamos com 12 pacientes e só 3 enfermeiros.

Lily suspirou profundamente.

- Eu pensei que era uma clínica para tratar pessoas com depressão, demência, transtorno bipolar, esquizofrenia, autismo e idosos com Alzheimer. Esse tipo de coisas. Eu não pensei que tinha paciente nesse grau de...

- Psicopatia. Leonardo é um psicopata.

Lily abriu e fechou a boca já pensando em desistir da vaga. Porém, morando de aluguel, ela lembrou que tinha tido um rompante de loucura e comprado um carro zero. Um belo Honda Civic grafite. E naquele momento, ela tinha 48 parcelas de financiamento para pagar, mais aluguel, mais contas, mais despesas pessoais e mais a droga do veterinário que tinha vacinado Toddy, seu labrador marrom de cinco anos.

A cafeteira estava com mau contato, o chuveiro queimado, e o cabo do microondas derretido. Lily afundou na cadeira, seduzida pelo salário de cinco mil dólares, e os domingos e feriados de folga. Aquilo era exatamente o que ela precisava: Um hospício.

- Ele foi trazido do Lenox Hill há uma semana. O irmão dele solicitou um enfermeiro particular, e como ele já adiantou o pagamento pelos três meses de período experimental de adaptação, você ficará por conta dele.

Boletos ou um psicopata misterioso?

- E as outras duas vagas?

- São enfermeiros do sexo masculino para ajudar com os pacientes no leito. Leonardo não aceita ser cuidado por homens. Eu vou te passar a ficha completa dele. Ele tem TOC também e outras peculiaridades.

- Entendo. - Lily disse debilmente. - Eu acho que estaria mais segura na linha de frente da pandemia.

Davis riu divertido.

- Como eu disse, nada de objetos que possam perfurar ou cortar. Durante o banho terá um monitor com você.

Lily assentiu ainda em dúvida.

- Ele é um idoso como a maioria dos pacientes que eu vi aqui?

Davis levantou ainda sorrindo.

Seu novo paciente iria gostar da sua nova enfermeira tímida e não muito esperta. Psicopatas tinham o hábito de serem sociáveis com pessoas tímidas.

- Vamos conhecer o seu velhinho.

Lily seguiu o Doutor West para o andar de cima e parou ao lado dele na última porta que ele destrancou e abriu. Tudo que Lily viu, foi um par de olhos verdes brilhantes e curiosos.

- Leo, essa é a Lily Rose, sua enfermeira particular. Seja gentil com ela.

Preso na cama hospitalar pelos pulsos e tornozelos algemados nas grades laterais, Leonardo Ferrero esboçou um sorriso encantador.

- Olá, Lily. Minha fralda está molhada.

A nova enfermeira da Clínica Hope, se perguntou que merda ela estava fazendo ali.

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