O teto era um livro sem palavras, um livro que eu havia lido por quatro anos, mas ainda não tinha conseguido terminar. Nesta noite, esse livro ganhou som.A voz, embriagada e turva, falava devagar, com esforço, como se tentasse articular claramente cada palavra, com medo de que eu não conseguisse entender, ou pior, de que eu o rejeitasse.Senti umidade no pescoço, não sabia se era por causa dos beijos de Bruno ou se a umidade vinha dos meus próprios olhos. Eu queria perguntar a ele: “Se soubesse que tudo teria chegado a esse ponto, o que teria feito naquele momento?” Por que ele tinha forçado, passo a passo, nossa relação a se transformar nisso?Mas ele estava bêbado, e mesmo que eu perguntasse, ele não entenderia. Então, apenas dei um sorriso, como se nada tivesse acontecido.— Ana, você sorriu. Você sorriu para mim. Agora eu sei que você não quer me ver triste. Seu sorriso é tão bonito.A voz de Bruno estava cheia de alegria, suave, agradável. Se eu tivesse ouvido esse tipo de elo
Meu corpo estremeceu, e uma leve brisa que passou perto de meus ouvidos trouxe um toque de frio. Virei a cabeça em direção ao Bruno, que estava com os olhos fechados, dormindo profundamente.Fiquei um pouco atordoada, sem saber se era a fadiga que estava me causando essa sensação de confusão, ou se realmente a noite tinha ficado mais fria.A voz de Nelson no telefone soou, carregada de uma leve risada.— Se você quiser, não precisa se preocupar comigo. Eu já não sou mais a mesma pessoa de três anos atrás. Essa pequena liberdade, eu ainda tenho.— Parabéns, mas não precisa. Não tem mais sentido, não vou mais insistir.Ver as pessoas ao meu redor se tornando cada vez melhores me deixava feliz por elas. Nelson, Rui, até mesmo Luz. Embora a vida deles não tivesse chegado ao estado que os fizesse 100% felizes, todos brilhavam nos seus respectivos campos.Até mesmo Bruno, o crescimento dele nos últimos três anos estava claro para todos.Mesmo que ele tenha abaixado a guarda na minha frente,
Rui ficou em silêncio por um momento, antes de soltar uma risada tranquila.O telefone foi desligado e, logo em seguida, ele me ligou novamente, desta vez por vídeo.O nome de Rui no topo da tela piscava, trazendo à tona muitas lembranças. Havia um tempo, distante e breve, quando nós dois compartilhávamos nossas vidas através de chamadas de vídeo. Aquele período parecia tão distante agora, um misto de pressa e imaturidade, que tudo parecia ter sido feito de maneira impulsiva, sem considerar os obstáculos que enfrentávamos. Sabíamos, no fundo, que a decisão tomada não seria capaz de suportar tudo o que viria pela frente.O prazer momentâneo gerado pela novidade se tornou frágil diante das dificuldades que surgiram.Atendi a vídeo chamada e, na tela, apareceu o rosto de Rui, limpo e fresco, como se tivesse acabado de fazer a higiene matinal.— Ana. — Rui sorriu e disse meu nome, o cheiro refrescante de colônia de barbear parecia atravessar a tela, invadindo minhas narinas.Eu sorri també
Rui falava, mas de repente baixou a cabeça, fazendo com que sua parte superior do corpo saísse do quadro do vídeo, revelando a grande parede branca atrás dele.O que Rui não sabia era que, através da sombra da luz, ainda pude perceber seu corpo tremendo e os rápidos movimentos que fazia ao tentar enxugar os cantos dos olhos.— Rui... — Estou aqui! — Ele logo se endireitou e me deu um sorriso, com os olhos vermelhos e a voz embargada. — Quando atendi seu telefone, fiquei realmente muito feliz. Eu até queria te dizer que meu pai e meu irmão estão mais tranquilos agora, que não vão mais interferir no meu casamento, não têm mais poder para isso. Eu queria te dizer que agora sou capaz de tomar minhas próprias decisões sobre minha vida amorosa.Ele sorriu de forma desconfortável. — Agora vejo que não era necessário, Ana, pode ficar tranquila, de agora em diante, eu sou a sua família. Não vou deixar o Bruno te machucar!Suspirei silenciosamente, claramente Rui havia interpretado mal a rel
Quando desci as escadas, todos na Mansão à Beira-mar pareciam ter percebido algo, e logo começaram a se colocar à minha frente. Elas buscavam desculpas tolas, até chegaram a me perguntar se eu queria preparar uma refeição para a Dayane, algo que ela gostasse, para levar até ela. Dayane não estava bem de saúde, e sempre tinha um nutricionista especializado que cuidava das suas refeições diárias. Ela nunca precisaria que eu cozinhasse para ela.Parei, fixando o olhar nas pessoas à minha frente.— O Bruno mandou vocês me restringirem?Elas trocaram olhares, em silêncio, e no fim, não disseram mais nada.Eu franzi o cenho, fechei a expressão e, rapidamente, passei entre elas, fazendo meu caminho até o jardim. Luz já estava me esperando lá.— Vamos para o hospital! — Assim que entrei no carro, ouvi Luz dizer.Meu coração apertou. Hospital não é um lugar que inspire boas notícias. Sempre que alguém menciona um hospital, é porque algo grave está para acontecer. Além disso, Luz tinha falado
Tudo estava como Luz havia dito. Fora do quarto de Gisele, de fato, estavam algumas pessoas. Vários seguranças de preto, altos e musculosos, bloqueavam o estreito corredor, o que fazia com que até a luz ficasse mais fraca. De vez em quando, o som de soluços vindos do interior do quarto se destacava, se tornando ainda mais assustador. Mesmo sendo o meio-dia, quando o sol deveria brilhar com força, havia uma sensação de frio inexplicável.— Veja, veja! Eu não estava errada, estava? — Luz estava atrás de mim, batendo o pé impacientemente. Ela parecia nervosa. — Vamos, vamos, vamos entrar e ver o que está acontecendo!...Eu me virei para analisar sua expressão. Se antes ela parecia um pouco preocupada, agora exibia um leve sorriso de quem estava visivelmente animada.— Eu realmente duvido que tenha me chamado aqui porque estivesse preocupada. Acho que você me trouxe só para assistir ao espetáculo, não para me pedir ajuda... — Comentei.Luz riu.— Nada disso! Eu também estou preocupada. —
Bruno se aproximou e parou atrás de mim, trazendo consigo um pouco de luz e calor. Ele envolveu minha cintura com suas mãos, e o cheiro suave do sol, que parecia aquecer o ambiente, me deixou inquieta. De uma forma inexplicável, eu estava gelada, e meu corpo não conseguia conter os leves tremores.Enquanto Gisele me observava, seus olhos cheios de dor e desespero, Bruno inclinou suavemente o queixo sobre meu ombro e sussurrou em meu ouvido:— Desculpe, por todo o sofrimento que te causei.Gisele gritou, o som agudo e desesperado cortando o silêncio:— Irmão, irmão, me abraça, por favor! Eu não tenho mais pernas, não consigo andar! Só vou poder viver se você me carregar, senão... Senão eu vou morrer!Bruno virou a cabeça, e com uma frieza intransigente, respondeu a Gisele, sua voz cortante como uma lâmina:— Então morra.As palavras não eram dirigidas a mim, mas, ao ouvi-las, meu corpo não pôde evitar um tremor. Em um instante, parecia que o mundo ao redor havia parado. Eu estava prof
No hospital, Bruno Henrique aprumou-se em toda a sua altura, destacando-se na multidão.— Não é da sua conta, pode ir embora.Mal tinha me aproximado quando ouvi ele dizer isso, e o saco que eu segurava foi tirado das minhas mãos. A meia-irmã de Bruno foi levada ao hospital no meio da noite, e minha única função, como cunhada, era apenas trazer algumas roupas, nada além do que uma empregada faria. Estávamos casados há quatro anos, e eu já estava acostumada à frieza dele, então fui falar com o médico para entender a situação. O médico disse que o ânus da paciente estava rompido, causado pelo ato de fazer amor com um parceiro.Naquele instante, senti como se tivesse caído em um poço de gelo, o frio invadindo-me dos pés à cabeça.Que eu soubesse, Gisele Silva não tinha namorado, e quem a levou ao hospital naquela ocasião foi meu marido.O médico ajustou os óculos no nariz e me olhou com certa pena.— Os jovens hoje em dia gostam de buscar novas emoções e procurar por estímulos.— O qu