Lídia estava voltando para casa enquanto conversava com sua filha pelo telefone. A jovem tinha se mudado recentemente e ligava para a mãe com frequência para conversar sobre tudo o que via. Essas conversas se tornaram rotina na vida de Lídia, depois do trabalho já tinha seu celular em mãos, pronta para atender e ouvir como foi o dia de sua filha.
A calçada por onde andava era larga, revestida em tijolos vermelhos claros, era bem movimentada e muitas pessoas passavam por lá. Todas voltando de um dia de trabalho, voltando para casa, ou saindo para se divertir. As ruas eram largas e poucos carros passavam, a maioria antigos e bem conservados. Lídia sentia o metal dos carros passando vibrando contra sua pele, mas ela não tomava os metais para si, o deixava fluir e seguir para onde seus motoristas queriam.
- Boa noite. Vá fazer a sua janta e não se esqueça que tem que ser saudável. - Diz Lídia no telefone.
"Tá bom. Boa noite." - Sua filha se despede.
Ao desligar e prestar atenção no que vinha pela calçada, viu uma figura familiar. O cabelo quase raspado, cor cinza e espirais roxas passando pelo couro cabeludo eram fáceis de reconhecer. Era a irmã mais nova dela, Héstia.
Héstia apenas aponta para uma loja com a cabeça e entra nela em seguida, Lídia continua caminhando até chegar a entrada da loja. Era uma livraria, com livros exibidos na vitrine de vidro sobre uma mesa coberta por um tecido vermelho, o interior era repleto de prateleiras, o balcão já ficava de frente para a porta, a área lembrava um corredor que terminava em um L onde no final tinha mesas para os leitores sentar, lerem ou escolherem qual livro levar.
A irmã caçula de Lídia estava sentada no fundo olhando para as próprias mãos.
Ao se sentar, Héstia olha para ela. Ambas têm os mesmos olhos, estreitos e pretos como ônix, uma das características da família, quem dera fosse só essa. Sua irmã vestia uma camisa fina de gola alta com mangas curtas, uma calça cinza e sapatilhas pretas de verniz, seu casaco de tecido grosso está pendurado na cadeira. Ela estava acabada, Lídia podia ver isso de longe.
- Oi, Titi. - Ela cumprimenta com um sorriso acolhedor.
- Oi, Lídia. - Héstia cumprimenta em um tom frio sem olhar para a irmã.
Tinha alguma coisa estranha ali. Lídia só não sabia dizer o quê. Sua irmã não é assim, nunca foi, nem quando elas ainda moravam juntas.
- Há quanto tempo. Como vão as coisas? - Ela perguntou tentando parecer descontraída. Héstia nunca fala quando tem algo errado, Lídia tinha que preparar o terreno para que a irmã se sentisse segura para dizer o que quer que a esteja incomodando.
A irmã olha para a estante de livros à esquerda das duas, perdida nos pensamentos. Estava mais magra, suas bochechas pareciam murchas e a pele pálida, como se estivesse terrivelmente doente.
- Mamãe está nos procurando. - Ela diz, indo direto ao ponto.
Foi mais rápido do que Lídia esperava, na verdade, estava muito além do que ela imaginava. Pensou que Héstia tinha se metido em alguma encrenca ou que seu namorado e sua namorada descobriram um sobre o outro e ela não sabia se largava os dois ou escolhia entre um deles. O que Héstia disse era ainda mais assustador do que os relacionamentos amorosos dela.
- Como? - Lídia pergunta pensando que ouviu errado.
- Ela veio falar comigo. Tem alguns dias. - Héstia conta esfregando as mãos devagar, não estava usando anéis, só uma pulseira de correntes pretas em cada pulso.
Lídia não acredita, sua irmã sempre gostou de pregar peças, talvez seja isso. Talvez tenha perdido a noção e começado a fazer piadas de muito, muito mal gosto.
- Pensei que ela não fosse mais problema. - Lídia diz recostada na cadeira, tentando parecer calma. - Depois das mudanças na corte.
- É, eu também. Mas só porque não tivemos notícias não significa que ela esteja morta.- Héstia dá de ombros, ainda encarando as próprias mãos. - Aliás, também estamos encrencados por causa dela, quer dizer, eu acho. Se ela continuar assim, vamos ter que aturar mamãe querendo ou não. - Héstia ergue a sobrancelhas enfatizando o que disse.
Há anos que Lídia não via sua mãe nem teve notícias dela, também porque não queria saber o que ela fazia da vida. Tinha saído da corte por causa disso, sua mãe era doente e Lídia queria se ver o mais longe possível dela. Pela própria saúde. Não demorou para seus irmãos seguirem o exemplo. Parecia que ela não iria atrás deles, Lídia estava segura disso.
- O que isso quer dizer? O que ela vai fazer? - Ela pergunta com os olhos arregalados. - Por que podemos acabar encrencados por causa dela?
- Ela está aprontando, o Tyr tentou convencer ela a parar, mas você já conhece a velha. - Héstia diz dando de ombros. - Sabe o que ela disse que queria fazer quando o papai morreu? Pois é, ela vai fazer agora.
- Mas isso é impossível. - Lídia gagueja. - Ela não tem forças nem recursos, é impossível que alguém queira apoiá - la agora.
Héstia põe os cotovelos sobre a mesa e apoia o queixo sobre as mãos.
- Lídia, você acha mesmo que a mamãe precisa do apoio de alguém para fazer o que ela quer? Aquela velha faz o que quer, e ai de quem não aceitar. - Ela abaixa o olhar por um instante.- E... ela tem idiotas que acreditam nela.
- Ela não sabe onde estamos. - A voz de Lídia ameaça falhar. - Se ela precisa de nós, não tem como achar todos.
- Acredita mesmo nisso, irmã?
- Não tem como ela nos encontrar - Lídia tenta argumentar. - apenas Tyr sabe da nossa localização. Ele-
- Eu não acabei de dizer que ele não conseguiu fazer nada para parar ela? . - Héstia corta. - Por isso ela está voltando a mostrar suas adagas, que está nos achando com tanta facilidade. Estamos encrencados porque o Tyr caiu.
- O que ela fez com ele? - Lídia pergunta apertando as próprias mãos, nervosa. Temendo pelo pior, não imaginava que sua mãe seria capaz de matar um dos filhos, ainda mais o Tyr. Poderia fazer qualquer coisa com eles, mas não matá - los.
Isso não poderia ser possível, Tyr não deixaria isso acontecer. Confiava em seu irmão, ele cuidou da segurança de Lídia e seus irmãos por anos. Ele não era tolo e irresponsável, foi ele que garantiu a liberdade de Lídia e do resto dos irmãos. Seu irmão mais velho continuou na corte, para que a mãe não visse a necessidade de ir atrás dos outros filhos que não queriam mais viver assim, e tirar o máximo de poder que Magnólia ainda tinha naquela corte.
- Ele estava com ela quando foi até mim. Ele não pôde dizer muita coisa, apenas colocou essa coisa infernal em mim. - Héstia puxa a gola da camisa preta e mostra uma gargantilha prateada, parecendo várias de serpentes prateadas se entrelaçando no pescoço dela. Não era uma gargantilha e sim uma coleira. - Também estava usando uma.
- Não pode- - Lídia sussurra. - Ela não pode...
- Lídia, já pegaram todos, falta apenas você. - Héstia interrompe. - A essa hora, Oni já deve estar com ela.
- Mas... - Ela começa a falar.
O Oni era o menos provável de ceder, foi o segundo a ir embora de casa, mas o que mais teve ousadia em se rebelar e dizer que deixaria Gedeon olhando nos olhos da mãe. Lídia fugiu depois que a melhor amiga se casou e se mudou para Denver, ela foi junto para ter uma fuga segura.
- Eu tentei falar com você na sua casa, mas essa maldita coleira não permitiu nem que eu me aproximasse da porta. - Héstia aponta furiosa para a coleira. Lídia percebe as mãos dela tremendo. - Ela não vai parar até que todos os filhos dela voltem. - A irmã caçula funga, mostrando uma pequena fração do que realmente estava sentindo.
- Mas não tem nada que a gente possa fazer? O Tyr não deixou nenhuma pista?
- Mamãe ameaçou a esposa dele, o tem na palma da mão. - Héstia responde, já desistiu há muito tempo. - A única coisa que ele pôde fazer foi pedir perdão.
- E o que eu posso fazer por você? - Lídia pergunta colocando a mão na bochecha da irmã e secando uma lágrima com o polegar.
Antes de responder, Héstia passa a palma da mão pelos olhos para secar as lágrimas. Ela toma fôlego antes de falar.
- Você não pode fazer nada, Lídia. - Hestia diz, usando a expressão neutra que todos eles aprenderam quando crianças. - Ela já sabe onde você está, onde mora e que está conversando comigo agora. Você caiu na armadilha dela. - Sua irmã diz abrindo bem as mãos, o metal desliza como líquido por seus braços, saindo das mangas e se tornando luvas de metal grosso.
Em um segundo, todos esses anos que Lídia passou livre para viver, amar tendo certeza de que foi sua própria escolha e se curar passam a perder o sentido. Ela sentia sua vida sendo tomada como se fosse levada pelo vento.
- Não. - Ela luta contra o ímpeto de levantar e correr até a sua casa e depois correr até sua filha e fugir para longe. - Tem que ter alguma coisa que eu possa fazer, eu me recuso a obedecer ela de novo.
- Eu tentei, Lili. Ela pegou as pessoas que eu amava e disse que se eu negasse meus direitos de sangue de novo, eles pagariam. - Héstia conta a olhando com pesar. - Você tem uma filha, não tem? - Ela pergunta, mas seu tom era como se estivesse lamentando.
- Aquela desgraçada não vai encostar um dedo na minha menina. - Lídia quase grita, seu relógio começou a se mover como líquido em sua mão, ela sente os canos passando por debaixo de seus pés e começa a contar todas as peças de metal ao seu redor.
Héstia segura as mãos dela, tentando segurá - la, mas Lídia as afasta como se fosse se queimar. Ela tentava pensar no que fazer, para onde ir, e não conseguia pensar em nada.
- Mamãe não a encontrou e não vai arriscar se revelando para ir atrás dela. - Héstia tenta acalmá - la. - Por enquanto, ela só quer os filhos. Provavelmente vai deixar os netos em paz.
Lídia olha para ela arqueando uma sobrancelha. Depois Héstia dizia que a irmã mais velha era a tola, a mãe delas vê as pessoas com o mesmo sangue como ferramentas que pode usar como bem entender. Não vai demorar para ela ir atrás dos netos.
- Você não pode se salvar disso, mas pode salvar sua filha. - Héstia a puxa de seus pensamentos. - Pense nos recursos que você ainda tem depois de todos esses anos. - Ela diz devagar. - Você ainda pode falar com... aquela sua amiga, certo?
Lídia entende onde sua irmã quer chegar, mas ainda é uma ideia arriscada. Essa amiga de quem ela está falando se tornou em uma mulher muito ocupada e provavelmente um alvo para Lady Magnólia, não seria fácil falar com ela, mas era a única que sabia a verdade sobre tudo. Sua filha não sabe sobre sua avó e ouviu pouco sobre seus tios e tia, muito menos sobre a verdadeira capacidade de sua herança. Nem sabe que tem primos. Para recorrer ao que Héstia sugeriu, teria que contar a verdade à filha, mas isso arriscaria sua segurança. Não. A segurança dela já está ameaçada agora e, infelizmente, outra pessoa terá que contar tudo à ela. Talvez, para ela, seja melhor assim. Sua filha com certeza armaria um escândalo dos grandes, mas entenderia. Lídia só tem uma escolha.
E possivelmente vai machucar sua irmã.
- Mamãe disse que você não pode me deixar sair daqui? - Lídia perguntou colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
-É. Para manter você aqui até o Tyr chegar. - Héstia responde com os olhos semicerrados, conhecia a irmã bem demais para saber o que ela estava prestes a fazer.
Reformando o relógio para transformá-lo em dois anéis pesados, Lídia dá um soco no nariz da irmã e corre para fora da livraria se misturando pela multidão. Não podia ir para casa, era inútil tentar ir para lá. Então se viu correndo para o parque, estava com poucas pessoas a essa hora, mas o bastante para forçar sua irmã a ser discreta, e iria prolongar a procura dela e de seu irmão.
Ela só para quando os postes se acendem ao longo do caminho da pista. Lídia puxa o celular do bolso da calça e procura um número que ela salvou há muito tempo, e esperava não precisar ligar.
- Por favor, por favor... - Lídia murmura.
Quando ouve uma voz atendendo, quase grita de alegria.
- Miriam! Aqui é a Lídia! Eu preciso da sua ajuda.
Miriam entende rápido o desespero da amiga e evita perguntas inúteis.
- Não para mim. - Lídia continua. - Minha mãe está atrás de mim neste exato momento. - Lídia diz olhando para trás, Héstia não a seguiu, mas quando olhou para frente, viu que outra pessoa veio. Ela já imaginava quem era.
"Então, o que você quer que eu faça?"
Lídia inspira, o homem chegava cada vez mais perto, não iria machucá-la, mas quando ele chegasse até ela, teria que desligar.
- Eu tenho uma filha, ela está na Ilha de Maya. Seu nome é Sophie Hauser, está treinando no terceiro Campo na área de engenharia, não sabe sobre sua herança. - Lídia sussurra. - Minha mãe disse que não vai atrás dela, mas eu não acredito. Por favor, não deixe que ela alcance minha filha.
Ela toma mais fôlego, não sente medo, sente apenas suas emoções esvaindo de seu corpo, como fazia antes de cada treino ou cada vez que se via obrigada a se reunir com sua família na casa onde eles moravam. Teria que retornar aos velhos hábitos.
- Não sei se nos veremos de novo, mas se acontecer, provavelmente estarei tentando te matar.
O tom de voz de Miriam continuava o mesmo. Neutro, calmo e se mostrando completamente preparada e ciente do que quer que venha a seguir. Pois já sabe todas as soluções.
"Entendi. "
- Obrigada. Vou tentar fazer algo daqui. Não vou deixar ela te atingir - Lídia sente o aço se aproximando e encerra a chamada. - Nem você nem eles.
Segundos depois, um homem alto e de ombros largos aparece diante dela. Ele está vestindo um casaco preto, calça larga preta e botas pretas. Lídia olha para o rosto dele, a barba grisalha, a pele rosada com menos rugas do que um homem da sua idade teria e os olhos pretos como ônix. Ele também está usando uma coleira igual a da Héstia, quase não dá para ver por causa do casaco. E se Héstia parecia exausta, ele estava de pé por milagre. Não costumava ser assim, ele sempre tinha a expressão suave de um príncipe, a postura de um guerreiro. Lídia viu o impacto do que estava acontecendo pesando sobre os ombros do irmão, quase o esmagando.
- Lídia. - Tyr acena com a cabeça.
- Oi, Tyr. - Ela diz, já deletando tudo do celular e o jogando na grama. - Mamãe não veio com você?
- Ela está esperando você. - Ele diz cabisbaixo. - Vamos logo.
Os dois poderiam acabar lutando ali, seu irmão poderia facilmente arrastá - la à força se fosse preciso, mas ele sempre foi incapaz de ferir qualquer um dos irmãos. E Lídia não queria forçá-lo a isso.
Tyr estende a mão para a irmã como costumava fazer antes quando ela estava atrasada para o treino ou tinha feito algo de errado e teria que enfrentar a mãe, mostrando que estaria com ela. Ele fazia isso com Héstia também, não com Oni porque ele é orgulhoso demais para aceitar qualquer ajuda, muito menos a dele. Lídia dá a mão para Tyr.
Os dois caminham pelo parque, Lídia segurava o braço dele. Geralmente, o toque do seu irmão é reconfortante, ele assumia a postura de irmão protetor que sempre assume com todos os irmãos Zander. Ele sempre os defendeu e ajudava quando eles precisavam, mas agora era diferente. Tyr Zander está tão desesperado quanto qualquer um deles.
Não era assim.
Tyr era o irmão forte que cuidava da família com dedicação e foi tudo que Magnólia queria de um filho só para que ela não exigisse isso de mais ninguém. O filho de ouro e ferro.
As pessoas que continuavam no parque caminhavam pela pista, seguindo sua rotina sem dar atenção a eles.
- O Oni também vai? - Lídia sussurra para que apenas ele possa ouvir. - A Héstia me disse que vocês iriam atrás dele também.
- Ele já está com ela. - Tyr responde com a voz rouca. - Não foi difícil para mamãe encontrá-lo, ele é ator onde mora e a filha dele usa bastante o poder dela no trabalho. Os dois estão com ela agora.
- Mamãe vai usar a filha dele também? -Lídia pergunta apavorada. - Está usando seus filhos também?
- Apenas a Cori despertou o interesse dela. - Tyr responde com o olhar distante. - Éden é malandro, entende? Mamãe não confiou que ele iria se comportar, mesmo que custasse a vida dele. - Ele mostra o menor dos sorrisos. - Mas agora, ela está usando a minha esposa para ameaçá-lo, e ele ama a mãe. Meu filho pode perder a cabeça, mas não vai arriscar perder ela.
- Mas Héstia disse que ela não iria usar os nossos filhos. - Lídia diz assustada.
O jeito que Tyr olha para ela fez seu coração doer, estavam vazios, tristes e desolados.
- Torça para sua filha não ser talentosa aos olhos da mamãe. - Ele diz. - Foi só por isso que meus filhos caíram nas garras dela. Pelo menos não vai forçar eles a nada.
O coração de Lídia se aperta, sente pena do irmão. Tyr é o mais velho, Magnólia exigiu mais dele do que de qualquer outro, e era o seu primeiro herdeiro. Nunca o deixaria ir, não importa o que teria que fazer ou o tão repulsivo seja. "Essa desgraçada vai manter toda a família dele presa para obrigá-lo a fazer o que ela quer". Ela pensou.
- E essa coleira? - Lídia aponta para o conjunto de serpentes circulando pelo pescoço dele, elas deslizam para ficar entre o pescoço e o ombro.
- Outro argumento que ela usou para que a seguíssemos, que a permite nos rastrear e nos matar, onde quer que esteja. - Seu irmão dá de ombros. - Caso usar reféns não seja o suficiente.
Tyr a leva até um carro prateado de luxo e abre a porta do banco de carona para ela entrar. Lídia é cada vez mais tomada pela sensação de uma despedida horrível, seus dedos tremiam, ela observa a vista do parque distante, imaginou quando veria aquelas árvores outra vez. Se é que veria.- Eu sinto muito, Lídia. - Tyr diz depois de entrar e sentar no banco do motorista.
Lídia balança a cabeça e sorri gentilmente.
- Não é culpa sua, Tyr. - Ela diz. - Você tem essa mania ridícula de se culpar pelo que a mamãe faz com a gente. Aposto que o Oni deu um soco na sua cara assim que você disse isso para ele.
Apesar da situação deles, Tyr consegue sorrir, segurando a chave na ignição.
- Na verdade, ele me deu um chute.
Eles chegam em uma casa de um bairro nobre, tinha dois andares, o telhado azul, as paredes brancas e as janelas estavam abertas, tinha uma sacada acima da porta de entrada. Lídia suspira, é uma das propriedades da família Zander, deve ter sido comprada ou construída depois que ela deixou Escarion. Era bem afastada das outras casas, a mais próxima ficava depois de uma pequena floresta de pinheiros.Na sala de entrada, tinham dois sofás antigos estofados com estampas de flores. Em um deles, Magnólia estava sentada de pernas cruzadas, balançando o pé. Ela está com um vestido de seda preto de mangas compridas e uma fenda mostrando a perna direita, suas botas tinham lâminas de metal nas laterais.
"Hora do teatro!" Lídia pensou aborrecida.
- Mãe. - Ela cumprimenta friamente.
- Tenha mais respeito, Lídia. Esse tempo naquela cidade medíocre te afetou, mas eu sei que consegue retomar os bons modos.- Magnólia diz lentamente. Sua voz é como garras arranhando o metal. Ela gesticula para que ela se sentasse no sofá a sua frente, Lídia se joga nele de qualquer jeito, mostrando o máximo de rebeldia que ainda podia.
Na antiga casa deles, a mansão Bracken que ficava em Gedeon, eles sempre tinham que manter os modos e se comportarem como se estivessem jantando com o rei. Lídia ficava muito mais à vontade com ele do que com a própria mãe.
Magnólia mostra um meio sorriso, depois gesticula para Tyr sentar ao lado dela, ele vai sem questionar. Sempre foi o filho favorito, o mais forte, mais bem treinado e mais obediente. Magnólia ama o filho mais velho como alguém que ama um cão de guarda que protege bem a casa.
- Desculpe, mãe. Não quis ser arrogante com a senhora, não a vejo há anos, a que devo a sua inesperada visita? - Lídia engole seco.
Magnólia muda o olhar dela para Tyr por alguns longos e agonizantes segundos. Seus outros dois irmãos estão na sala de jantar, comendo. Héstia já estava com o rosto limpo, e com curativos no nariz por causa do soco de mais cedo, vestindo um casaco de lã preta e cutucava um corte de carne com o garfo. Oni raspou totalmente a cabeça, estava vestindo calça moletom larga e uma camisa branca. Ele tinha manchas escuras abaixo dos olhos mostrando todo o seu cansaço, ele ergue sua taça para a irmã e bebe metade em um único gole. Todos vestiam preto, exceto Lídia que está usando um casaco rosa choque por cima de uma blusa branca, calça marrom e botas cinzas.
Magnólia olha para seus filhos reunidos e mostra um sorriso de triunfo, o que fez Lídia estremecer.
- Meus filhos, vocês passaram anos se escondendo sob o governo de outras famílias e até mesmo do próprio sangue. - Magnólia levanta os braços como se pedisse um abraço, sua voz sai baixa, quase um sussurro. - Isso acaba agora. Reuni vocês aqui porque está na hora de destruirmos a família Minori de uma vez por todas.
Oni quase engasga, provavelmente não dava ouvidos à mãe quando ela dizia sobre esse desejo que tinha durante o jantar, quando eles ainda tentavam ser uma família unida. Agora, ele finalmente ouviu.
- Quais são seus planos, mãe? - Tyr pergunta.
Ele assume a postura de filho devoto rapidamente e seus irmãos seguem o exemplo, Lídia vê Oni revirando os olhos e Héstia fingindo arrancar os seus. Às vezes, essa versão do Tyr é irritante demais.
- Um passo de cada vez, querido. - Magnólia olha para ele com um sorriso satisfeito. - Primeiro, temos que cobrar algumas dívidas e reunir todos os membros da família Magnus.
- Mas já estamos aqui. - Oni chama a atenção da mãe da mesa. - Todos os seus filhos.
Magnólia o olha com desprezo, Oni estava longe ser o filho favorito mesmo sendo o segundo, sempre contestou a mãe e a desafiou e ela não gostava nem um pouco de crianças desobedientes. Mas Oni era forte, não decepcionava na batalha nem nos treinamentos. Poderia soltá-lo sozinho diante de um exército e sua única reclamação seria da roupa que ficou suja de sangue.
- Sim, Onúris. - Magnólia faz que sim com a cabeça. - Mas que tipo de avó eu seria se permitisse que meus netos fiquem soltos pelo mundo sem ter noção de seu verdadeiro poder e seus direitos de nascença e do que eles ainda vão ganhar no futuro?
Ela vira para Lídia, entretida, como se estivesse em uma conversa agradável com os filhos.
- Lídia, meu bem. Eu soube que você tem uma filha bastante talentosa, mas não tive o prazer de conhecê-la. - Magnólia comenta como se estivesse falando sobre ela ter comprado uma roupa nova.- Na verdade, os únicos netos que eu tive o prazer de conhecer foram os filhos do Tyr.
Lídia estremeceu sentindo o metal gelado saltando na sua bochecha e deslizando até o seu pescoço, se enroscando formando uma coleira. O metal começa a apertar e ela sente a falta de ar piorando. Ela nem percebeu sua mãe controlando o metal para chegar até ela nem conseguia senti-lo agora, quase a estrangulando.
- Ela não mora mais comigo. - Diz tentando manter a compostura e o olhar fixo na mãe sem demonstrar medo. - Se mudou para longe.
- Onde exatamente? Eu gostaria muito de trazê-la para se juntar a nós também. - A coleira aperta mais e Lídia estremece.
- Mas porque iria querer eles agora, mãe? Comparados a nós, eles são completamente inexperientes e até inúteis. - Tyr argumenta, olhando da mãe para Lídia, que sente o poder do irmão tentar tomar o controle do metal da coleira, mas ele também não consegue interferir.
Magnólia sorri para ele, como se ele fosse uma criança fazendo bobagens engraçadas.
- Nenhum Zander é fraco, inútil ou dispensável, filho. Eles são como as mais poderosas lâminas, só precisam ser moldados com... perfeição. - Magnólia diz passando os dedos pelo cabelo dele, ela tem garras de metal no lugar das unhas. - Agora, filha, me diga onde está a minha neta.
Lídia preferia morrer a obedecer Magnólia de novo, mas se ela morresse ali, permitiria que sua mãe caçasse a filha como bem entendesse. Sua morte só iria adiar o encontro das duas. Sem contar que Lídia tem algo que a faz acreditar na proteção da filha, contanto que ela continue ali.
- Está na Ilha de Maya. - Ela fala já sem ar.
Magnólia afrouxa a coleira dela e Lídia cai no chão puxando o máximo de ar que consegue. Seus irmãos apenas assistem apreensivos, temendo pela vida dela sem poder fazer nada.
- O que ela está fazendo lá? - Magnólia perguntou entredentes.
- Estudando. - Lídia inspira pela boca mais uma vez antes de levantar. - Ela é engenheira mirim e ganhou uma bolsa para estudar no Terceiro Campo.
Magnólia a encarou pensativa por alguns segundos e depois voltou o olhar para todos os filhos. A expressão séria dela era a que dava mais medo aos filhos antes, por não saberem o que esperar.
- Ótimo, minha querida. - Ela diz em um tom maternal.
- Você disse que não obrigaria nossos filhos a lutar. - Tyr lembra irritado, se levantando do sofá em um salto.
- Sim, mas eles são bastante talentosos. Só mais um pouco de treino rigoroso e eles poderão fazer exércitos inteiros se ajoelharem. Iguais a vocês. - Magnólia diz abrindo bem a mão, usava anéis e garras de metal cobriam suas unhas. Ficando cada vez mais afiados ao seu comando. - Eles só precisam de tempo.
- Isso não faz parte do acordo! - Oni dispara levantando da cadeira e indo para a sala de estar, ficando de frente para a mãe.
Basta apenas Magnólia olhar para ele e sua coleira começa a sufocar. Oni cai de joelhos no chão, tentando separar a coleira de sua pele com os dedos. Ele tenta atacá-la, mas não consegue focar no seu alvo. Lídia engole em seco ao ver o irmão tentando interferir no controle de Magnólia sobre sua coleira.
- Acordo? - Magnólia questiona olhando friamente para o segundo filho. - Eu sou sua mãe e você vai fazer o que eu ordenar, entendeu? - Ela o solta finalmente, Oni começa massagear um pouco acima de onde a coleira o apertou.
- Tá bom. - Oni diz furioso.
- Então, Lídia, quando poderei conhecer minha neta? - Magnólia pergunta se virando para a filha. - Quando poderá trazê - la para cá?
A raiva que Lídia tentava expulsar de seu corpo volta com tudo, vibrando no peito, as palavras ficam entaladas na garganta, implorando para sair. Ela tenta se acalmar por trás de uma expressão neutra forçada, o máximo que consegue é evitar algumas palavras ofensivas de mais.
- Você não vai ver nem o grisalho do cabelo dela. - Lídia dispara.
Magnólia a encara com um olhar ameaçador, os lábios cerrados quase a ponto de sumir.
- Como é? - Sua mãe sibila.
Tyr fica entre as duas, escondendo Lídia da visão da mãe.
- Lídia, o que está fazendo? - Ele pergunta entredentes, olhando para ela em súplica.
- Eu ainda tenho contato com uma antiga amiga minha, mãe. E ela já sabe o que você está aprontando. O que quer que queira, não vai alcançar usando minha filha. - Lídia declara levantando o queixo. - Deveria ficar feliz, criei laços com a princesa, exatamente como a senhora queria.
Ela esperava no mínimo que sua mãe fosse cortar sua garganta, mas ao invés disso, Magnólia mostra um sorriso malicioso. Sua expressão era de como se Lídia tivesse lhe servido um prato delicioso.
- Tudo bem. - Magnólia dá de ombros. - Não tem problema, acho que assim você pode fazer um trabalho por mim sozinha.
Tyr e Lídia a olham confusos, o sorriso de Magnólia só aumenta.
- Você, minha querida. - Ela diz se levantando do sofá com graça e se inclinando levemente para vê - la por completo. - Vai ser responsabilizada pelo primeiro ataque direto contra a família Minori.
Lídia se encolheu como um cachorro que apanhou, para perto de Tyr, que dá um passo para ficar na frente da irmã.
- Será que a sua "amiga" vai querer proteger sua filha depois de ver como você vai retribuir o favor?. - Magnólia provoca com as sobrancelhas erguidas.
A sala de reuniões estava vazia por enquanto. O general conferia as fichas dos soldados que foram escalados para a escolta da Nave Um, todos jovens e inexperientes para tal tarefa.Os outros integrantes da reunião chegaram quase que em uma fila organizada e se sentaram em seus devidos lugares, cada um de um lado da mesa retangular. Toda a segurança, proteção e defesa do Império Íris representada por aqueles homens e mulheres sentados naquela mesa.- Foi uma perda trágica para todos nós.- O general diz fechando a pasta do garoto colocado como capitão. Ele ainda estava no hospital, mas teria que enfrentar um interrogatório e um julgamento ao sair.- De fato, senhor general. - Uma mulher diz, sua pele era azul compacta e seu cabelo era vermelho escuro, realmente parecia se sentir culpada pelo o que houve ou apenas fingia muito bem esperando agradar o
Três anos depoisHank lembra daquele dia como se fosse ontem, a sala do trono estava uma bagunça, todos tentando erguer a voz acima de outra pessoa, da conversa civilizada até um completo caos. Ele ficou quieto no seu canto, esperando que decidissem qual seria seu futuro, por causa do seu grande fracasso. Hank tinha direito a defesa, mas parecia que o resto queria apenas descontar sua frustração nele, podia ver a decepção nos olhos de algumas pessoas. O pior foi estar na presença dela.A imperatriz estava lá também, parecia que poderia transformá-lo em cinzas apenas com o olhar, apenas com a presença dela ele quis desaparecer totalmente, mas Hank conseguiu uma chance de se redimir, por muito pouco,
O som do alarme irrita Sophie mais do que qualquer coisa no mundo. Odeia acordar cedo. Ela levanta rápido para desligar o alarme e se arrepende na hora, porque toda vez que isso acontece ela fica tonta. "Minha mãe me daria uma bronca." pensou. Sua mãe era médica, e sempre priorizava pela saúde da filha mesmo que às vezes a irritasse.Ela só deixou Sophie se mudar para a Ilha de Maya para estudar e dar início ao seu projeto se ela prometesse se cuidar e seguir com a mesma alimentação que seguia em casa.Sophie não pode dizer que não tentou.Sua colega de quarto já tinha saído, melhor assim. Ela não teria que lidar com a garota sempre acordando de bom humor e cantarolando. Sophie demorava mais algum tempo para realmente ficar desperta.Ela vai até o banheiro, não iria escovar os den
- Como você permitiu isso? - Urano pergunta furioso.Hank estava de pé com os pés fincados no chão e as mãos atrás do corpo, ele teve que voltar para Gedeon depois do fiasco que foi interagir com a filha da Lídia Zander. Ela sumiu por seis meses e Hank revirou a Ilha de Maya a procurando, mas nenhum sinal, a garota desapareceu. Hank estava agora no escritório do general Urano, no QG da força de Íris, tinha o piso branco, paredes azuis cor de céu e janelas com vista para o Palácio da Imperatriz e, atrás da mesa dele, prateleiras preenchidas com fichários enormes. O general estava com o terno azul escuro habitual, algumas medalhas e botas engraxadas.- Eu tentei ir atrás dela. - Hank tenta se justificar. - Procurei ela no dormitório, mas a garota não estava mais lá. Ninguém a viu, ela sumiu.Ura
Seu quarto era espaçoso, com paredes brancas e o piso de madeira envernizada marrom, com uma suíte que tem uma banheira com hidromassagem. Parecia o quarto de uma boneca, com cadeiras de madeiras com assento estofado, uma mesa de penteadeira antiga com um espelho enorme e mais produtos do que Sophie iria usar pelo resto da sua vida, sua cama era grande o suficiente para caber três pessoas tranquilamente, com lençóis cor de grafite de seda e quatro travesseiros enormes, além de uma cobertura ornamentada acima dela preto lustroso com cortinas transparentes.Tinha duas cômodas com cinco gavetas, uma do lado da porta e outra do lado do banheiro, com roupas íntimas e jóias de metal pesado.Sophie também ganhou um closet completo, com todos os tipos de roupa, até algumas armaduras, a maioria das roupas tinha pedaços de metal presos a elas, e dezenas de pares de sap
Todos estavam armados e em posição, como nas antigas guerras, com os estandartes erguidos com o símbolo de Escarion duas fileiras atrás dele. Ao seu lado, estava a Imperatriz, com sua postura ereta e expressão fria enquanto caminhava graciosamente até os portões de Wildknight. Todos em Marillion se escondiam em suas casas diante da presença de todos os soldados escarianos que ali se estendiam até o final da estrada principal.Os portões do palácio se abriram e os escarianos chegaram em um pátio de entrada com os pisos encravados com pedras brancas e o salgueiro de bronze de Denver. De sua sacada gloriosa, estava o rei em seu esplendor e no ápice de seu orgulho, acima deles, observando sua rival de cima. Até perceber o que ela carregava. Em um embrulho de mantos pretos havia um bebê com a mesma tonalidade de pele da mãe, o cabelo preto espetado par
Sophie nunca tinha ido para Denver, sua mãe disse que já foi várias vezes, mas nunca disse o que fazia ali. A única vez em que a menina soube o que a mãe veio fazer naquele lugar foi quando toda essa situação começou. Para um reino que perdeu o seu rei, as pessoas dali pareciam bem.A capital era uma coisa fofa, as casas eram de um tom claro com telhas marrons com as varandas repletas de flores com cores vivas, com dois ou três andares; para qualquer lugar que olhava, tinha uma bancada com frutas e verduras a venda que pareciam ser feitas de plástico de tão perfeitas. As ruas eram pavimentadas com tijolos cinzas perfeitos e eram largas o suficiente para dois carros passarem lado a lado.O que não faltava lá também eram becos e passagens estreitas entre as casas, mas diferente de outras cidades, as passagens eram iluminadas pelo sol e os becos e
"Eu sou muito burro." Foi o que Hank pensou voltando para perto da Zander. "O que está acontecendo? Por que tantos policiais em um ponto só?" Ele começou a ouvir as sirenes e viu os policiais que a garota mencionou na entrada do beco. Eles apontam as armas para os dois. Antes que Hank consiga dizer qualquer coisa para eles, a Zander apenas bufa.- Eles não aprendem sobre magnetismo na escola?- Ela perguntou, revirando os olhos. Formando um círculo com o braço, todas as armas escapam das mãos dos policiais e as fivelas de seus cintos giram e os puxam para trás.A garota corre, quase empurrando Hank no chão, ele a segue depois de ver se os policiais estavam vivos. Hank estava frustrado consigo mesmo, ele mal chegou em Marillion e seu plano de ser discreto foi para os ares. A Zander olha para ele por cima do ombro com a expressão fechada e continua corrend