Sophie

Seu quarto era espaçoso, com paredes brancas e o piso de madeira envernizada marrom, com uma suíte que tem uma banheira com hidromassagem. Parecia o quarto de uma boneca, com cadeiras de madeiras com assento estofado, uma mesa de penteadeira antiga com um espelho enorme e mais produtos do que Sophie iria usar pelo resto da sua vida, sua cama era grande o suficiente para caber três pessoas tranquilamente, com lençóis cor de grafite de seda e quatro travesseiros enormes, além de uma cobertura ornamentada acima dela preto lustroso com cortinas transparentes.

Tinha duas cômodas com cinco gavetas, uma do lado da porta e outra do lado do banheiro, com roupas íntimas e jóias de metal pesado.

Sophie também ganhou um closet completo, com todos os tipos de roupa, até algumas armaduras, a maioria das roupas tinha pedaços de metal presos a elas, e dezenas de pares de sapato. Todas pretas, mas ainda assim, sofisticadas.

As roupas que Sophie estava usando quando chegou devem ter sido jogadas fora, mas seus tênis amarelos com cadarços pretos estava do lado de um par de botas de cano longo e salto fino. Sophie adorava aquele tênis, mas nunca mais usou.

Aquela imagem era cômica, o calçado que mais adorava e que não podia usar ao lado do que ela mais odiava e que um dia ela seria obrigada a usar.

Ela tira suas roupas e vai pegar seu uniforme de treino, era um macacão não tão justo e confortável, deixando ela livre para se movimentar o quanto quiser. Era preto, como todas as roupas ali, com escamas prateadas de metal na lateral da calça e das mangas e chapas de metal reforçado no peitoral, nos joelhos, nos ombros e nos cotovelos.

As botas que Sophie usava para o treino tinham a sola grossa e metal na ponta e no calcanhar para os chutes doerem ainda mais. Ela também usa luvas que deixam os dedos a mostra, tinham pontas afiadas de metal no nó dos dedos, para os socos cortarem a pele.

Sophie nunca se reconhece quando se olha no espelho para ver o uniforme, parecia uma pessoa completamente estranha, mas logo ela percebia que essa é a imagem que ela criou de si mesma, a imagem que ela precisava naquela casa.

...

Imene a acerta no estômago, Sophie fica sem ar, mas contra ataca rápido. Ela acerta um soco na bochecha da prima, deixando três cortes profundos no local. Imene faz um movimento com a mão e lâminas por pouco não acertam Sophie por trás, ela gira para desviar e toma o controle de algumas delas, as lançando contra Imene e acertando uma na perna.

- Excelente, Sophie. - Magnólia a parabenizou de uma plataforma elevada.

Sophie se esforçava para se concentrar em qualquer coisa que não fosse o sangue em volta dela, mas quase não conseguia e sentia as mãos tremendo.

- Imene, você precisa melhorar sua defesa. - Tyr aconselha a sobrinha.

- Realmente. - Magnólia concorda com a cabeça. - Mas ainda tem que treinar mais e melhorar seu foco.

Tio Tyr estava ao lado dela, ele sempre supervisiona as lutas dos sobrinhos junto com a mãe. Dessa vez, tio Oni estava lá também, com a atenção focada na filha, parecia que cada golpe que atingia Imene o machucava também.

Sophie acaba cuspindo um pouco de sangue no chão, Imene coloca a mão sobre um corte na costela, as duas estavam exaustas, mas só sairiam dali quando a avó liberasse ou quando uma delas cair inconsciente no chão. Sophie não tirou os olhos dos da prima, onde não tinha sangue.

- Imene, pode ir até a sua tia Lídia para tratar seus ferimentos. - Magnólia diz em voz alta. - Éden, você vai enfrentar Sophie agora.

Imene desce com dificuldade da plataforma, Éden estende a mão para ajudá - la, mas Magnólia logo o repreende.

- Não a ajude, Éden. - Ela diz em aviso. - Vocês tem que suportar todas as dores sem a ajuda de ninguém, é assim que nos tornamos fortes. Vamos, Imene, vá até a sua tia.

A mãe de Sophie estava em outra sala do lado, a perna de Imene estava sangrando e ela mal conseguia colocar o pé no chão, Sophie odiava assistir seus primos feridos desse jeito. Ainda mais quando a culpa era dela.

Eles tinham que atacar um ao outro com tudo, e a Magnólia sabe quando eles estão pegando leve um com o outro e prolonga até que um deles decida finalizar a luta de maneira devida.

Éden sobe no tatame, não prepara nada antes que o pai dê o sinal, o treino dessa semana foi isso: avaliar a velocidade em que eles manipulam os metais para o combate. Tio Tyr limpa a garganta, um aviso para se prepararem, Sophie se levanta, alonga a coluna e o ombro direito.

- Comecem! - Tyr diz com a voz carregada, provavelmente de preocupação.

...

Era assim todas as noites, os últimos treinos do dia são os mais violentos porque se trata simplesmente de uma luta sangrenta entre os primos. Eles eram bons, mas Magnólia sempre os colocava em situações que eram suas maiores fraquezas, para que não sejam mais fraquezas. Sophie se esforçava bastante para não olhar para o sangue que sempre ficava no chão ou até em suas próprias roupas e dava o melhor dela para não perder.

Ela nunca treinou assim para controlar seus poderes, só treinou por um tempo quando criança para não contorcer os metais sem querer. Agora, ela treina para combate, para defender, atacar e matar. Até agora não matou ninguém, por enquanto.

- Você foi excelente hoje, minha querida. - Magnólia diz dando um beijo em sua testa.

Sophie venceu a Imene e o Éden, não lutou contra a Cori porque sua avó mandou que as lutas parassem quando viu que a neta preferida estava sangrando demais. Ela estava na enfermaria de sua mãe em cima de uma maca com um corte na barriga que já foi remendado. Lídia teve a bondade de embalar tudo que estava sujo de sangue e jogar na lata de lixo para Sophie não ver.

Seus primos também estavam ali, Imene estava roncando na cama a sua frente, Éden estava massageando um curativo sobre sua bochecha e Cori estava ao seu lado dando tapinhas na mão do irmão toda vez que ele fazia isso.

- Mas eu não aguentei até o final. - Ela diz, ainda sentindo o gosto de sangue na língua. - E estou com esse corte horroroso aqui.

Sophie acabou com um corte na barriga pouco acima do umbigo, ela não sentiu dor na hora, mas o corte foi feio. Magnólia balança a cabeça sorrindo, achando aquilo uma bobagem.

- Você aguentou toda essa dor e permaneceu de pé. - Ela diz colocando a mão no ombro da neta. - É isso que eu quero de vocês. Que permaneçam de pé, firmes como o aço e frios como gelo, e foi assim que você fez. - Magnólia cutuca o ombro de Sophie. - Nem mostrou sinal de dor.

Sophie gostava dessa atenção, sua avó era prestativa com ela e a ajudava sempre. Era uma velha falsa e parecia bem perturbada, mas mesmo assim se importava com a neta. Mesmo que isso lhe custasse um pouco de sangue.

A mãe de Sophie estava mexendo em alguma coisa na maleta de primeiros socorros, ignorando completamente ela e a mãe.

Sophie não se importava, se esforçava para fingir, pelo menos. Mesmo estando com raiva da mãe, uma parte de Sophie continuava triste em ver ela desse jeito, a ignorando mesmo vendo que ela está ferida, a outra sabe que a mãe concorda com a Magnólia. Quer que ela se torne essa princesa guerreira para que eles consigam suas coroas de aço para iniciar uma era de sabe - se lá o quê.

...

No silêncio da enfermaria, Sophie estava encarando o teto quando Cori aparece ao seu lado.

- Tudo bem, Sophie?- Ela perguntou, sentando na beira da cama.

- Sim, não está mais doendo.- Sophie responde passando as mãos de leve sobre o curativo que cobria o corte.

- Não é disso que eu estou falando.- Cori diz com a voz ríspida, parecendo o tio Tyr quando ele se irritava.

Cori tentava ser uma líder entre os primos, às vezes era irritante, mas Sophie gostava dela. O cabelo dela era grisalho e cacheado, os olhos dela eram como os de Sophie, mas sua pele era negra com as bochechas rosadas como se tivesse passado muito blush. Éden era igual a ela, só que mais novo, magro e esguio.

- Desculpa pelo seu irmão.- Sophie sussurra, mas Éden ouve e responde.

- Não tem p-p-p-p-problema, Sophy.- Ele diz de sua cama.- Isso acontece q-q-quando treinamos com facas e outras coisas pontudas.

Éden era o primo favorito de Sophie, sempre tentando se manter animado e quando acabou vendo Sophie chorando na segunda noite com a família, fez companhia para ela até a crise passar. Imene era a irmã que Sophie não teve, a ajudou com aquelas dezenas de peças de roupa e a ensinou a se maquiar sozinha. Embora fosse um pouco temperamental às vezes, Imene tinha um bom coração.

- Eu quis dizer com o que você fez ontem.- Cori explica.

Ontem, Sophie realizou o sonho de ir para a Capital Imperial. Só que para passar a mensagem para o Fowller, Magnólia disse que teria que ser ele. Sophie nem pôde ver o que queria na cidade, ela teve que suportar aquele idiota do Hank e o cérebro de ervilha dele.

Até que, considerando o que Sophie já passou, foi bem satisfatório fazer um oficial se borrar de medo dela. Isso também fazia parte da oferta que sua avó fez: vingança.

- Até que foi tranquilo. - Sophie respondeu tentando se sentar, mas a sua barriga dói com o movimento.- Segui a rota, deixei a mensagem e saí na praça como o tio Tyr disse para fazer.

Tio Tyr era o líder entre os irmãos dele, sua mãe falou algumas vezes sobre ele. Como ele era inteligente e incrível, mas nunca mencionou seu nome. Tyr Zander realmente era isso, Sophie ouviu falar dele antes nas aulas de história, mas não sabia que eles eram parentes.

Sua mãe dizia que o cabelo grisalho era motivo de alguma doença que Sophie não se lembra o nome, por isso não estranhou a semelhança com ele. Lídia escondeu tantas coisas dela que Sophie tem certeza que existem mais segredos.

- V-v-v-você acha que a Magnólia v-v-v-vai m****r você fazer outra coisa?- Éden pergunta levantando a cabeça.

- Acho que não.- Sophie resmunga.- Eu estou machucada e não consigo levantar da cama sem sentir dor, ela não me mandaria a lugar nenhum nesse estado.

...

Na manhã seguinte, sua avó disse que ela iria para Denver com o tio Tyr. Sophie já deveria esperar por isso, na verdade. Mesmo assim, ela ficou apavorada com a ideia. Só quando seu tio garantiu que nada aconteceria com ela e que, se acontecesse, ele estaria lá para ajudá-la, Sophie se acalmou. Sua mãe, como sempre, não apareceu para vê-la, ficou isolada em algum lugar fingindo que a filha não existia.

Sophie passou a noite pensando no que iria fazer em breve. Tomar um país inteiro para sua avó e começar um reinado com sua família, assim que acontecer, sua avó já será rainha, oficialmente porque ela já se dizia ser rainha há um bom tempo. É difícil pensar nisso.

Se perguntassem a Sophie de alguns meses atrás como seria seu futuro, ela diria que só esperava não ser espancada até a morte em um beco por causa do que sua mãe fez.

Se perguntasse a Sophie de quase quatro anos atrás, ela diria tanta coisa. Contaria sobre um mundo colorido que a Sophie de agora só enxerga como um borrão cinza.

Com seu novo celular, Sophie visitava suas redes sociais e encontrava fotos dela com um cartaz de desaparecida. Provavelmente colocados pela Naomi ou pelo Adam, as únicas pessoas que ainda se importavam com Sophie e sentiam sua falta. Ficou feliz por ainda ter alguém lá fora que se importava com ela, mas temeu que aquilo não durasse. Com certeza não vai durar.

Ela ficou observando o teto, talvez querer uma vingança seja um traço de família, não deve ser bom se parecer com eles. Sophie pensou se seria saudável desistir dessa ideia, mas a cicatriz em seu quadril começa a pedir atenção e as lágrimas pedem para sair.

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