Elizabete Vasconcelos — ou simplesmente Liz, como todos a chamavam — vagava pelas ruas de São Paulo como uma alma penada, com o corpo frágil coberto por roupas sujas e os pés descalços e feridos. A fome queimava seu estômago, a sede ressecava sua boca, e o frio da madrugada cortava sua pele como lâminas. Mas nada doía mais do que a rejeição. Nada era mais cruel do que ter sido jogada no mundo por aqueles que deveriam amá-la incondicionalmente.
Filha única de uma família rica e tradicional, Liz crescera sob a vigilância implacável de dois carrascos: sua mãe, uma fanática religiosa obcecada pela aparência de santidade, e seu pai, um ex-sargento do exército, severo, inflexível e completamente insensível a qualquer emoção. Seu “pecado”? Ter engravidado aos 19 anos. Uma gravidez que nem sequer foi desejada. Um acidente. Um deslize cometido em um momento de ingenuidade com o homem que jurava amá-la. Lúcio. Eles tinham usado preservativo. Mas estourou. E com ele, estourou também a ilusão de segurança, o castelo de promessas que ele construiu com palavras doces. Quando ela contou que estava grávida, ele não hesitou: virou as costas, zombou da situação e disse que aquilo não era problema dele. — Dá um jeito nisso — foram as palavras que ele usou, com a frieza de quem descarta um objeto quebrado. — Se quiser, eu até pago para você e essa coisa que carrega sumir da minha vida. Quando contou aos pais, acreditando — talvez por um último resquício de esperança — que receberia apoio, foi escorraçada sem piedade. — Você é mas nossa filha ! — gritou sua mãe, os olhos ardendo de ódio. —É uma perdida ,uma pecadora! — Desonrou nossa família — sentenciou o pai, sem um pingo de compaixão. — Está morta para nós. E assim, Liz foi jogada para fora da casa onde viveu a vida inteira, sem dinheiro, sem documentos, sem sequer ter tempo de arrumar suas coisas. Foi deixada para apodrecer nas ruas como se fosse lixo. Mas ela não morreu. Mesmo com o corpo quebrado e a alma sangrando, Liz seguiu em frente. Cada passo era um desafio. Cada noite, uma batalha pela sobrevivência. Mas dentro dela batia outro coração. Um pequeno coração inocente, que não tinha culpa de nada e que se tornara sua única razão para continuar respirando. Ela não queria aquele filho… no começo. Mas agora, era tudo o que tinha. E mesmo que ninguém mais o aceitasse, mesmo que todos a tivessem virado as costas, Liz o protegeria. Porque no meio da escuridão, aquela criança era sua única luz. O céu cinzento de São Paulo desabava em chuva sobre a cidade, como se o mundo também chorasse por ela. Liz caminhava lentamente pelas calçadas molhadas, abraçando o próprio corpo, tentando se proteger do frio e da tristeza. A barriga, ainda discreta, já mostrava sinais da vida que crescia dentro dela. Cada passo doía. Cada lembrança pesava. Estava fraca. Três dias sem uma refeição decente. Dormira na entrada de uma igreja, ignorada pelos fiéis que, irônicos, saíam com seus rostos piedosos e bíblias nas mãos, enquanto desviavam o olhar ao vê-la encolhida no chão. "Mais uma perdida", deviam pensar. "Deve ter escolhido esse caminho." Se ao menos soubessem... Liz parou em frente a uma cafeteria. O cheiro do café fresco a fazia salivar. Olhou através do vidro embaçado e viu mesas aquecidas, pessoas rindo, celulares em mãos, vidas perfeitas. Sentiu-se invisível. Uma sombra na calçada. Foi então que o viu. Seu coração parou por um instante. Lúcio estava sentado à mesa, rindo. O mesmo sorriso carregado de charme que a encantara antes de destruí-la. Liz parou, estática, diante da cafeteria iluminada. Seus olhos ardiam com a mistura de frio, fome e incredulidade. Ela piscou algumas vezes, achando que sua mente exausta estivesse pregando uma peça. Mas não… era real. Ali, sentado à mesa do lado de dentro, vestindo um terno elegante, estava Lúcio. O mesmo homem que jurara amor eterno e depois a descartara como lixo. O mesmo homem que dissera que “aquela coisa” que ela carregava no ventre não era problema dele. E ao lado dele… Não. Não podia ser. Carla. Sua melhor amiga. A única pessoa a quem Liz confiara seus medos, suas dores, sua vergonha. A mulher que enxugara suas lágrimas e prometera estar ao seu lado “até o fim”. Os dois riam juntos, brindando com taças de champanhe. Mãos entrelaçadas sobre a mesa. Sorrisos cúmplices. E mais do que isso… Ao centro da mesa, uma pequena caixa de veludo aberta, revelando um anel de noivado. Diante deles, os pais dos dois, com olhares de aprovação e orgulho. O mundo de Liz girou. Ela recuou um passo, como se tivesse levado um soco no estômago. A dor era tão profunda que por um segundo ela não conseguiu respirar. Uma náusea subiu-lhe pela garganta. Lágrimas inundaram seus olhos, mas ela as segurou com força. Não. Não naquele momento. O sangue ferveu em suas veias. Ela empurrou a porta de vidro com brutalidade, fazendo o sino tocar alto, chamando atenção de todos. Entrou encharcada, com os cabelos desgrenhados, os olhos inflamados de dor e fúria. — LÚCIO! — sua voz cortou o ar como uma faca. Silêncio. Todos se viraram para ela. Carla congelou, ainda com a taça de champanhe na mão. Lúcio ficou branco. Os pais dos dois a olharam como se estivessem diante de uma aparição. Liz caminhou até a mesa com passos firmes, embora por dentro estivesse em pedaços. — Isso é um pesadelo? — sussurrou, encarando os dois. — Me diz que não é real. Que eu não estou vendo meu ex, o pai do meu filho, comemorando um noivado… com a minha melhor amiga. Os olhos de Carla se estreitaram. A máscara caiu. — Ah, Liz… — ela disse, erguendo uma sobrancelha, já sem fingir. — Bem-vinda à realidade, a qual você descobre que eu sim sou a mulher perfeita para está ao lado de um homem como o Lúcio. Ela olhou para Carla, os olhos marejados de dor e incredulidade. — Você, Carla… — a voz de Liz tremia, carregada de mágoa e repulsa, — logo você… a pessoa em quem eu mais confiava. A minha melhor amiga. A irmã que a vida me deu. Eu podia esperar qualquer coisa de qualquer um… menos de você.Ela cambaleava como um fantasma à deriva, um vulto perdido entre buzinas, luzes de farol e vitrines iluminadas que contrastavam cruelmente com sua escuridão. A cidade estava viva. Mas ela… estava morrendo.Tinha perdido tudo.O amor. A dignidade. O respeito. E agora… seu bebê.— Por favor… alguém… — murmurava, a voz arrastada, sumida pelo vento. — Me ajuda…Mas ninguém parava.Até que, ao tentar atravessar uma avenida movimentada, suas pernas falharam de vez. O som de pneus cantando no asfalto, o grito de um motorista, uma buzina estridente.E então, escuridão.Mas antes de desmaiar, seus olhos ainda conseguiram captar um único detalhe.O rosto dele.Tão irreal que por um instante achou que fosse a própria morte em forma de anjo.Olhos intensos, azul profundo como o céu antes da tempestade. Cabelos escuros, molhados pela chuva, grudando na testa. Maxilar marcado. Sobrancelhas contraídas em preocupação. Ele era o homem mais lindo que Liz já vira — e o último que imaginou que veria naqu
Desde então, Alexander se trancou para o amor. Nunca mais quis amar, nunca mais quis arriscar. Para ele, se casar de novo era o mesmo que trair o sacrifício de Julia. Era colocar outra mulher em seu lugar, algo que ele jurou jamais fazer.Mas nem todos pensavam assim.Seus pais e os pais de Julia insistiam para que ele seguisse em frente, refizesse a vida, desse à filha uma figura materna. Para seus sogros, a escolha ideal era óbvia: Tamara, a irmã mais nova de Julia.Bonita, educada, doce. Tamara sempre esteve por perto. A família via nela a sucessora natural da irmã — mas Alexander não a via com olhos de homem. Ela era apenas... Tamara. Uma amiga leal. Nada mais.Mesmo assim, os sogros foram além. Entraram com um pedido judicial de guarda de Adélia. A alegação? Que ele, um bilionário extremamente ocupado, não era capaz de oferecer à filha o lar e a atenção de que ela precisava.Aquilo o abalou profundamente.A ideia de perder Adélia o fez considerar o impensável. Talvez fosse hora d
Depois de um momento de silêncio Liz resolve falar novamente.. — Eu… eu sei quem o senhor é — murmurou Liz, baixando o olhar, envergonhada. — Já vi seu rosto em várias revistas. O CEO bilionário… o gênio da tecnologia. O homem mais poderoso do Brasil. Ela falou com uma mistura de admiração e incredulidade, como se não compreendesse como alguém tão distante de sua realidade poderia estar ali, ao seu lado, se importando com ela. Alexander sorriu de leve, tentando quebrar a tensão que ela parecia carregar nos ombros frágeis. — Prefiro que me chame só de Alexander. O fato de ter dinheiro não me torna menos humano, Liz. E, sinceramente… se as pessoas não se importaram com você, talvez seja porque perderam a humanidade há muito tempo. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Não por tristeza, mas pela gentileza inesperada que lhe aquecia o peito. Era a primeira vez, em muito tempo, que alguém falava com ela como se ela ainda tivesse valor. — Como… como uma jovem como você foi parar nas
Liz discou com dedos trêmulos, o coração disparando como se uma parte dela ainda acreditasse. Mas tudo o que ouviu foi uma voz mecânica e fria: “O número que você chamou está desligado ou fora da área de cobertura.”Tentou de novo. Mais três vezes. Nada. O mesmo silêncio doloroso. A mesma ausência. A esperança foi dando lugar à humilhação, ao cansaço de confiar.— Eu sou mesmo uma idiota — murmurou, devolvendo o celular a Valéria. — Acreditar em homem de novo... eu sou uma burra.— Ei, não fala assim. Você só é boa demais. E gente boa demais sempre espera o melhor dos outros.Valéria era uma mulher de quarenta anos, enfermeira há décadas, com um coração enorme e um olhar cheio de compaixão. Quando soube que Liz não tinha pra onde ir, ofereceu sua casa. Um pequeno apartamento onde, de tempos em tempos, seu namorado Afonso dormia algumas noites,o que deixou Liz apreensiva ,achando que ia lhe atrapalhar e então ela lhe falou sobre isso.— Ele não fica lá direto, só às vezes. Você pode us
A mulher assentiu lentamente, como se cada resposta fosse parte de um quebra-cabeça que ela já sabia montar. — E a sua história, Liz? O que houve com você?O que uma jovem tão linda faz morando nas ruas ? Liz hesitou, mas algo na voz da mulher — autoritária, porém gentil — a fez ceder. Contou quase tudo. A briga com os pais, a rejeição, o hospital, a tentativa frustrada de recomeçar, a promessa de ajuda que nunca veio, a noite em que foi quase violada pelo namorado da amiga. O olhar da mulher se estreitou ao ouvir sobre a recusa dos empregos. — A sua beleza me chamou atenção de longe — ela disse, repousando a xícara sobre o pires. — Você não tem ideia de quanto pode se da bem na vida com esse rostinho e esse corpo perfeito. Liz franziu a testa. — Se for fazendo o que eu estou pensando... não. Eu não sou... não farei isso. A mulher sorriu, paciente. — Não precisa se ofender, querida. Só estou sendo realista. Já que sua beleza só lhe trouxe dor, sofrimento e atraiu os homens errad
Ele se virou lentamente, como se aquele nome tivesse o poder de paralisar o tempo. Quando seus olhos encontraram os dela, o mundo inteiro pareceu parar. Nenhum som. Nenhuma respiração. Só aquela conexão intensa e eletrizante que voltava com uma força avassaladora.Ele a devorava com os olhos, como se estivesse tentando entender quem era aquela mulher à sua frente. Liz estava mais bonita do que ele recordava — os traços delicados, os lábios levemente entreabertos, os olhos brilhando com desafio e dor. A transformação era visível. Ela já não era apenas a garota quebrada que ele salvara na rua. Ela era uma mulher. Linda, intensa, com uma sensualidade que parecia natural… e absolutamente proibida.Aquilo o desestabilizou.Havia algo nela que agora o atraía de forma irracional, selvagem. Um ímã poderoso que o puxava para perto, e ele nunca sentiu tanto desejo assim por uma mulher ,nem mesmo por Julia ,a sua falecida esposa .Ele neo sabia porque na segunda vez que via aquele garota ele fic
Liz fechou os olhos, sentindo a dor de ser acusada tão injustamente por Valéria. A lembrança era amarga, mas nada se comparava à intensidade do olhar de Alexander, que a queimava. — Ela disse que você voltou para as ruas, onde, segundo ela, nunca deveria ter saído. E eu fiquei desesperado. Desde aquela noite em que te socorri, algo em mim despertou. Me senti responsável por você, Liz. Como se… como se te conhecesse antes. Como se fosse meu dever te proteger. Por mais estranho que isso possa parecer, eu sinto que já te conhecia… só não lembro de onde. Ele se abaixou levemente, ficando à altura dela, os rostos perigosamente próximos de novo. Liz pôde ver cada detalhe do rosto dele, o calor dos olhos, a tensão no maxilar. A respiração dele roçava sua pele, e tudo em seu corpo clamava por algo que ela mesma não queria admitir. Seus rostos se inclinaram, inconscientemente, como se um beijo fosse inevitável… mas ela se conteve no último instante, respirando fundo. — Posso falar agora? —
Ele lançou um olhar breve para ela antes de voltar os olhos para a rua. — Não é desprezo. — A voz dele saiu baixa, mais pesada. — Muito pelo contrário... Eu já amei mais do que qualquer homem nessa vida .Quanto ela morreu,Julia ,minha falecida esposa , tudo em mim morreu junto. Inclusive a capacidade de sentir esse tipo de amor de novo. Ela o fitou, surpresa com a honestidade. — Você é viúvo...? Ele assentiu. — Sim. E antes que pergunte, se tenho filhos ,sim, tenho uma filha. de seis anos. A razão da minha vida. Liz sentiu o coração apertar. — E mesmo assim vai me levar pra sua casa? Onde a sua filha mora?Ela não vai estranhar isso ? Ele respirou fundo. — Ela não está em casa. Está na casa dos avós. Dormindo lá hoje... contra a minha vontade. — Por quê? — perguntou, curiosa. A expressão dele endureceu. — Os pais da minha esposa.... estão tentando me tirar a guarda dela na justiça. Acham que eu não sou um bom pai por... motivos pessoais. Está sendo uma briga