Capítulo 5

Liz discou com dedos trêmulos, o coração disparando como se uma parte dela ainda acreditasse. Mas tudo o que ouviu foi uma voz mecânica e fria: “O número que você chamou está desligado ou fora da área de cobertura.”

Tentou de novo. Mais três vezes. Nada. O mesmo silêncio doloroso. A mesma ausência. A esperança foi dando lugar à humilhação, ao cansaço de confiar.

— Eu sou mesmo uma idiota — murmurou, devolvendo o celular a Valéria. — Acreditar em homem de novo... eu sou uma burra.

— Ei, não fala assim. Você só é boa demais. E gente boa demais sempre espera o melhor dos outros.

Valéria era uma mulher de quarenta anos, enfermeira há décadas, com um coração enorme e um olhar cheio de compaixão. Quando soube que Liz não tinha pra onde ir, ofereceu sua casa. Um pequeno apartamento onde, de tempos em tempos, seu namorado Afonso dormia algumas noites,o que deixou Liz apreensiva ,achando que ia lhe atrapalhar e então ela lhe falou sobre isso.

— Ele não fica lá direto, só às vezes. Você pode usar o sofá ou meu colchão reserva. Não é muito, mas é limpo e seguro — disse Valéria.

Liz, sem ter outra escolha, aceitou. O que mais podia fazer? Ela não tinha um real no bolso, nem documentos. Sua última esperança havia sumido como poeira.

Juntas, foram até a casa dos pais de Liz. O reencontro foi como uma faca atravessando o peito. A mãe, ao vê-la, fez o sinal da cruz.

— Você voltou pra nos envergonhar mais ainda? — cuspiu as palavras com desprezo.

— Suja. Contaminada pelo pecado. Queimei suas roupas. Não quero nada seu aqui!

Liz, em silêncio, lutou para não desmoronar. Só pediu seus documentos. O pai entregou um envelope murcho, sem olhar em seus olhos.

— Some daqui. E não volta nunca mais.

De volta ao pequeno apartamento de Valéria, Liz tentava se adaptar. Valéria tinha uma filha da mesma idade que Liz ,que morava com o pai e havia deixado algumas roupas para trás — roupas que agora aqueciam Liz. Ela retribuía limpando a casa, cozinhando, tentando ser útil. Nos dias em que terminava cedo, saía pelas ruas em busca de um emprego. Mas a resposta era sempre a mesma: “Sem experiência? Sem estudos ? Sem chance.”

E Alexander? Nunca mais deu sinal. Depois de semanas tentando ligar — sempre caixa postal —, Liz desistiu. Rasgou o papel com o número dele e jogou fora com raiva.

Mas o golpe final ainda estava por vir.

Valéria estava de plantão. Liz já havia jantado, tomado banho, e se trancado no quartinho improvisado. Ouvia música baixinho, tentando distrair a mente.

Foi quando Afonso apareceu.

Ela ouviu a chave na porta e prendeu a respiração. Ele nunca ia lá quando Valéria não estava. Mas naquela noite, entrou sorrateiro, sem dizer palavra. Liz sentiu o cheiro de álcool antes mesmo de vê-lo.

— Tá sozinha, hein? — disse, encostando no batente da porta do quarto.

— A Valéria não vai voltar tão cedo, não é?O que você acha de nós divertimos um pouco enquanto ela não chega ?

Liz gelou. Se encolheu na cama, o lençol agarrado ao corpo. Ele deu um passo para dentro.

— Sai daqui, Afonso.

— Ah, qual é, gata... Não vai fazer doce agora. Eu sei que você fica me olhando....Eu sei que vide me quer.

Ela gritou.

Tentou correr, mas ele a agarrou pelo braço com força. Tentou beijá-la à força. Ela o empurrou, o arranhou, chutou, gritou de novo.

Foi quando a porta se abriu com violência. Valéria. Tinha trocado de plantão com uma colega e chegado mais cedo. O que viu foi Liz no cama com Afonso sobre ela tentando lhe beijar apesar dela lutar contra ele como uma leoa ele acabou conseguindo.

Quando percebeu a presença de Valéria ele pulou de cima de Liz e fez uma cara de vítima.

— Valéria, meu amor ...eu não queria ...ela me provocou! Eu vim buscar um casaco e ela me seduziu me afastando para seu quarto.Tentei sair, ela me agarrou!

Liz chorava, em choque, tentando explicar, mas Valéria estava cega, pela raiva ,com certeza acreditando no namorado.

—Me traindo ,Liz? Depois de tudo que fiz por você? É assim que me paga ?

— Não! Pelo amor de Deus, ele tentou me agarrar! Ele...

— Chega! Eu devia ter te deixado você ir para rua de onde veio e de onde vagabundas como você deve ficar ! Some da minha casa agora!

E assim, como num pesadelo que se repetia, Liz voltou às ruas.

Sem Alexander. Sem Valéria. Sem pai. Sem mãe. Sem ninguém.

Valéria só lhe deu tempo de juntar as roupas que lhe deu seus documentos e sair.

Ela andou até que as pernas não aguentaram mais. Sentou-se no meio-fio de uma rua escura, encolhida, sentindo o gosto salgado das lágrimas e da vergonha.

A madrugada foi cruel. O vento cortava a pele como lâmina fina e invisível. Liz, encolhida entre caixas de papelão em frente a uma loja fechada, não conseguia pregar os olhos. O frio era apenas um dos inimigos. Os verdadeiros perigos estavam à espreita, escondidos nas sombras — homens bêbados, olhares lascivos, ameaças sussurradas nas esquinas.

Ela ficou acordada. Sempre alerta. Sempre com medo.

O céu começou a clarear, tímido, sobre os prédios de São Paulo, e Liz levantou-se com as pernas trêmulas. Os pés doíam, os olhos ardiam, o estômago roncava de fome. Vagueou pelas calçadas como um fantasma, ignorada pelas pessoas apressadas que desviavam o olhar.

Até que, atraída pelo cheiro de pão fresco e café quente, parou em frente a um restaurante elegante. As vitrines exibiam doces cobertos de glacê, croissants dourados, sucos coloridos. Sua barriga estremeceu.

Ela não tinha um centavo.

— Você está bem, querida?

A voz suave a fez se virar. Diante dela, uma senhora impecavelmente vestida, de cabelos loiros presos num coque elegante, usava salto alto e um casaco bege de grife. Seu perfume era doce e caro.

— Venha tomar um café comigo. É por minha conta.

Liz hesitou, desconfiada. Mas a fome falou mais alto.

Sentaram-se à mesa perto da janela. A mulher pediu dois cafés, pães de queijo, bolo e frutas. Liz comeu devagar, com vergonha, tentando manter a dignidade enquanto devorava tudo. A mulher a observava com olhos avaliadores.

— Qual é o seu nome?

— Liz.

— Tem quantos anos?

— Dezenove.

— Mora onde?

— Em lugar nenhum.

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