2. Capitulo

Leticia Bittencourt

A vida tem se mostrado desafiadora, como se todos os caminhos estivessem emaranhados em obstáculos. Há uma semana, desembarquei em São Paulo, encontrando refúgio temporário no acolhimento da minha amiga Luci. Ela, gentilmente, alocou um pequeno espaço na sala da sua kit net, consciente das limitações do seu próprio quarto minúsculo. A urgência de encontrar um emprego permeia meus pensamentos, pois, do contrário, enfrentarei dificuldades ainda mais acentuadas. 

Minha mãe expressa sua contrariedade pelo modo abrupto como vim, sem um planejamento prévio. No entanto, minha decisão fundamenta-se na percepção de que São Paulo oferece mais oportunidades profissionais, alimentando o meu sonho de chamar essa cidade de lar. Originária de uma família humilde, mas não miserável, tivemos uma vida normal até a enfermidade de meu pai. Com minha mãe sendo dona de casa, perdemos a principal fonte de renda, e eu e minha irmã nos tornamos responsáveis pelo sustento.

Uberlândia, nossa cidade em Minas Gerais, proporcionou-nos um ambiente desenvolvido, mas meu anseio por desbravar a grande São Paulo falou mais alto. Apesar de minha mãe já ter providenciado minha passagem de volta, meu compromisso de contribuir para o sustento da família me levou a permanecer, confiante de que aqui encontrarei oportunidades.

Os desafios surgiram assim que pisei nesta metrópole. Entrevistas se multiplicaram, porém, a promessa de um emprego ainda não se concretizou. A ilusão de uma vida fácil dissipou-se, confrontando-me com a realidade da competitividade e as complexidades da busca por trabalho em São Paulo.

Em meio a essas incertezas, meu coração guarda um amor distante, Vinicius, meu namorado em Bruxelas. Dois anos separados moldaram nossa relação por meio de videochamadas, mas a incerteza sobre seu retorno e a sensação de afastamento tornam-se sombras em nossa história. A promessa vaga de um "voltarei em breve" dele ecoa como uma melodia incerta, deixando-me ansiosa pelo momento em que nossa espera finalmente terá um desfecho.

Em mais um dia desafiador na busca por trabalho, me vi limitada a apenas 50 reais para enfrentar as despesas até o final do mês. Com a cautela de quem precisa esticar cada centavo, evitei o café da manhã por receio de gastar demais. Distribui currículos incansavelmente até por volta das 11:00 horas, quando me deparei com um restaurante que, à primeira vista, exalava requinte. Notando alguns pratos mais acessíveis, decidi entrar com a intenção de saciar minha fome antes de retomar a distribuição de currículos.

Ao me servir, carregando o prato delicadamente, caminhei entre as mesas do restaurante com o celular em uma mão e a refeição na outra. Distraída por uma mensagem que piscou na tela, interrompi meu caminho, inconsciente do homem que se aproximava, — "mensagens da operadora incomodando com pedidos incessantes para recarregar o chip" passaram pela minha mente antes de retomar o caminho.

No entanto, meu trajeto foi abruptamente interrompido quando percebi que o homem distraído vinha na minha direção. Ao desviar para o mesmo lado, ele fez inesperadamente o mesmo, resultando na colisão que fez meu prato se despedaçar no chão. Olhei para a refeição agora arruinada e uma pontada de decepção me atingiu. Afinal, eu namorava aquele prato, faminta, ansiosa por cada garfada, e agora, meu almoço se espalhava pelo chão.

Meus olhos se fixaram furiosos no homem, e as palavras saíram de mim em uma torrente de indignação. Disse algumas verdades contundentes para ele, que ousou, de maneira distraída, arruinar meu momento e ainda jogar na minha cara que a mancha em sua cara camisa era resultado de um item caro. Revoltou-me profundamente que, em meio ao meu infortúnio, ele escolhesse destacar a trivialidade de uma peça de roupa, "vai se lascar" 

Após as tentativas do gerente de apaziguar a situação, o homem, enfim, reconheceu o óbvio: comprometeu-se a pagar pelo meu prato. Nisso, agradeci a Deus, pois imagine pagar 30,00 por algo que nem tive a chance de saborear? O desgosto misturado com a fome era palpável. Num último ato de desabafo, soltei mais uma indireta para o homem, que me encarou com raiva antes de sair, evitando as potenciais ofensas que eu sabia que estavam prestes a serem proferidas.

"O jeito é voltar a distribuir currículos e encerrar por hoje," — penso comigo mesma. Ao longo do dia, deixei currículos em papelarias, padarias, postos de gasolina e conveniências; basicamente, em todos os lugares que avistei pela frente enquanto buscava informações. Exausta, decido descansar em uma lanchonete. Peço um refrigerante e um salgado, aproveitando o combo por 8,00 reais, um alívio para o bolso.

Enquanto saboreio minha modesta refeição, percebo diante da lanchonete um imponente edifício que desperta minha atenção. Trata-se da RB Construtora, uma empresa de porte considerável. 

"Tenho curso de secretariado" — murmuro novamente para mim mesma. Ao observar uma fila se formando em frente à empresa, a ideia de uma possível oportunidade me anima.

— Moça, sabe onde estão contratando? — pergunto à atendente do caixa, que sorri gentilmente.

— Nessa empresa, eles estão sempre com vagas, — ela responde com um sorriso acolhedor.

— Estava pensando nisso agora, será que essa fila é para deixar o currículo ou para entrevista? — pondero, buscando entender o propósito da movimentada fila diante da promissora RB Construtora.

— Pelo que sei, já fazem a entrevista na mesma hora; por isso, fica sempre essa fila — responde a atendente, esclarecendo o processo da empresa.

— Ótimo, estou no lugar certo, ainda bem que aquele prato não me sujou — digo com um sorriso, deixando-a um tanto confusa. — Obrigada pela informação, bom trabalho a você, vou tentar um para mim.

— Obrigado, espero que consiga, boa sorte — ela deseja enquanto me afasto.

— Estou precisando disso — murmuro, saindo da lanchonete com meu refrigerante, já que o salgado eu já havia devorado. Enquanto aguardo na fila em frente à RB Construtora, o tempo passa lentamente até que chega minha vez. Sou recebida com cordialidade por uma mulher chamada Selena, como indicava o crachá dela. Ela conduz uma breve entrevista e grava um pequeno vídeo sobre minhas experiências. Ao final, recebo um copo de suco e a promessa de que retornarão caso eu seja selecionada. Deixo o local com uma faísca de esperança, algo que tem estado ausente em minha vida nos últimos tempos.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo