Leticia Bittencourt
A vida tem se mostrado desafiadora, como se todos os caminhos estivessem emaranhados em obstáculos. Há uma semana, desembarquei em São Paulo, encontrando refúgio temporário no acolhimento da minha amiga Luci. Ela, gentilmente, alocou um pequeno espaço na sala da sua kit net, consciente das limitações do seu próprio quarto minúsculo. A urgência de encontrar um emprego permeia meus pensamentos, pois, do contrário, enfrentarei dificuldades ainda mais acentuadas.
Minha mãe expressa sua contrariedade pelo modo abrupto como vim, sem um planejamento prévio. No entanto, minha decisão fundamenta-se na percepção de que São Paulo oferece mais oportunidades profissionais, alimentando o meu sonho de chamar essa cidade de lar. Originária de uma família humilde, mas não miserável, tivemos uma vida normal até a enfermidade de meu pai. Com minha mãe sendo dona de casa, perdemos a principal fonte de renda, e eu e minha irmã nos tornamos responsáveis pelo sustento.
Uberlândia, nossa cidade em Minas Gerais, proporcionou-nos um ambiente desenvolvido, mas meu anseio por desbravar a grande São Paulo falou mais alto. Apesar de minha mãe já ter providenciado minha passagem de volta, meu compromisso de contribuir para o sustento da família me levou a permanecer, confiante de que aqui encontrarei oportunidades.
Os desafios surgiram assim que pisei nesta metrópole. Entrevistas se multiplicaram, porém, a promessa de um emprego ainda não se concretizou. A ilusão de uma vida fácil dissipou-se, confrontando-me com a realidade da competitividade e as complexidades da busca por trabalho em São Paulo.
Em meio a essas incertezas, meu coração guarda um amor distante, Vinicius, meu namorado em Bruxelas. Dois anos separados moldaram nossa relação por meio de videochamadas, mas a incerteza sobre seu retorno e a sensação de afastamento tornam-se sombras em nossa história. A promessa vaga de um "voltarei em breve" dele ecoa como uma melodia incerta, deixando-me ansiosa pelo momento em que nossa espera finalmente terá um desfecho.
Em mais um dia desafiador na busca por trabalho, me vi limitada a apenas 50 reais para enfrentar as despesas até o final do mês. Com a cautela de quem precisa esticar cada centavo, evitei o café da manhã por receio de gastar demais. Distribui currículos incansavelmente até por volta das 11:00 horas, quando me deparei com um restaurante que, à primeira vista, exalava requinte. Notando alguns pratos mais acessíveis, decidi entrar com a intenção de saciar minha fome antes de retomar a distribuição de currículos.
Ao me servir, carregando o prato delicadamente, caminhei entre as mesas do restaurante com o celular em uma mão e a refeição na outra. Distraída por uma mensagem que piscou na tela, interrompi meu caminho, inconsciente do homem que se aproximava, — "mensagens da operadora incomodando com pedidos incessantes para recarregar o chip" passaram pela minha mente antes de retomar o caminho.
No entanto, meu trajeto foi abruptamente interrompido quando percebi que o homem distraído vinha na minha direção. Ao desviar para o mesmo lado, ele fez inesperadamente o mesmo, resultando na colisão que fez meu prato se despedaçar no chão. Olhei para a refeição agora arruinada e uma pontada de decepção me atingiu. Afinal, eu namorava aquele prato, faminta, ansiosa por cada garfada, e agora, meu almoço se espalhava pelo chão.
Meus olhos se fixaram furiosos no homem, e as palavras saíram de mim em uma torrente de indignação. Disse algumas verdades contundentes para ele, que ousou, de maneira distraída, arruinar meu momento e ainda jogar na minha cara que a mancha em sua cara camisa era resultado de um item caro. Revoltou-me profundamente que, em meio ao meu infortúnio, ele escolhesse destacar a trivialidade de uma peça de roupa, "vai se lascar"
Após as tentativas do gerente de apaziguar a situação, o homem, enfim, reconheceu o óbvio: comprometeu-se a pagar pelo meu prato. Nisso, agradeci a Deus, pois imagine pagar 30,00 por algo que nem tive a chance de saborear? O desgosto misturado com a fome era palpável. Num último ato de desabafo, soltei mais uma indireta para o homem, que me encarou com raiva antes de sair, evitando as potenciais ofensas que eu sabia que estavam prestes a serem proferidas.
"O jeito é voltar a distribuir currículos e encerrar por hoje," — penso comigo mesma. Ao longo do dia, deixei currículos em papelarias, padarias, postos de gasolina e conveniências; basicamente, em todos os lugares que avistei pela frente enquanto buscava informações. Exausta, decido descansar em uma lanchonete. Peço um refrigerante e um salgado, aproveitando o combo por 8,00 reais, um alívio para o bolso.
Enquanto saboreio minha modesta refeição, percebo diante da lanchonete um imponente edifício que desperta minha atenção. Trata-se da RB Construtora, uma empresa de porte considerável.
"Tenho curso de secretariado" — murmuro novamente para mim mesma. Ao observar uma fila se formando em frente à empresa, a ideia de uma possível oportunidade me anima.
— Moça, sabe onde estão contratando? — pergunto à atendente do caixa, que sorri gentilmente.
— Nessa empresa, eles estão sempre com vagas, — ela responde com um sorriso acolhedor.
— Estava pensando nisso agora, será que essa fila é para deixar o currículo ou para entrevista? — pondero, buscando entender o propósito da movimentada fila diante da promissora RB Construtora.
— Pelo que sei, já fazem a entrevista na mesma hora; por isso, fica sempre essa fila — responde a atendente, esclarecendo o processo da empresa.
— Ótimo, estou no lugar certo, ainda bem que aquele prato não me sujou — digo com um sorriso, deixando-a um tanto confusa. — Obrigada pela informação, bom trabalho a você, vou tentar um para mim.
— Obrigado, espero que consiga, boa sorte — ela deseja enquanto me afasto.
— Estou precisando disso — murmuro, saindo da lanchonete com meu refrigerante, já que o salgado eu já havia devorado. Enquanto aguardo na fila em frente à RB Construtora, o tempo passa lentamente até que chega minha vez. Sou recebida com cordialidade por uma mulher chamada Selena, como indicava o crachá dela. Ela conduz uma breve entrevista e grava um pequeno vídeo sobre minhas experiências. Ao final, recebo um copo de suco e a promessa de que retornarão caso eu seja selecionada. Deixo o local com uma faísca de esperança, algo que tem estado ausente em minha vida nos últimos tempos.
Rodolfo BarrosAo romper da manhã, retornei à minha residência após uma dessas noites intensas com uma acompanhante. Assim que cheguei, dirigi-me diretamente ao banho, consciente da necessidade de me aprontar para o trabalho. No entanto, tenho enfrentado noites de sono perturbado, cortesia desses encontros noturnos frequentes, o que tem agravado meu humor.Apesar disso, a solidão na minha casa não é algo que eu aprecie. Tenho uma preferência por compartilhar a cama e, para manter a harmonia deste refúgio sagrado e pacífico, reservo essas "ocasiões especiais" para um apartamento. Em dias em que não me sinto inclinado a ir até o apartamento, opto por um hotel. Não qualquer hotel, já que a exposição na mídia seria fácil. O estabelecimento que frequento é propriedade do meu amigo Tadeu, garantindo-me o máximo de privacidade possível.É importante ressaltar que não mantenho relacionamentos sérios com ninguém. Essas noitadas ficam confinadas aos limites do hotel; do lado de fora da porta, m
LeticiaHoje estou profundamente desanimada, parece que todos os meus planos estão dando errado. Não recebi nenhuma resposta das empresas para as quais enviei meu currículo, e, para piorar, minha mãe está preocupada com o custo dos exames que meu pai terá que fazer. Minha irmã está segurando as contas da casa da melhor forma que pode, mas o problema maior é o tratamento que meu pai ainda não começou. Primeiramente, ele precisa passar por uma série de exames antes de iniciar o tratamento.Conversei com minha mãe pela manhã, e ela chorou durante a ligação. Está sofrendo muito ao ver meu pai enfrentando tantas dores. Não sei o que fazer para amenizar a situação, e isso me deixa ainda mais angustiada. Acabei chorando com ela. Quando se trata dos meus pais, minha fragilidade se intensifica. Dói-me profundamente saber que estão passando por tudo isso, e é ainda mais doloroso pensar que não estou conseguindo ajudá-los como planejei. Enquanto lidava com esses sentimentos, estava no quarto con
Eu e Vinicius continuamos conversando mais um tempo enquanto Lucy conversava com os rapazes que dançam. Enquanto conversava com Vinicius, recebi uma ligação, era um número desconhecido, falei para Vinícius que retornaria a ligação a ele. Preciso atender, estou muito ansiosa por um trabalho, ou logo terei que voltar para minha cidade natal. (...) Ligação — Olá, bom dia. — Bom dia. Com quem eu tenho o prazer de falar? — Letícia, com quem falo? — Olá, Letícia. Aqui é Sabrina, representante da RB Empreendimentos. Gostaria de saber se você estaria disponível para uma entrevista com a supervisora geral hoje às 14h. — Arregalei os olhos ao ouvir isso, sentindo uma mistura de surpresa e animação, mas mantive a formalidade na ligação. — Certamente, estou disponível. — Perfeito. Enviarei o endereço para este número e aguardaremos sua confirmação. Agradeço muito pela sua atenção. — Eu que agradeço. Tenha um bom dia. — Falei animada, desliguei a ligação e saí apressada, correndo até Lucy
Passei o resto da tarde em casa descansando para no dia seguinte estar tranquila e descansada, o pior será mais a ida e a volta já que moro distante do centro, mais estou esperançosa, algo me diz que esse emprego mudará minha vida, dará uma guinada positiva no meu ânimo. Conversei com minha mãe como faço todos os dias, busco sempre saber do meu pai e graças a Deus o Vini arrumou o dinheiro para ele fazer os exames, mas não imaginava que ficaria tudo tão caro, minha mãe estava preocupada em como pagaria o Vini, mais deixei claro que farei isso e para eles não se preocuparem, com meu novo emprego vou enviando o dinheiro gradualmente a ele, só a parte que o Vinicius emprestou foi uma grande ajuda, eu não conseguiria esse dinheiro assim tão rápido. Vinicius me ligou e me deitei após jantar para conversarmos mais tranquilamente. No dia seguinte….Acordei cedo, estava super animada para meu primeiro dia de trabalho, sou muito ansiosa e quase não dormi a noite pensando em como seria meu pr
RodolfoFui obrigado a passar a noite em casa, já que minha filha foi deixada aqui ontem à noite. Sua mãe, uma atriz sempre envolta em seus compromissos imprevisíveis, tem o hábito de deixá-la sem aviso prévio. Realmente, estou precisando urgentemente de uma babá para esses dias; sei, no entanto, que logo a mãe voltará, pois deixou um bilhete avisando que ficaria fora por dois dias. Hoje, sem alternativa, vou ter que deixá-la aos cuidados da governanta. Felizmente, ela é uma mulher mais velha e paciente; caso contrário, eu teria que levar minha filha para a empresa. Fui até o quarto dela e, com delicadeza, dei um beijo em sua testa. Ela murmurou algo, virando-se para o outro lado da cama em protesto. E depois dizem que o difícil sou eu. Veja só a minha pequena rebelde.— Manu, estou de saída. Dá um beijo no pai! — chamei, enquanto ela permanecia imóvel. Virei-a para checar se estava tudo bem, mas ela rapidamente se virou para o outro lado novamente.— Não, pai, eu quero ir embora. Sua
Eu e Tadeu seguimos para a empresa. Ao passar pela recepção, percebi que não havia ninguém no posto da secretária principal, nem mesmo Selena estava ali. Olhei para a mesa vazia e entrei em minha sala, questionando-me se minha atitude poderia ser a razão pela qual nenhuma secretária conseguia permanecer muito tempo no cargo. Será que eu era realmente tão grosseiro assim?Patrícia é a grande culpada por eu ter me tornado esse homem desagradável nas últimas semanas. Antes, eu não era assim. Claro, estressava-me ocasionalmente, o que é normal dado o volume e a intensidade dos negócios. Mas agora, esse sentimento parece constante.Tadeu me acompanhou até minha sala e, assim que me sentei na cadeira, pude aproveitar a visão privilegiada do exterior de minha sala. Agora, estava apenas à espera de Selena para confrontá-la sobre o fato de que cheguei e não fui recepcionado por ninguém. Começo a suspeitar que ela está me mostrando, com sua ausência, o quanto estou me tornando detestável, má so
SelenaAcredito que finalmente encontrei a secretária ideal para o Rodolfo. A moça é muito simpática, um amor de pessoa. Gostei bastante do seu perfil; ela parece ser uma mulher de personalidade forte, e sinceramente, no momento, preciso de alguém assim aqui para ser a secretária do Rodolfo. Ele simplesmente age como quer, mas também as candidatas que têm aparecido por aqui não são lá essas coisas. A última era a lerdeza em pessoa, e quando ele percebe que a mulher só tem beleza, fica mais impaciente.Sou muito amiga dele, mas às vezes não sei como aguento o seu temperamento. Muitas vezes ele é ignorante, não me ouve e faz besteira. É típico dele, mas espero que pelo menos essa secretária dure mais tempo do que a última.Apresentei ela a todo o setor, mas quando fui até a sala do Rodolfo, estava trancada. Acredito que ele está em reunião, já que ele só faz isso nessas situações. Auxiliei Letícia a começar a se adaptar no novo cargo e pedi para que Gustavo também a auxiliasse, já que el
LetíciaEstou realmente apreciando meu novo emprego; adoro ambientes onde parece que todos se entendem bem. No entanto, não posso negar que estou um pouco apreensiva com meu chefe. Selena descreveu-o de uma maneira que me faz imaginar que ele seja bastante temperamental, mas estou determinada a manter-me o mais discreta possível. Durante um café, tive uma conversa longa e agradável com Gustavo. Ele é divertido e brincalhão, o que torna o ambiente leve. No entanto, sinto uma certa preocupação com essa aproximação, considerando que vejo meu namorado, Vinicius, com pouca frequência. Embora ele nunca tenha sido ciumento, nossa relação sempre foi construída sobre uma base de sinceridade e muitos amigos compartilhados.Durante o almoço, um momento inesperado ocorreu: minha cunhada me ligou. Isso me surpreendeu, pois ela raramente faz isso. Com um gesto educado, pedi licença a Gustavo, que acenou compreensivamente. Peguei meu celular e caminhei até o tranquilo jardim ao lado do refeitório, um