Traficada e resgatada

Eu não tenho vontade de entrar em detalhes quando falo desse tempo que passei como escrava, você deve entender, não é mesmo? Foi um tempo de abusos, não foi só físico, mas também psicológico, acabou com minha autoestima, acabou com minha vontade de viver, tive que passar por um tratamento psiquiátrico por causa do trauma e continuo fazendo terapia semanalmente para lidar com todas as minhas emoções bagunçadas.

Sabe o que eu não entendo? Como um ser humano é capaz de fazer isso com outro, como uma mulher é capaz de fazer isso com outras mulheres, destruindo seus sonhos, pegando algo bonito com que as meninas sonham e transformando em um verdadeiro pesadelo. Mas eu terei minha vingança, essa mulher que me recrutou, essa é meu alvo principal.

Foi após a morte do vô Samuel que eu recebi a proposta, eu tinha visto meu “quase irmão” Leo no enterro e me despedido sem saber quando o veria novamente, ja que faria um curso na Europa. Quando terminei o curso um ano depois, essa mulher veio me recrutar, disse que foi alguém do curso que me recomendou, disse que era um trabalho fácil de cuidadora de um homem muito rico (que cretina, ela só não mencionou de que forma ia funcionar esse cuidado). O dinheiro não me impressionou, mas a oportunidade de colocar isso no meu curriculo antes de voltar ao Brasil, sim, e esse foi meu erro. Aceitei ir na entrevista e foi um caminho sem volta.

Nunca vou esquecer daquele dia, da simpatia da mulher quando me ofereceu a água que ja estava com alguma coisa para que eu dormisse. Foi fácil me colocar no carro quando eu saí do prédio da entrevista toda tonta, eu adormeci logo em seguida e quando acordei, estava em um país que não fazia ideia nem do nome. Todos falavam uma língua estranha para mim, depois descobri que era turco.

Estavamos em um quarto escuro, eu e mais quatro jovens, a tal recrutadora apareceu e explicou as regras, nós precisavamos trabalhar se quisessemos comer, simples assim. Quando uma das garotas foi levada e voltou inconsciente de tanto apanhar, ela nos explicou: “é isso que acontece com quem desobedece” e depois, olhando para mim, disse: “enfermeira, por enquanto seu trabalho vai ser cuidar dela” e me deu uma maletinha com alguns ítens de primeiros socorros. Logicamente não havia ali nada cortante ou perfurante com que eu pudesse tentar me defender ou tentar fugir.

Como as garotas se negavam a “trabalhar”, as três primeiras voltaram em estado parecido e eu gastei quase um mês só cuidando delas, as outras duas garotas que estavam no nosso quartinho, decidiram que era melhor aceitar aquela situação do que apanhar como as três e começaram a voltar com presentes, elas diziam que não era tão ruim assim, mas eu sabia que não era verdade, elas apenas queriam se convencer disso. Uma delas começou a delirar que um dia algum cliente ia comprar ela e tirar ela dessa vida se ela trabalhasse bem então se tornou a pupila da nossa raptora, a mais requisitada ja que era a mais disposta a fazer qualquer coisa que lhe pedissem.

Depois que as três garotas haviam se recuperado, chegou a minha vez, a mulher me buscou, me levou para um dia de princesa em um hotel caro, me deu um vestido de grife e me preparou para um cliente especial, ao ver que eu estava muito nervosa, decidiu que era melhor eu ser dopada, e foi assim meu primeiro trabalho… eu estava anestesiada quando o homem mais velho entrou no quarto, ele parecia um empresário, afrouxou a gravata e nem se deu ao trabalho de tirar a sua roupa ou a minha, apenas abaixou a calça e levantou meu vestido depois fez o que quis enquanto lágrimas escorriam dos meus olhos. Ele vestiu novamente a calça e começou a esbravejar no telefone, logo a mulher voltou e me tirou do quarto enquanto o homem continuava no telefone, agora trabalhando no notebook.

-Te dei um cliente fácil, querida, com esse é apenas isso mesmo, entrar e sair, ele nem liga se a garota estiver dopada, fiz isso porque você é útil como enfermeira, mas os chefes não querem dar comida para enfermeiras, apenas para as garotas que fazem todo o trabalho.

Eu continuava chorando em silêncio, anestesiada pelo remédio que ela havia me dado, parecia que tudo era apenas um pesadelo, que uma hora eu ia acordar. Como eu não tinha forças para fugir, como pagamento pelo meu recente “trabalho”, fui levada a um restaurante para comer. O tempo todo que estive lá, só havia comido pão e barrinhas de proteína então aproveitei o jantar com prazer mesmo já estando praticamente em depressão.

O segundo cliente reclamou de eu estar dopada e não ser participativa, então eu apanhei… primeiro do cliente e depois de outro homem que nos vigiava na casa, fiquei de cama por uma semana e a mulher decidiu que eu ficaria exclusiva do “empresário das rapidinhas” como ela chamava, assim ela não perdia a preciosa enfermeira.

Praticamente um ano se passou até que a casa foi invadida e fomos resgatadas, mais uma vez eu estava machucada, mas dessa vez foi por tentar fugir dias antes, uma jovem agente que fez parte do resgate, ajudou a me carregar, ela estava ocm os olhos cheios de lágrimas quando me colocou no carro e sentou ao meu lado. Ela me perguntou em inglês de onde eu era “Where are you from?” e eu respondi quase sem forças “Brasil”, ela sorriu e começou a falar em português comigo, aquilo foi um refrigério.

Fomos levadas para uma base secreta onde cuidaram de nossas feridas físicas e emocionais, também ouviram horas e mais horas de depoimentos para tentar descobrir mais sobre a organização que havia feito aquilo conosco. Falei tudo o que eu sabia e um dia, quando estavamos no refeitório, a moça que participou do meu resgate me procurou, ela pediu minha ajuda com alguém que havia se ferido em uma missão. Foi assim que comecei a ajudar na base.

Fiquei um tempo com eles até que tive coragem de voltar para o Brasil e tentar recuperar a minha vida, aquela jovem, Hanna, também me ofereceu a chance de ficar na base, de receber treinamento e ajudar a resgatar outras mulheres, mas eu sabia que precisava resgatar a mim mesma antes, então decidi voltar ao Brasil. Hanna precisava ir para o Brasil em uma missão também e eu fui com ela, no caminho ela me pediu que ficasse de olho em sua irmã Patrícia e foi assim que surgiu uma oportunidade de eu trabalhar como enfermeira na seleção de bailarinos que Patrícia Magli estava fazendo para um grande show.

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