Louisa recobrou a consciência aos poucos, sentindo-se meio fora de seu corpo. Os sons à sua volta estavam abafados e distantes, contrastando com a sensação gelada em seu peito como se sua alma estivesse congelando lentamente. Lou ergueu a cabeça tentando ver através da nuvem de cabelos bagunçados e claros. Tirou-os do rosto com uma das mãos e ergueu o tronco, permanecendo sentada no chão frio, encolhendo as pernas e abraçando os joelhos. Lou deixou os olhos se acostumarem à luz forte e branca do lugar, tentando entender onde estava. Para se situar, refez os últimos passos daquele dia: lembrava-se de estar conversando animada com Anmi sobre a futura lojinha fixa que Anmi queria tanto abrir para vender sua comida e os quadros da prima. Repentinamente, Louisa sentiu uma fisgada violenta em suas costelas e percebeu, tardiamente, que estava incapacitada de se mover direito, sendo arrastada para um caminhão estranho. Levou minutos para perceber que Elya a havia encontrado.
Virando a
Aksu se sentia como um touro preso em uma baia estreita de metal. Ele observava com pavor os homens de farda liquidarem os invocadores indefesos presos dentro das jaulas. Os tiros ecoavam até ele como badaladas de um sino infernal, lembrando-o do exato momento em que dezenas de pessoas inocentes eram massacradas sem chance de defesa. Fazia quase uma hora que Aksu estava desperto, embora ainda levemente desorientado. Se tivesse mais alguns minutos poderia invocar fogo, derreter a fechadura da jaula, sair e tentar a sorte para libertar a todos ali.Um homem calvo e fora de forma, na casa dos cinquenta anos, preso na jaula ao lado, abaixou-se e colocou os braços entre as grades para alcançar o chão, murmurando palavras de incentivo para si próprio. Ele havia dobrado as mangas da camisa social molhada de suor e acariciava o concreto molhado, feliz. Aksu pensava que o homem havia enlouquecido quando notou várias outras pessoas fazendo o mesmo. Ele se aproximou da grade mais p
Genesis sentia a euforia corroer seu corpo. Achou que morreria ali, sem a menor pena, porém Louisa havia acendido uma chama de esperança para todos que estavam enjaulados. Lágrimas brotaram de seus olhos e escorreram por seu rosto alvo e anguloso, lágrimas da mais pura vontade de viver. Ele mantinha as mãos no concreto liso à espera do sinal de Louisa. Os policiais pensavam ser alguma espécie de ato de submissão e sequer os mandaram levantar, continuando com a maldita matança. Gen tremia levemente de frio com a chuva fina que caía pela enorme abertura no teto daquele poço quadrado, fitando tudo à sua volta com os olhos bem abertos.Sairiam dali vivos, disso ele tinha certeza naquele momento.No centro de seu ser, Genesis acolheu as faíscas rebeldes com amor, deixando-as tomarem seus olhos e, em breve, todo o seu corpo. Ele jamais fora tão grato pelo dom que tinha como o era naquele momento, desejando que Saul pudesse vê-los trabalhando em equipe. Genesis voltou a o
Elya sentia o peito estourar de felicidade. Finalmente havia capturado uma quantidade absurda de invocadores, beirando os mil “espécimes” – como gostava de dizer às vezes. Enchendo aquele lugar mais umas vinte vezes, provavelmente acabaria com os malditos invocadores naquela cidade e seria visto como um herói.O som de projéteis perfurando crânios era como música para o ouvido de Elya, que permanecia em pé na entrada de portas trancadas com as mãos atrás das costas. A rápida interrupção o deixara nervoso, ainda mais se tratando de projéteis defeituosos. Odiava pagar caro por munições que não funcionavam e aquele não era o momento para que elas falhassem. O cheiro ferruginoso de sangue e os pedaços de ossos e cérebros tomavam o chão das primeiras fileiras de jaulas feito uma pintura dantesca macabra. Uma rápida olhada no canto direito daquele poço foi o bastante para deixá-lo curioso; um garoto abaixado na jaula com as mãos para fora dela, tocando o chão. Elya balançou a
Louisa esperava com Genesis e Aiden no lado de fora do gigante poço de concreto onde haviam sido enclausurados poucas horas antes. Era como um galpão escavado na terra dura. Talvez o propósito dele fosse servir de abrigo, o que era estranho devido à abertura no topo. Ela estava sentada em um murinho baixo que circulava o tal poço, mexendo os dedos nervosamente. Henrik havia voltado para dentro dele à procura de Zya, a pedido desesperado de Louisa.Como ela previra, os invocadores de fogo conseguiram derreter as fechaduras das jaulas e libertar a todos aos poucos. Acharam o caminho para fora rapidamente e, conforme eram soltos, juntavam-se em grupos para sair dali. Elya cometera o erro de ir até lá sozinho com seus policiais, além de ter usado jaulas com pés de apoio emborrachados.— Elya não era tão esperto, no final das contas. — Comentou Louisa.Genesis a fitou e sorriu. Pensava o mesmo naquele exato momento.— E devemos a você essa nossa liberdade. — Gen r
Ela sentava-se na beira da mureta do prédio, olhando o fluxo de pessoas e veículos lá em baixo. O vento era forte ali em cima, varrendo seus cabelos para trás grosseiramente, enregelando suas pernas cobertas por um pequeno short preto e meia-calças da mesma cor. Louisa enrolava os dedos na barra do blusão de moletom de Henrik, absorta na visão do alto, das centenas de luzes piscando por todo o lugar a perder de vista. Nos primeiros dias ela se cansara de tentar ver as estrelas dali; o excesso de luz, poluição e nuvens carregadas não deixava passar nada. Os olhos azuis já não eram tão inocentes, não viam bondade e gentileza em quase nada e eram espertos demais para deixar passar um detalhe sequer, por mais ínfimo que fosse. Louisa poupava seus sorrisos, dando-os apenas aos irmãos e ao primo. Já não morava mais com Aiden e Genesis: Henrik e ela permaneceram apenas uma semana com os dois e então foram embora, pois acharam um apartamento três ruas distante deles. O lugar era bom, embora
Dezenas de enormes peças de carne a serem carregadas os esperavam no caminhão, umas em cima das outras. Genesis amarrou firme o avental grosso e branco antes de calçar as luvas para iniciar o trabalho. As botas pesadas vez ou outra o desestabilizava, deslizando no chão úmido do galpão. Henrik, ao seu lado, estalava os dedos, pronto para trabalhar.— Quem precisa de academia quando se trabalha num açougue onde o chefe é um maldito que manda dois fazerem o trabalho de dez? — Resmungou Gen.— Ah, Gen. Levantar um peso extra é bom. — Riu Henrik, já descarregando a primeira peça e colocando-a por cima do ombro.— Parecem bois inteiros aí.Henrik já ofegava quando voltou, após pendurar a carne em um gancho. Genesis ainda estava parado, com a mão em uma das peças.— Cara, pega logo isso. Quando terminarmos, já podemos ir embora.Genesis encarou o irmão à sua frente; não era tão alto quando Gen, mas quase. Enquanto Genesis tinha cheios cabelos pretos, Henrik ti
A luz prateada do dia nublado entrava pelo buraco no telhado, de onde ainda pendiam telhas e lascas de madeira pontiagudas, bem no centro da sala. A parte de baixo da casa era feita de um único cômodo grande, escura e com paredes descascadas que um dia foram de um azul escuro penetrante, chão de madeira ressecada e riscada e janelas obstruídas com cortiça bege e velha. Mesas de escritório se apoiavam nas paredes, bambas e enfraquecidas pelo tempo. Uma cadeira de ferro com assento e encosto de tela estava empurrada a um canto, sozinha. Abaixo do buraco no teto, um tapete se desfazia pelo tempo, sujeira e água que se acumulava nele, desfiando e apodrecendo. O canto que um dia foi a cozinha não estava em melhores condições, tendo uma geladeira completamente enferrujada com a porta pendendo, onde uma família de ratos morava, um fogão no mesmo estado e os armários estavam no chão, quebrados. A escada de alvenaria estava inteira, com seu corrimão de ferro seguindo degrau por degrau para c
Lou apertou o xale com as mãos, fechando-o mais para não ser atingida diretamente pelo vento e garoa gélidos. Ela andava pela calçada prestando atenção nos sapatos vermelhos estilo Lolita que usava, evitando olhar para as outras pessoas e já se arrependendo de ter escolhido uma saia colegial vermelha com rendas para ir trabalhar, pois o vento enregelava suas coxas sem piedade. Talvez uma meia-calça grossa tivesse dado um jeito de bloquear o frio. Ao passar por um beco com um estranho grupo formando uma roda, Louisa apertou a bolsa por baixo do xale, involuntariamente. Os caras ali eram maltrapilhos e sujos, e sorriram demoniacamente quando a viram passar. Ela já não sentia aquela urgência de chegar logo em casa quando saía do trabalho tarde da noite, com medo de encontrar alguém que a fizesse mal em algum dos milhares de cantos escuros da cidade. Sabia que não seria ela a se dar mal numa ocasião dessas.O barulho da cidade – carros, ônibus, pessoas – a atordoava levemente,