“A arte existe para que a realidade não nos destrua”
(Friedrich Nietzsche)
MELISSA
Acordei no meio de um campo muito verde, o sol brilhava forte e me cegou por alguns instantes. Quando meus olhos se acostumaram com a luz intensa pude ver a imensidão da campina, não havia nada ao redor, nem uma casa sequer, um poste ou uma árvore, nada que pudesse me proteger dos abrasadores raios que incidiam sobre minha pele. Sentia minhas bochechas queimarem e o calor começou a tomar conta de todo o meu corpo. Senti-me fraca, como se minha energia estivesse sendo sugada. Não avistava nada e nem ninguém em quilômetros, não tinha nada a que eu pudesse recorrer.
Não saber como havia parado naquele lugar me incomodava ainda mais que o calor ou a solidão, simplesmente me sentei em meio à grama e abracei meus joelhos, escondendo minha cabeça entre eles. Tentei recordar como cheguei até ali, mas em minha mente só havia um vazio de memórias, não conseguia me lembrar de nada, blackout total.
Deixei minha mente vagar por vários minutos em busca de uma explicação para o que tinha acontecido comigo, foi quando de repente ouvi um choro de bebê bem próximo a mim, levantei a cabeça imediatamente à procura de onde vinha tal choro, mas o som parou como mágica. Achei que pudesse ter imaginado, afinal não há nada ao meu redor. Como poderia haver um bebê? Fechei bem os olhos e tentei respirar fundo por alguns segundos, eu precisava me fortalecer para procurar água e algum lugar que tenha pelo menos um telefone para eu ligar para casa.
Mas então o som recomeçou. Um choro desesperado de recém-nascido. Dessa vez ele não parou quando abri os olhos. Levantei-me cambaleante e segui o som, mas a cada passo ele se distanciava, como se quisesse brincar de pique-pega. Entrei no jogo, corri a esmo tentando alcançar o choro, que agora estava tão alto que parecia estar em todo lugar. Eu sentia a necessidade de segurar aquele bebê em meus braços e consolá-lo, pois aquilo estava me consumindo e me deixando cada vez mais desnorteada.
Já tonta, enfraquecida e angustiada com aquele lamento sem fim, não pude mais sustentar meu corpo, caí no chão e me contorci. Eu senti que precisava levantar e salvar o pequenino ser indefeso que gritava por minha ajuda, porém não encontrava forças. Logo tudo saiu de foco em meio às minhas lágrimas e mergulhei em profunda escuridão.
MELISSA O quarto está imerso em breu, mas levantando-me da cama consigo enxergar a enorme janela coberta pela persiana e alguns tímidos raios de sol se precipitando dentre as minúsculas frestas. Alcanço a janela mal conseguindo respirar. Meu coração saltando no peito. Com as mãos trêmulas, consigo abrir a persiana, só o bastante para o sol de início de verão banhar o espaço à sua frente. Enfim reconheço o lugar, apesar de achar que estava perdida em algum iglu no Alasca devido ao frio congelante, estou no quarto de Rick. Estou a salvo em seu apartamento em frente à praia de Copacabana. Ele começa a se mexer na cama e a cobrir os olhos, o sol parece estar o incomodando. É atordoante observá-lo dormir, sempre tão agitado e inquieto em seu sono. Volto-me para a janela e deixo que o ar fresco da manhã exerça seu efeito calmante sobre mim, porém, hoje nem a brisa do mar que entra pelo quarto faz meu coração suavizar. Fico bem na ponta dos
MELISSAO sol começa a se levantar naquele imenso céu azul, prometendo fazer um dia quente, típico domingo de praia lotada. Eu simplesmente paro no calçadão e preencho meus pulmões com ar fresco, inspirando e expirando profundamente algumas vezes até sentir o tremor do meu corpo ser controlado. Eu consigo sentir o olhar dele sobre mim lá de cima, da janela.Caminho até a areia e sento, fitando o horizonte à procura de uma resposta para o turbilhão de perguntas que tenho em minha cabeça. O que o sonho quis dizer? Por que meu subconsciente está querendo me assustar? Por que isso está me incomodando tanto? Estou ficando louca? Como o Rick consegue ser tão insensível?De tudo que está girando em minha mente, a última pergunta é a única para qual eu tenho a resposta. Porque o Rick é prático
MELISSAApós me empanturrar de torta de limão, meu doce favorito no mundo, retorno para o meu quarto a fim de finalmente dar atenção à revisão da minha monografia. Realmente já está tudo pronto, “ok, Rick, você tem razão, era só uma desculpa esfarrapada para fugir do seu apartamento, vamos lhe dar um pouco de crédito”, porém eu não me canso de tentar melhorá-la, eu não posso cometer o mínimo erro sequer. Eu tenho que fazer uma apresentação perfeita e garantir nota máxima. Afinal, meu desempenho acadêmico é decisivo para que eu seja aprovada no intercâmbio.O meu grande sonho é conseguir essa bolsa para fazer o mestrado na França, Beaux-Arts de Paris, uma das escolas de artes mais conceituadas do mundo e onde grandes artistas estudaram. O programa é incr&ia
RICKApós ela desligar o telefone e nem me deixar explicar o meu lado, eu me senti mal, como se estivesse realmente adoecendo. Eu podia senti-la escapando pelos meus dedos e não sabia o que fazer para me manter preso a ela. Era como ter a vida se esvaindo de mim. Eu preciso dela como preciso do ar para respirar e ela estava fugindo de mim como se eu pudesse fazer mal a ela. Eu nunca seria capaz de machucá-la.Eu admito que meu comportamento não tem sido dos melhores, eu posso ser um pouco possessivo demais e impaciente, e descontrolado, e impulsivo, e explosivo, mas eu não consigo ser diferente. O sentimento que tenho por ela é tão forte que pressiona meu peito e me sufoca. Imaginar perdê-la é demais pra mim.Eu ando pela casa à procura de algo para preencher as horas que eu terei pela frente. Sozinho. Eu tinha pensado em ficarmos o dia todo juntos. Poderíamos i
MELISSAO calor está por toda a parte, me envolvendo em uma massa de ar quente. A ardência domina meu peito, o ar sumindo a cada segundo, me sinto sufocada como se uma rocha estivesse sobre o meu peito. Começo a me debater em busca de ar. Abro os olhos, sobressaltada. Rick está completamente agarrado a mim, a cabeça apoiada em meu ombro, um braço jogado sobre o meu peito e as pernas enroscadas nas minhas.Além de ele estar colado em toda extensão do meu corpo, ainda estamos cobertos com o edredom até o pescoço. Estou suada e pegajosa, os cabelos grudentos e precisando de ar, desesperadamente. Tento de todas as maneiras me desvencilhar de suas pernas e braços, mas quanto mais eu me agito, mais forte ele me puxa para si. Seu rosto está todo retorcido, os olhos bem apertados como se estivesse tendo um pesadelo. Sentindo o meu afastamento, ele começa a se agi
RICKE novamente o mundo está a desabar sobre a minha cabeça. Por que ela insiste em "darmos um tempo" sempre que as coisas ficam um pouco abaladas entre nós? Será que ela não me ama da maneira como eu a amo? Eu seria capaz de atravessar o inferno se ela estivesse do meu lado. Por minha vontade, eu não me afastaria dela um minuto do meu dia. Eu seria completamente feliz em tê-la sob meus olhos todo o tempo, admirando sua beleza...Além de tudo ela continua insistindo nessa história de psicólogo. Eu não preciso me sentar em um divã e expor os meus demônios para um idiota qualquer fazer anotações em seu bloquinho. Mas como eu poderia recusar sua oferta? Vê-la algumas poucas vezes ainda é melhor do que não vê-la nunca. Afinal, só
MELISSAQuase duas semanas se passaram e eu só falei com o Rick duas vezes. Muito estranho... Da primeira vez foi ele quem me ligou com o pretexto de que precisava me avisar que havia saído da empresa do pai. Isso realmente me pegou de surpresa, nunca imaginei que ele fosse abandonar seu alto cargo na empresa da família e abrir mão das regalias de ser o herdeiro mandão. Ainda cheguei a pensar que ele fosse usar sua posição para me chantagear, colocando o emprego do meu padrasto na berlinda.Por alguns dias eu tentei digerir essa notícia e pensar no que isso poderia significar para o futuro do Rick, e, claro, no que o motivou a tomar essa decisão. No fundo eu sabia que ele não iria se adaptar fácil a sentar-se atrás de uma mesa em um escritório e lidar com a monoton
MELISSADepois que consegui absorver que o meu desempenho foi realmente positivo, era hora de arregaçar as mangas e entrar em ação. Com a minha aprovação e nota em mãos, eu já podia correr atrás do intercâmbio e finalmente sair em busca do meu sonho. Os dias passaram voando enquanto eu me inscrevia para diversas bolsas para o mestrado no exterior, mas, claro, sempre torcendo para ser aprovada naquela que me levaria à Paris.Eu pesquisei muito a respeito, procurei referências e pessoas que tiveram experiências boas e ruins. Encontrei excelentes faculdades de Artes em vários lugares do mundo oferecendo seus cursos para alunos estrangeiros. Algumas são tão caras que eu precisaria vender um rim mesmo que fosse selecionada, já outras são mais em