O Destino

Ao sair de casa, caminhou pela cidade de São Paulo ao meio de prédios cinzentos e marrons, o dia estava frio, uma garoa caia entre os arranha-céus e cortavam a carne, ao respirar ou falar, conseguia ver vapor saindo de sua boca. Ele estava bem agasalhado com uma jaqueta grossa e marrom. Acendeu um cigarro, e então, após alguns minutos, chegou até o local onde havia marcado com o estranho homem.

     Ao chegar no estabelecimento, o homem já o esperava com um jornal em suas mãos. Clézio puxou uma cadeira e sentou-se à sua frente. Então, o homem disse:

— Como essas pessoas são hipócritas, veja só. Graças ao depoimento daquele cuzão do Vladmir, estão dizendo que a história sobre a Zona da Morte são todas mentirosas, que tudo não passa de uma farsa feita na internet, e que as Kamens são falsas. Grandes idiotas, o Governo está escondendo tudo. Se soubesse o que o Vladmir faz dentro dos laboratórios da EMZC na Zona de Exclusão, ele seria preso ali mesmo. Bando de babacas.

Uma garçonete apareceu para atendê-los, interrompendo o discurso.

— O que vão pedir, senhores? — perguntou ela.

— Ah! Por favor, eu quero dois cafés expressos. — Respondeu o homem, que agora estava vestido mais adequadamente, com uma jaqueta de couro e o cabelo jogado para trás, fixado com um gel. — Hoje vai ser por minha conta. — disse ele olhando apontando com o dedo.

— O que você sabe sobre a Zona da Morte? — indagou Clézio para ele, enquanto esfregava suas mãos devido ao frio.

Apesar de estar extremamente frio, o homem escolheu um lugar na área aberta do café, que ficava na esquina da rua. Ali, estava vazio, e seria o local devidamente apropriado para uma conversa que outras pessoas não deveriam escutar.

— Sobre a Zona da Morte? Há. — respondeu rindo. — De onde você acha que veio essa pedra? Isso aqui, meu amigo, é uma Kamen legítima, produzida diretamente de lá.

— E como você a conseguiu? — perguntou, enquanto a mulher do café servia as xícaras em suas mesas.

— Eu estive na Zona da Morte. — cochichou o homem com a mão em frente à boca, certificando de que a garçonete não escutasse.

— O que?! — Perguntei um pouco surpreso.

— Bom, isso não importa, afinal, estamos aqui para negociar a pedra e não para contar histórias de terror. — disse ele dobrando seu jornal e colocando por cima da mesa.

— Qual é seu preço? — perguntou Clézio, indo direto ao assunto. Ele não gostava da presença daquele sujeito, algo nele era extremamente desagradável.

O homem levou a xícara de café quente até a boca, tomou um bom gole, e depois, voltou com a xícara para mesa dizendo. — Quinhentos mil.

— O que?! — Respondi a ele espantado. — Eu não tenho essa quantia. Isso é o um preço maior que o de minha casa.

— Olha senhor, como é mesmo seu nome? — perguntou. — Estamos negociando a vida de sua filha aqui, não estamos? Se você quiser, é esse o preço. Acredite, eu sou o que vende esse negócio pelo menor preço. Além do fato de ser algo extremamente raro, você não tem ideia do quanto é difícil conseguir uma desse modelo específico. Você não tem ideia do que tive que fazer para sair da Zona de Exclusão com essa pedra, eu tive que fazer algo horrível, tive que escondê-la onde ninguém poderia encontrar. Então, não me tome tempo, se não quiser, eu encontrarei outro que queira, com certeza.

Nesse momento, Clézio se enfureceu e se levantei rapidamente, se jogando para cima dele, porém, ele era rápido, puxou o seu braço e o imobilizou facilmente, colocando seu rosto sobre a mesa.

— Escute aqui, violência não irá resolver nada. — disse o homem próximo ao seu ouvido. — E pare de chamar atenção, você está querendo o que com isso? Acha que poderia retirar a pedra de mim à força? Acha que não vi essa bosta de arma que está escondendo presa em seu cinto? E você acha mesmo que eu seria idiota de trazer a pedra junto comigo? Se você quer salvar sua filha, esse é o preço, ou nada será feito. — após dizer isso, ele o soltou. — Está vendo ali, do outro lado da rua? Aquilo é um banco, eles podem fazer empréstimos para você se quiser.

Clézio sentou novamente em seu lugar, por incrível que pareça, a pequena situação que criou não chamou a atenção de ninguém por estarem em um lugar isolado ao lado de fora.

— Eles nunca iriam me fazer um empréstimo tão alto. — respondeu cabisbaixo. — E com os gastos dos remédios e internação de minha filha, acabei fazendo outros empréstimos. Já devo muito dinheiro ao banco.

O homem respondeu para ele com pena no olhar e levou sua xícara até a boca. Então, Clézio disse a ele:

— E se... eu fosse até a Zona da Morte e encontrasse uma dessas, eu mesmo?

O homem imediatamente cuspiu ao lado todo o café de sua boca e gargalhou até engasgar. Desta vez alguns clientes do estabelecimento olharam para eles, mas não deram importância.

— Ir até a Zona, você diz? Só pode ser uma piada. — disse quando recuperou o fôlego, mas ainda continuou tossindo. — Ou então você é um completo retardado! Mesmo que você consiga, mesmo que o exército ou a radiação não te peguem, você acha que algo que pode ser vendido por quinhentos mil estará ali, no chão, esperando ansiosamente o primeiro que estenda a mão lhe apanhar? Que não haverá outros ali querendo o mesmo que você? Que não estarão dispostos a matar por algo tão valioso? Por favor, não seja estúpido. — ele tomou mais um gole de café e continuou. — Olhe, a questão é, existem muitos que se interessam nestas coisinhas, e muitos que tem o suficiente para me pagar até mais do que pedi a você. Porém, eu entendo o seu problema, camarada, então, lhe darei um tempo para pensar. Guardarei a pedra para você por uma semana, e se conseguir o dinheiro, estarei aqui todos os dias, exatamente neste mesmo horário.

Após isso, o homem se levantou e deixou o dinheiro do café sobre a mesa. Assim, se retirou, deixando Clézio ali sozinho com seus pensamentos. Ele pensava em alguma forma de conseguir esse dinheiro, mas realmente, seria impossível para ele ter essa quantia exorbitante, mesmo se vendesse sua própria casa, afinal, seu salário não era dos melhores. Mas de qualquer forma, ele precisava pensar em algo, e rápido, tinha apenas uma semana.

Após a conversa, ele um dia de trabalho normal, tirando o fato de que passou o tempo todo pensando nisso. Pensou na possibilidade de pedir o dinheiro emprestado para o seu chefe, afinal, ele trabalhava ali já há mais de vinte anos, talvez ele pudesse emprestar ao menos uma parte dessa quantia, já que todos ali sabiam sobre a situação de sua filha. Se não conseguisse encontrar outra forma, tentaria isso.

Ao final do dia, decidiu ir até o hospital ver como estava a Alice. Ao entrar no quarto, a viu novamente deitada sobre a cama, o doutor ao seu lado, que ao vê-lo, o cumprimentou com um suave balanço com a cabeço, que ao mesmo tempo, indicava que nada havia melhorado. A agonia de ver sua filha tão pequena deitada sobre a maca o deixava cada vez mais aflito, e as coisas iam de mal a pior, pois além de tudo, após pensar bem sobre o assunto durante o dia todo, mesmo se ele fizesse o impossível e conseguisse o dinheiro para salvá-la no último momento, ele não teria como saber se ela aguentaria uma semana toda de espera, e isso o fazia pensar se desligar as máquinas realmente seria uma opção.

Ao sair do hospital durante a noite, Clézio decidiu passar em um bar local, onde sempre se encontrava aos finais de semana com alguns amigos nos tempos de faculdade, pois seria um bom lugar para se distrair dos problemas.

Ao entrar no local, rapidamente sentiu a nostalgia de estar ali, já fazia muitos anos que ele não colocava os pés no Liberdade à Rainha.

— Um whisky duplo, e sem gelo, por favor. — pediu para o homem do balcão.

O bar era chamado movimentado, com mesas de madeira e bancos estofados a couro marrom escuro, o chão feito com cerâmicas pretas e branco intercaladas, como um tabuleiro de xadrez. Geralmente, tocavam músicas antigas dos anos 80 e 90, com shows ao vivo. O balconista lhe entregou o copo com whisky, enquanto bebia, um homem sentou-se ao meu lado e pediu também um whisky duplo sem gelo. Um homem de cabelos negros e barba por fazer, com olhos grandes e escuros, que após sentar ao meu lado, rapidamente me reconheceu.

— Clézio!? — indagou. — Há quanto tempo, homem!

— Alan Chaves. — respondeu a ele com um sorriso um pouco forçado.

— Eu não te vejo por aqui há muitos tempo, o que te trás aqui novamente? — perguntou ele enquanto recebia o copo de whisky. — Mas vejo que ainda tem um bom fígado e bebe o mesmo que antes.

Alan Chaves, ou apenas Alan como era chamado por nós, foi um dos colegas de faculdade de Clézio, mas diferente dele, Alan abandonou os estudos antes de finalizá-los.

— Alguns problemas. — respondeu a ele com a cabeça baixa.

— Entendo. É sua filha novamente? Ela está na pior?

— Sim. — respondeu. — Ela está internada já há algum tempo, em coma induzido, a doença dela está em estado super avançado, o médico disse que as chances de cura são quase inexistentes. — concluiu com a mão sob a testa.

— Entendo, sinto muito. — respondeu. — Mas, não há nada que possa ser feito?

Ele ergueu a cabeça novamente, se lembrou do que havia dito para aquele homem, sobre ir até a Zona da Morte ele mesmo e conseguir uma Kamen.

— Até existe algo que eu possa fazer. Mas, creio que seja muito difícil. Não, é impossível, não sei nem mesmo como conseguir.

Então, Alan ergueu seu copo de whisky, e disse:

— Você amoleceu bastante Clézio. Onde está aquele homem que fazia de tudo pelo bem maior?

— Você não está entendendo.

— Então, me explique. — questionou.

— Alan. — disse ele. — Você não acreditaria se eu lhe contasse.

— Experimente. — insistiu, ele levando o copo até a boca.

— Eu conheci um homem. Que me mostrou uma certa pedra.

— Hum... Pedra? — disse ele terminando de beber e pedindo mais uma rodada. — Então você está descontando seus problemas nas drogas? Isso é complicado, ainda mais direto para a pedra assim. Ou começou com umas menos pesadas?

— Não estou falando desse tipo de pedra. — respondeu frustrado. —  Estou falando de uma Kamen!

— Isso é interessante. — disse Alan. — Continue.

— Ao início, pensei que fosse falsa toda essa história que circula pela internet sobre a Zona da Morte. Mas Alan, é real! Eu vi com meus próprios olhos uma em ação, e com ela, o homem conseguiu curar a minha filha em segundos, porém, ele tirou a pedra de próximo dela, que voltou ao seu estado inconsciente novamente. Parece mentira, eu sei, mas é verdade, Alan. O pior de tudo é que ele quer um preço absurdo pela pedra, eu não tenho todo esse dinheiro, muito menos posso emprestar de algum banco. Pensei em ir eu mesmo para essa tal Zona da Morte, mas eu não faço ideia de como ir, ou se é possível achar uma forma de ir. Confesso que estou confuso.

Alan ouvia em silêncio, enquanto olhava para o seu copo de whisky, que estava com duas pedras de gelo, então, ele olhou para o seu antigo amigo e disse:

— Você se lembra? — perguntou. — Sempre que vínhamos aqui com nossos antigos amigos, antes que eu abandonasse a faculdade, pedíamos whisky sem gelo, isso virou uma tradição para mim.

Ele não entendeu o argumento de Alan, até mesmo pensou que ele pudesse não estava acreditando. Ele sempre foi um sujeito esquisito, mas sempre foi confiável. Clézio havia me afastado de todos por conta do seu casamento e a situação com sua filha, com o tempo, todos começaram a seguir suas vidas com caminhos diferentes, porém, Alan sempre continuou indo ao Liberdade à Rainha todas às quintas-feiras durante à noite, como sempre foi de costume.

— Lembro sim. — respondeu enquanto terminava de beber o meu copo.

— Clézio. Vamos lá fora. O que tenho para lhe dizer é sério e aqui não é um bom lugar. — disse ele se levantando da cadeira e deixando o copo para trás, jogando o dinheiro sobre o balcão.

Saíram do estabelecimento, estavam em uma rua asfaltada, iluminados por postes que ficavam ao lado sob a calçada. A rua estava deserta, mas podíamos ouvir latidos de cães a todo o momento.

Alan pegou um cigarro, oferecendo um ao seu companheiro, mas ele recusou, pois já tinha os seus. Ambos caminharam juntos e em silêncio pela rua escura e sem movimento, a fumaça do cigarro, densa e cinzenta, contrastavam o brilho da luz dos postes que se estendiam até o horizonte frio.

— Clézio, eu acredito em sua história. Mas, se sincero comigo, você realmente teria coragem de ir até a Zona da Morte e procurar uma Pedra Kamen, você mesmo? — perguntou Alan sem hesitar enquanto tragava o seu cigarro.

— É claro que estaria. — respondeu. — Isso seria uma forma de poder salvar a Alice. Eu faria qualquer coisa para vê-la fora daquela cama e bem novamente, qualquer coisa.

— Vejo que você realmente ter determinação. Mas, sabe das consequências, não sabe?

— O que quer dizer com isso?

— Você estará entrando em um local totalmente proibido, além do fato de que o lugar é extremamente hostil, dizem que lá, as regras da nossa realidade não possuem os mesmos fundamente, você presenciará coisas que não compreendera, que poderão te levar a loucura. Voltar vivo pode não ser o único problema, mas também voltar com todos os parafusos.

— Eu daria minha vida por ela. — respondeu Clézio soltando a fumaça de seus pulmões.

— Mas, você sabe como entrar lá?

— Esse é outro problema. Eu não faço ideia. Você sabe de alguma forma?

Alan se manteve em silêncio por alguns segundos enquanto caminhavam, ele olhou para os lados, como se estivesse se certificando de quem ninguém estivesse ali para ouvi-los.

— Preste atenção, Clézio, o que vou lhe dizer agora é algo que você deve guardar em segredo absoluto. Eu não sei exatamente como entrar lá, mas tenho um contato de uma pessoa, e ela sim, organiza expedições clandestinas para Zona da Morte e pode te colocar lá dentro. Mas entenda, isso que estou lhe dizendo é secreto, pois ir para a Zona de Exclusão é um crime federal, você pode ir em cana apenas por descobrirem que está planejando ir para lá, mas se encontrarem você lá dentro, eles te matam!

— Eu entendo o perigo. Vi muitas coisas sobre a Zona de Exclusão nos noticiários, mas será que são todas verdadeiras? Digo, sobre existir monstros e essas coisas sobrenaturais. Acredito que isso sejam invenção.

— Você se esqueceu de que alienígenas pousaram suas naves naquele lugar? Estamos vivendo a merda de uma ficção científica, cara. Com monstros ou não, o lugar é um verdadeiro inferno. Há militares para todos os lados que podem te presentear com fogo a vontade sem ao menos perguntar o que você está fazendo lá. Há também a radiação, que se concentra em alguns lugares mais que em outros, fazendo o seu medidor Geiger enlouquecer, tem que olhar para ele todo tempo, pois se vacilar, pode cair em uma bolha e evaporar.

— Você já esteve lá? Parece saber muito a respeito.

— Não, eu não estive. Mas esse homem que estou dizendo, já esteve lá, e foi ele quem me fez desistir. — respondeu Alan. — Quando ele me mostrou as coisas que tinha, contou as coisas que fiz, eu simplesmente desisti.

— E como eu encontro esse homem?

— É simples, em Kiev, na Ucrânia. Para encontrá-lo, você deve ir até lá. — respondeu.

Clézio coçava o queixo, pensava que simplesmente pegar o primeiro voo para Kiev poderia ser um problema, pois com toda certeza a Danielle não aceitaria algo assim. Além disso, ele possuía suas obrigações, seu emprego e outras coisas que teria que deixar para trás. Mas era a vida de sua filha em jogo, ele pagaria qualquer preço para salvá-la.

— Você tem o endereço? — perguntou.

Alan tirou do bolso um guardanapo, que provavelmente havia pego do bar, bateu as mãos pelos bolsos procurando uma caneta.

Encostou o papel sob o capo de um carro estacionado na rua e escreveu.

“Jacov Kermo, Tsytadelna Street, 512.”

— Este é o endereço. — disse Alan. — Se você for mesmo, fale com Jacov. Ele irá ajudá-lo.

— Eu agradeço. Muito mesmo. Ter encontrado você justamente em um momento como esse, me faz acreditar que ir para lá realmente seja meu destino. Deus está me dando a possibilidade de salvar minha filha.

— Talvez sim. — disse Alan colocando as mãos nos bolsos. —  Mas, infelizmente, o lugar que deseja entrar, não foi criado por Deus.

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