— Eu não pedi pra você não mexer nessas coisas? — Questiono assim que vejo a porta do escritório aberto e Isabella lá dentro.
Ela está de costas e segura algo nas mãos, meu coração gela e meus músculos pegam fogo. Meus olhos percorrem a mesa e a pasta está na outra ponta, longe dela, o que não significa que ela não tenha mexido ali antes.
Bella se assusta, obviamente, e vira para mim com o rosto vermelho, mas seco.
— Só vim atrás de uma tesoura, desculpa — ela funga. — Não consigo achar a outra, provavelmente foi encaixotada…
Sua voz soa distante, melancólica e finalmente me dou conta de que o que ela segura é um porta-retrato com uma foto nossa no dia do nosso casamento. Enzo tirou, mandou revelar e me deu de presente.
Ela v
Passo horas após a saída de Dante só remoendo todas as minhas decisões. Pego o celular sentindo a culpa pulsando sob a minha pele, parece até que tenho um corpo no porta-malas e estou prestes a descobrir que fui flagrada.Teoricamente, eu não deveria mesmo ter enviado as fotos dos documentos por mensagem. Maicon é tão paranoico que cogitou que meu celular tenha grampeado ou que Alberto poderia me hackear a qualquer momento, mas eu garanti que não tiraria nada do lugar, já estou ferindo a confiança de Dante mais do que gostaria.Releio os documentos através das fotos que tirei, não entendo nada do que está ali, mas Maicon garante que algumas cláusulas são obscuras e existe uma planilha com uma empresa que segundo ele é de fachada.
Quando volto para casa, não espero encontrar um silêncio imaculado, mas sou recepcionado pelo vazio sonoro e algo revira no meu estômago.Meu instinto me força a caminhar confiante casa adentro e meu alívio é imediato quando chego no quarto e Isabella está lá, com jeito de quem nem saiu da cama o dia inteiro. Gosto de pensar que ela ouviu meus passos firmes, como se eu não me importasse com nada, como se eu fosse a porra do dono do mundo.— Onde está todo mundo? — pergunto.— Dispensei todos eles, estamos cansados de empacotar coisas — ela responde com uma naturalidade assustadora.— Quem você pensa que é para dar ordem aos meus funcionários?<
Eu odeio que ele consiga me afetar tanto sugerindo outras mulheres. Odeio pensar que eu não sou o suficiente, nem em um relacionamento de verdade e muito menos em um de fachada.Talvez Flávia estivesse lá, muito feliz em contente em lhe dar o que ele sente tanta falta. Amor, talvez? Quem sabe eu subestimei o relacionamento dos dois, botei meu preconceito à frente de todos e não percebi que estava entrando no meio de algo, de um relacionamento menos instável do que esse que temos agora.— Me dê uma boa razão pra não me divorciar de você agora mesmo, Dante.Meu Deus como eu odeio a maneira que minha voz treme e falha. Como o choro entalado embarga minha voz e me faz parecer fraca. Machucada como um passarinho. — Eu sei que você impôs que o casamento precisa durar um ano e a gente já conversou sobre isso, mas… acho que você tem razão — minha voz falha quando tenho que admitir. Meu avô me encara, esperando que eu faça mais que isso, que eu diga com todas as palavras. — Acho que Bella está envolvida com Maicon Romano.Seus olhos se estreitam na minha direção.— Eu não me importo se ela dormiu com ele ou não… — ele começa. Seus tom de voz vai ficando cada vez mais denso a medida que ele continua a falar. — Eu só preciso saber o que foi que ela tem para usar contra nós?— Nada, claro. Eu não tenho nada em casa que ela possa ter acessado.Capítulo 92 - Dante Vasconcellos
O prédio é antigo, mas discreto. Um desses lugares onde ninguém faz perguntas demais. Lembra um pouco o prédio onde eu morava antes do casamento.Maicon me recebe com uma ceno discreto. Seu rosto está mais sério que o habitual e a pequena sala com paredes descascando está carregada de tensão.— Tem certeza que não foi seguida? — ele pergunta baixinho logo que entro.— Fiz o trajeto que você pediu, se alguém me seguiu é bom demais pra ser notado.Ele me encara sabendo que essa é uma possibilidade, mas não fala nada. Me acomodo em uma das cadeiras e engulo em seco quando percebo que não sou bem-vinda. Esse é tipo um clube secreto de inimigos dos
O cheiro de café requentado se mistura ao som do telefone tocando insistentemente no balcão de metal, as vozes falam todas ao mesmo tempo, formam um zunido constante e desconfortável, como se fosse um enxame de insetos.Meu celular vibra no bolso da calça, mas respiro fundo e ignoro tudo enquanto equilibro uma bandeja cheia de xícaras e pratos sujos.O café onde trabalho está lotado nesse fim de tarde e meu chefe, Olavo, um homem baixinho e rabugento, já está bufando impaciente atrás do balcão.— Isabella, se demorar mais um segundo, os clientes vão ter que comer os guardanapos! — resmunga, deslizando outro pedido na minha direção.Respiro fundo, conto mentalmente até três e forço um sorriso simpático.— Eles sabem que sua comida vale a pena esperar, chefe.Ele quase sorri com orgulho, mas deve ter algum código de conduta pessoal que o impeça de ser querido pelos funcionários, o mais perto que consigo de sua simpatia é ser ignorada. O que pode significar que não estou fazendo nada err
Odeio pensar que talvez Enzo esteja certo: estou ficando velho. Minhas ressacas estão se tornando cada vez mais insuportáveis.Aperto os olhos puxando as memórias da noite passada, mas tudo se embaralha. O despertador toca, mas o que me desperta é a mão quente e macia no meu peito.Espio para confirmar que trouxe duas mulheres para casa, e elas sorriem entre si, depois para mim, rastejando pela cama, cada uma cobrindo uma lateral do meu corpo. Tento alcançar o celular para desativar o toque irritante do alarme. Só quando meu dedo tateia a tela onde deveria estar o botão é que percebo que, na verdade, estou recebendo uma chamada.Alberto Vasconcellos só me liga para duas coisas: desejar parabéns e arrancar meu couro. Digamos que hoje não é meu aniversário…Dispenso as meninas, contornando a situação para não ter que citar o nome de nenhuma das duas, já que não lembro quais são. Bebo um litro inteiro de água e lavo o rosto na água fria da pia do banheiro.Abro as redes sociais e mergulh
Entro no apartamento sem me dar o trabalho de acender as luzes. A luz da TV na pequena sala de estar ilumina o rosto pálido e ossudo de meu pai. Seu olhar está fixo na tela, mas não de um jeito concentrado, só de um jeito… vazio.— Oi, pai. — Tento forçar uma simpatia na voz, uma falsa felicidade por estar de volta nesse muquifo apertado e mofado.Como se fosse uma recompensa chegar em casa e encontrar meu pai, que nem levantou do sofá o dia inteiro, porque é como se já fossem uma coisa só, fundidas num ranço de depressão e descaso.Sinto a culpa me consumir quando penso nisso e me repreendo mentalmente.— Você comeu alguma coisa? — pergunto, tirando os sapatos perto da porta e largando as sacolas do mercado em cima do pequeno balcão da cozinha.Nada.Solto um suspiro cansado, aprendi a me acostumar com seu silêncio. Quase não me lembro mais do homem forte que ele costumava ser, um líder nato. O que me sobrou foi um homem pálido, apático, uma versão desgastada do homem que eu admirava