Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira.
De volta ao segundo andar e à sua mesa, sentou-se, respirou fundo e deu uma lida no dossiê.
Primeira parte → as análises do médico legista.
A grosso modo, mostrava a hora provável da morte de “Ameba”. O dia. Os motivos: sede, asfixia etc. As substâncias ingeridas. O sangue. As impressões digitais. A surra que o sujeito levou, antes de morrer. As costelas quebradas como prova.
O fato de ter permanecido cinco ou seis dias na cruz. O fato de ter sido crucificado num lugar e, após a morte, ter sido deixado no local onde foi encontrado. Fim de papo.
Talvez pudesse achar um caminhão baú → repleto de sangue → na casa do tal de “Minhoca”. Quem sabe?
Segunda parte → o perfil do morto.
Nome completo. Idade. Filho único de pais falecidos. Vida de crime. Pequenos roubos. Tráfico de drogas. Nenhum assassinato. Nenhum estupro. Nenhuma briga em bar. Somente duas prisões: quatro anos na penitenciária estadual, na primeira; seis anos, na segunda. A primeira por roubo; a segunda, por tráfico de drogas.
Morava de aluguel num quarto de pensão. Viciado em jogo, frequentava o bar Lintox, onde jogava pôquer a dinheiro. Frequentava a rua Marselhantes, na zona do baixo meretrício, em busca de prostitutas. Todos no bairro “FT-8.22”, zona noroeste, um dos mais pobres e violentos da cidade.
Fumava maconha. Bebia. Lavava carros, para a empresa Mortiscar. À noite, vendia drogas para o traficante “Minhoca”, no morro do Palmor, sob os auspícios da polícia. Nenhuma enrascada, nos quatro meses em que esteve solto. Era um solitário preguiçoso, que viveu enquanto pôde.
Terceira parte → os endereços e números de telefone.
Da pensão. Da Mortiscar. Do bar Lintox. De algumas das casas da rua Marselhantes etc. Anotou tudo, numa caderneta que sacou do bolso interno da jaqueta.
Quarta parte → o álbum.
Fotos de “Minhoca”. Sujeito branco, alto e magro. Feio. Quatro tatuagens. Cabeça raspada. Cavanhaque que lhe dava um ar medieval. Decorou as feições dele.
Fotos do morro do Palmor, com suas ruas íngremes e seus casebres rústicos. Fotos da pensão onde “Ameba” morou. Pequena. Pobre. De madeira. Fotos da zona de baixo meretrício. Fotos do bar Lintox, inclusive do dono → homem baixo, gordo e mal-encarado.
E fotos de “Ameba”. Vivo e morto. Hórridas! Parou de olhar, para não ter o estômago embrulhado.
Fechou o dossiê e se preparou para a batalha.
Checou a arma. Pistola TAURUS. Calibre 42. Guardada no coldre axilar, por baixo da jaqueta. Outra pistola, calibre 22, na meia direita. Nunca se sabe. As algemas num dos bolsos da calça jeans. O celular. A caderneta. Sua carteira porta-cédulas. Tudo ok.
Notou a aproximação de Marcos.
→ Mais um caso, amigo?
Marcos também era solteiro. Sujeito inteligente, afável e eficiente. Um amigo. De vez em quando saíam juntos → para as baladas → ou enfrentavam algumas missões, em parceria.
→ Sim. Eu ia te ajudar no caso do bar La Puntaine, mas o delegado designou o Diego para me substituir.
→ E qual teu trampo, dessa vez?
→ Mataram um traficante, crucificado.
→ Será se entendi bem? Você falou em crucificação?
→ Exatamente.
→ Que doideira.
→ Acredite. Uma crucificação em pleno século vinte → abriu os braços. → Com direito a pregos e tudo o mais. Dê uma olhada no “Verdade Suprema” e terá mais detalhes → levantou-se. → Tenho que sair. Se quiser dar uma lida no dossiê desse caso, basta abrir a gaveta de cima.
→ Beleza.
→ Ah, sim. Caso o Cardoso pergunte por mim, diga que fui ao bairro “FY”, por determinação do delegado, ok?
→ Ok. Boa sorte, parceiro.
→ Obrigado.
Dirigiu-se para a saída.
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Estacionou o Corsa verde do lado direito da rua, diante da pensão. Olhou o relógio: 10h50min. Saiu do veículo e não pôde deixar de notar o cume do famoso morro do Palmor, a cerca de oitocentos e cinquenta metros dali. Morro reconhecidamente violento, apesar das constantes incursões da polícia. Na verdade, aquele bairro, em si, era violento. Sem perder tempo, abriu o portãozinho de entrada, percorreu a rampa de cimento, que dividia o pátio gramado, subiu os quatro degraus de madeira e parou na varanda, diante de um portão de ferro → fechado, naquele momento. Pensão pintada de vermelho fosco. Percebeu que havia um corredor, atr&aac
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Uma mulata bonita e sexy, que devia ter entre trinta e trinta e cinco anos, o recebeu. Ela → que tinha acabado de fazer o almoço → o convidou para entrar. O quarto era limpo e organizado. Dividido ao meio por uma folha de compensado, que servia de parede. Uma mesa → com suas quatro cadeiras → separava a “cozinha” da “sala”. Viu o fogão → com três panelas em cima →, o buffet e a geladeira do lado de lá; o sofá e a televisão do lado de cá. No meio, a mesa. Viu também a “parede” de compensado, que com certeza escondia o “quarto” onde o casal dormia. Mônica reforçou as palavras da dona Judite. O Nestor era um bom vizinho e n&a
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Após o almoço → bife com fritas → seguiu para a rua Marselhantes. Fez um rápido reconhecimento, até notar → no meio do percurso, do lado direito da rua → um letreiro enorme e luminoso, que dizia:“BOATE RASPUTIN” Na mosca! Suas análises e deduções se confirmaram. Obviamente que o “Ameba” só podia ter conhecido a mulher do vestido preto ali, entre generosas doses de cerveja. Casa pintada de amarelo escuro, com dois pavimentos. As duas portas → a grande e a pequena →, localizadas no térreo, estavam fechadas. No andar de cima, uma sacada. Estaci
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. O bairro “FT-4.56”, zona leste, próximo da praia, era nobre e repleto de belas mansões, uma maior e mais extravagante que a outra. Os prédios luxuosos completavam o requinte de riqueza do lugar. A rua Galdino Serpp → com aproximadamente oitocentos metros de extensão → era larga e discreta. Não tinha saída, pois terminava num muro, atrás do qual via-se um matagal. Rua absolutamente deserta. Enigmática! Sombria! Não gostou dela → nem um pouco. Contou dez grandiosas mansões ao longo da via → cinco de cada lado →, todas com
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Foi recebido por uma mulher branca, alta, magra, com peitos fenomenais e tatuagens. Usava um longo vestido preto. Seria ela?, indagou para si mesmo, profundamente surpreso. → Ana? → ousou perguntar, após refazer-se do choque. → Sim. Sou eu mesma. Entre, policial. Obedeceu, completamente desnorteado. Entrou numa sala enorme, de teto alto. Tudo ali era extremamente limpo e luxuoso. A estante. O tapete. Os sofás. As poltronas. O bar. O lustre, com suas doze lâmpadas. O piso de ladrilho. As cortinas. As luzes. A mesinha-de-centro. Ela. → Sente-se. Quer
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Olhou o relógio: 18h15min. Seguia por uma estrada deserta, com o matagal do lado direito e algumas fábricas do lado esquerdo. Mais cinco quilômetros e alcançaria a avenida “F600”. Ligou os faróis, uma vez que a noite havia chegado. Iria jantar e depois dar uma passada no bar Lintox. Talvez pudesse conseguir alguma informação importante com o dono. Procurou não pensar nas coxas da tal de Ana. Não teve dúvidas de que era uma mulher fácil. Fácil e.. sexy! Desejável! Excitante! Se as
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Pisou bruscamente o freio, mas não conseguiu evitar a batida. A frente do Corsa amassou, ao bater na lateral do Siena preto, que havia bloqueado sua passagem. Sua testa atingiu o volante, produzindo uma dorzinha chata. Tonto, não teve tempo de pegar a arma. Oito homens rodearam o Corsa, todos com armas nas mãos. → Quieto! → gritou um deles. → Saia do carro! → Ei! Eu... → SAIA DO CARRO! AGORA! Não poderia lutar contra oito indivíduos. Obedeceu, portanto, saindo do Corsa lentamente, com a vista meio que turva. Um filete de sangue fluí
Cidade de “FT”, 13 de janeiro, segunda-feira. Quando acordou, viu-se preso numa cadeira. Correntes! Estava num quarto escuro. O sangue em sua testa secara. A cabeça, porém, latejava, como que vitimada por cruéis agulhadas. Tentou se soltar. Não deu certo. Subitamente, três homens entraram no recinto. Um deles ligou a luz. Reconheceu o do meio. Sujeito branco, alto, magro e feio. Cabeça raspada. Um cavanhaque lhe dava um ar medieval. Sabia que possuía quatro tatuagens, embora não pudesse vê-las. Estremeceu!&n