CAPÍTULO 03

Abigail Wilson

Coloco mais um grande X numa das vagas de emprego que o jornal da edição de sexta-feira publicou. Olho para toda página do jornal e me admiro com a quantidade interminável de vagas que não se adequam a minha posição, na verdade é o contrário, pois sou eu que não detém dos requisitos necessários para ocupar vagas tão sofisticadas e que emanam poder e graciosidade. As vezes praguejo por o mundo trabalhista ser tão exigente no que respeita a seleção de pessoas para ocupar certos cargos, nunca almejei ser uma grande executiva, apenas quero abrir um cantinho para fazer meus docinhos. Eu bem podia fazer e vender no meio da rua, mas seria presa a política americana para vendedores ambulantes é muito rigorosa, eu gastaria uma fortuna só para começar a vender, com os processos e petições sem contar com as tarifas e impostos que teria que pagar. Por isso seria mais simples se tivesse uma confeitaria. Pode tardar mas um dia irei realizar esse sonho.

Dobro o jornal e o guardo na mesa como sinal de desistência, definitivamente agora só conto com a boa vontade da madre Judit e do tal padre que é amigo do milionário. Quando as coisas apertam sempre imagino como minha vida seria se eu fosse rica. Se tivesse condições para pelo menos dar o mínimo sem dificuldade para meu bebê. Já passam das duas da tarde ele está dando o seu cochilo da tarde no meio da sala, o ajeitei bem confortável num colchão pequeno, e mais seguro, pois daqui eu posso controla-lo sem me preocupar que ele caia da cama.

Sendo domingo nós dois permanecemos em casa, apenas saímos de manhã para igreja, a mesma igreja onde fica a escolinha do Brian, é lá onde vamos agradecer a Deus pela vida todos os domingos. Apesar de tudo eu nunca perdi a fé em Deus, se eu não acreditar nele em quem irei acreditar? Sempre pensei que existe um propósito para cada situação e ação do ser humano, e se Deus quis assim eu vou aceitar. Saio do meu devaneio quando ouço meu celular tocando. Sem esforço nenhum o alcanço meu celular dos modelos antigos, não é um smartphone mas serve para muita coisa.

— Alô — falo assim que coloco o aparelho na orelha.

— Bom tarde querida. Aqui é a madre Judit, desculpe encomendar em pleno domingo.

— Não se preocupe madre, está tudo bem — falo dando mas uma olhada em Brian que resmungou alguma coisa e voltou a dormir esboçando um sorriso travesso no rosto, só pode estar sonhando.

— Só liguei para te avisar que já falei com o padre Grégory, e ele me garantiu que irá falar com o amigo. A empresa agora está no comando de outra pessoa que nesse caso é filho do dono, e esse amigo do padre está em processo de mudança para os Estados Unidos, tiveram infelicidade na família, mas assim que o padre conseguir alguma coisa para você te ligo tá bom? — isso me encheu de esperança.

— Claro madre. Ficarei a espera de seu retorno, muito obrigada por me ajudar — conversamos mais um pouco e eu não consigo esconder a empolgação, nos despedimos e então eu desliguei o celular e quase que gritava de felicidade mas imediatamente lembrei que meu anjinho dorme no meio da sala, ele é um dorminhoco desde bebê.

Conseguir esse emprego seria menos um peso nas costas, daqui a nada chegam aqui e cortam a água e eletricidade, pelo menos o aluguel do apartamento está pago adiantado, não corremos o risco de ser despejados.

Após arrumar todas roupas que estava lavando comecei a preparar o jantar, com meu coração doendo tive que tirar o dinheiro de emergência que guardo para qualquer eventualidade, falo do hospital por exemplo, nunca torço para o Brian parar no hospital mas nunca se sabe quando a criança vai mexer na frigideira ou no fogão, por isso preferi estar prevenida, o dinheiro não é muito, e agora terei que repor esse dinheiro, porque usei para comprar a papinha do Brian, as frutas e o lanche dele e comprei mas algumas coisas para preparar nossas refeições pelo menos essa semana. Sendo assim restaram apenas vinte dólares, suficiente para eu apanhar o ônibus por alguns dias.

Os dias foram passando e até agora nenhuma notícia do padre, eu falava com a madre quase todos os dias que ia para escolinha deixar o Brian. Hoje é quinta-feira e Brian sai mais cedo da escolinha, como não estou trabalhando e nem andando pela cidade em busca de emprego resolvo ir buscá-lo. Sem mais demoras saio de casa do jeito que estou mesmo, no momento visto uma simples calça jeans que a qualquer momento ganhará uma língua de tão cansada que está, na parte de cima visto uma blusa regata de cor cinza. Meus cabelos desgrenhados e sem brilho estão enrolados em um coque desajeitado, realmente não sou uma boa referência no que diz respeito a estilo e moda. Eu sou uma moça comum em meio a milhões de americanos, tenho quase vinte e um anos, meço mas ou menos um metro e sessenta de altura. Sou extremamente loura e minha pele é alva mesmo queimando no sol todos os dias nunca fico bronzeada, minha pele é tão alva que está mais para pálida, a única coisa que me orgulha são meus olhos, pois eles sim tem uma cor viva, azul do céu.

— Oi princesa — sem jeito sorrio para o rapaz que me saúda, apenas aceno e continuo andando a passos largos — pra quê tanta pressa princesa, deixa que eu te acompanho.

— Não obrigada — falo praticamente correndo, desde o dia que meu corpo foi marcado eu mal consigo encarar o rosto de um homem, em quase todos os homens que tentam me paquerar eu só vejo uma sombra no lugar do rosto.

Caminho pelas ruas do Queens distraída e quando dou por mim já estou nos portões da escolinha e daqui já é possível ouvir os gritinho  das crianças que sem dúvidas estão brincando e dando mais trabalho para as irmãs. Desde que esse projeto entrou em vigor muitas mulheres do bairro agradeceram e ainda são gratas por tudo que as irmãs e a igreja tem feito por nós mães, principalmente as que são mães solteiras.

A escolinha foi criada exatamente com o intuito de receber crianças cujas mães não tem renda suficiente para pagar uma babá, ou uma escolinha mais sofisticada, aqui elas recebem todas os tipos de mãe sem exceção de nenhuma. Eles recebem a ajuda do governo e também da assistência social que aparece aqui mensalmente para fazer a inspeção e verificar em que condições as crianças que frequentam a escolinha vivem, eles não só inspecionam  a instituição mas também no seio da família. E é por causa das minhas condições que várias vezes recebi notificações da assistente social, por isso é imprescindível que eu arranje um emprego.

Depois de atravessar pelo portão e saudar o porteiro caminho pelo pátio lindo do lugar e de repente sou surpreendida por dois abracinhos envoltos a meus pés , olho para baixo e vejo o motivo da minha felicidade com um sorriso sapeca, me agacho  seguro ele pelos braços e começo rodopiar pelo pátio com ele em meu colo enquanto isso ele solta gargalhadas que aquecem meu coração. Após o momento divertido ele volta para os amigos para poder se despedir. De longe escuto alguém me chamar quando me viro percebo que é a madre Juliet, coro em direção dela.

—Oi filha! Como está? — ela pergunta visivelmente feliz.

— Indo nem madre, a senhora sabe vida difícil. — Ela me chama para sentar em um dos bancos do pátio, nos acomodamos e fico a espera dela começar a falar.

— Tenho ótimas  notícias — o sorriso murcho em meu rosto se revigora ao ouvir isso — padre Grégory me ligou, segundo ele o amigo autorizou que você trabalhe na empresa da família, como tinha dito a empresa fica no centro de Nova Iorque, é reconhecida mundialmente por desenhar e produzir as melhores jóias do mundo. Você precisa comparecer nos recursos humanos da empresa na segunda-feira e lá você receberá todas os detalhes sobre a vaga que irá ocupar. — Eu quase pulo de alegria neste mesmo instante senão fosse o alerta que meu cérebro me dá sobre minhas habilitações académicas, as quais não tenho nesse caso.

—Irmã , a senhora contou que eu não tenho estudo nem? Senão eles podem me colocar como secretária ou diretora de marketing, sendo que eu não sei nada — a madre gargalha e finalmente se pronuncia.

— Fica calma querida, tanto o padre e quanto a pessoa que irá tratar de sua contratação sabem desse detalhe não se preocupe.

— Eu agradeço infinitamente ao padre e também a essa família que está me dando essa oportunidade — a abraço e é inevitável derramar as lágrimas — muito obrigada madre, a senhora tem me ajudado tanto nessa vida.

— Eu faço isso com amor. Você é uma boa menina e merece que ser feliz — ela limpa minhas lágrimas e sorri para mim. A madre é uma das poucas pessoas que recebeu em sua vida sem represálias.

— Mamãe vamu embola — nós duas olhamos para trás e vejo Brian já pronto para voltar para casa. Em prontidão obedeço o pedido do meu pequeno capitão. Saímos da escolinha cantarolando algumas canções infantis. Chegamos em casa ofegantes e suados depois da corrida nas escadas, como o jantar já estava feito, dei banho no Brian e também fui tomar um banho bem rápido para não deixá-lo sozinho e ele ficar aprontando. Enquanto jantamos em nossa humilde mesa de madeira velha Brian me conta eufórico como seu dia hoje na escolinha aproveito a ocasião e o informo que na segunda-feira começarei a trabalhar, ele fica feliz por mim e diz que finalmente vai poder ter outro boneco do homem aranha. E é isso mesmo, dedicarei meu salário para suprir as necessidades do meu homenzinho.

Após intermináveis brincadeiras ele começa a reclamar de sono, por já estar vestido em seu pijama de homem aranha o levo a até o quarto para dormir. Bem devagar coloco ele na cama e ele resmunga alguma coisa.

— Mamãe

— Shh, a mamãe está aqui! Dorme amor. —Aos poucos ele fecha os olhinhos e suas mãos gordinhas apertam minha bochecha.

***

A cada dia hora e minuto que passa minha ansiedade aumenta, foram dias de intermináveis buscas por um emprego. Essa família deve ser muito caridosa, para me oferecerem um emprego sem ao menos me conhecer. Provavelmente nunca os verei ou chegarei perto deles de tão importantes que são, no máximo terei contato direto com o RH ou as secretárias. Finalmente o dia de conhecer meu novo emprego chegou.

Me olho no espelho e gosto do que vejo, estou vestindo uma calça social da cor preta e na parte de cima minha blusa formal que está em mais boas condições que as outras. Meu cabelo está em um rabo de cavalo e nos pés calço uma sabrina preta para combinar com a calça e bolsa da marca cavalinho falsificada. Estou pronta.

Eu e Brian saímos sete em ponto, preciso estar nessa empresa pontualmente às oito, e como a primeira impressão é que vale prefiro sair cedo para não me atrasar. Assim que chegamos na porta da escolinha dou um beijo em sua bochecha a irmã que nos recebe me deseja sorte, os dois entram no pátio e se vão. Já eu continuo meu percurso em direção ao ponto de ônibus. Após dez minutos de espera apanho um que irá me levar direto para o centro de Nova Iorque, uma das maiores cidades do mundo. No percurso aprecio a paisagem lá fora e principalmente o ponto turístico da cidade, a estátua da liberdade e também tem a ponte de Brooklyn que liga Nova Iorque a Manhattan.

Ainda encantada desço do ônibus e procuro o prédio da empresa, pelo endereço visualizo um prédio cujo letreiro na entrada é DM Lancaster em letras douradas e por cima existe um símbolo de diamante tão brilhante que chega a se confundir com um verdadeiro. A passos temerosos caminho até a entrada e nesse momento o homem mais lindo que alguma vez meus olhos vislumbraram sai pelas vidraças que são as portas do edifício, ele é alto, forte tem uma postura altiva e cara de quem não baixa o olhar para mim, está vestindo um terno preto muito bem alinhado, bem antes que eu possa apurar mais algum detalhe dele, ele entra num carro preto brilhante de tão polido, um homem fecha porta e então o carro da partida de misturando ao tráfego nova iorquino.

Quem será ele?

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