Naquela sala não havia um homem que não estivesse impressionado com a pesquisa que havia sido desenvolvida. Eu olhava para aqueles papéis espalhados na mesa de centro do pequeno apartamento de Perugia com aflição corroendo a alma.
Nero, o homem dos olhos de gelo, se adiantou, pegando um documento em cima daquilo tudo.
— James Blackwell. — Camilo Hunter, o ex-marido do homem que eu amo incondicionalmente, deixou o nome escapar, reconhecendo aquela busca. Nero olhou para ele lançando uma careta de dúvida, uma emoção forte para um homem tão controlado... Mas todos nós temos o nosso calcanhar de Aquiles. — É um agente da terceira geração de clones, Matthew o treinou algumas vezes, era especialmente instável e passou diversas vezes por recall, incapaz de manter uma identidade sólida.
— É Daniele — Nero avisou. — Lembro que pesquisamos esse nome e descobrimos ser sua identidade.
— Ahn, deixa eu adivinhar... Morava no Canadá? — O homem que estava com um copo de uísque na mão era um clone, idêntico a Matthew Clark, Daniele Di Mallo e Daniel Kovaliev. Mais um de centenas de identidades falsas que se interligavam como uma maldita teia de aranha. — Acho que lembro disso.
— Lembra disso? — Camilo torceu a boca, ajeitando os óculos no rosto e se soltando sentado no sofá. — Seria impossível você realmente se lembrar, Matt.
— Mas eu lembro, oras! Sei que não foi comigo, mas me lembro de tudo.
— É como se as memórias fossem uma só! Bizarro. — Dylan, irmão mais novo de Camilo, que tinha o mesmo porte elegante e cabelos bem escuros, traço de família, tamborilou os dedos no balcão da cozinha aberta e em estilo americano. Ao seu lado, Matthieu deu de ombros.
— Talvez seja. — Nero logo percebeu um padrão. Inteligência é o forte de homens como Mascherini e Nero certamente se destacava como um. — O laudo de James é o mesmo laudo que o doutor Lorenzini fez para Daniele. Posso levar vocês para conversar com o psiquiatra, fica aqui em Perugia. Memórias fragmentadas, lapsos, amnésia… A incapacidade de manter uma identidade sólida.
— É como se, ao contrário de Matthew, James fosse mais suscetível ao soro do esquecimento e por isso, tão instável — Camilo reparou.
— James. Acho que vou me acostumar com esse nome... Quando deixou a Itália, ele queria se encontrar, se redescobrir. — A voz de Nero quase falhou, o que foi surpreendente. O homem de um metro e noventa e pouco de altura, ombros largos e vestido com as roupas mais caras naquela saleta era conhecido por não demonstrar sentimentos. Boatos corriam pela Giostra de que ele fosse simplesmente psicopata, mas ali eu vi por dentro dele... E de uma forma que nunca vi antes.
Há algo em Daniel e em seus clones. Todos eles despertam sentimentos sólidos naqueles com quem se envolvem. Eu podia ver como Camilo e Matthieu haviam construído uma relação forte e ficava me perguntando se, por acaso, quando era Matthew, ele e Camilo eram sólidos desse jeito? Se fosse, será que eu e Daniel não significávamos nada?
Eu não devia pensar essas coisas. Não em um momento como esse.
— Eu sinto muito. — Camilo segurou no ombro de Nero. Era o único que talvez pudesse entender a dor do outro. Ele também havia perdido alguém pelas falhas de identidade no Projeto Gato Preto. — Se soubesse que James estava em Madrid... Quer dizer, o que eu poderia fazer? A AEES tem total domínio pelo local e ele foi direto para a toca do leão, atraído... Talvez tenha sido um recall.
— Recall?
— É quando recuperam agentes que consideram defeituosos, apagam suas memórias e começam o treinamento de novo — Matthieu explicou.
— O que mais sabemos do Projeto Gato Preto? — cortei a conversa. Não queria chegar nesses detalhes e ter que admitir que talvez, muito provavelmente, Daniel também tivesse sido apagado. Recuperado pela AEES como identificava em seu último relatório encontrado pelo meu meio-irmão antes do meu casamento, eles usariam o maldito soro até que Daniel não lembrasse mais de quem é... E aí enfiariam qualquer identidade no seu cérebro e pronto, fim de papo!
É uma droga estar apaixonado por um homem que é um clone. Um clone, droga!
— Visitamos uma localidade em Sarajevo uma vez. — Camilo respirou como se um alfinete estivesse prendendo seu nariz. Deslizou as mãos pela calça social preta e ajeitou os óculos no rosto de novo. — Matthew estava certo de que era uma casa… — Ele fez aquele sinal com as mãos.
Aquele gesto cortou meu coração ao meio e fez sangrar uma ferida incurável dentro de mim. Os sinais eram os mesmos que Daniele tinha feito quando me contou sobre essa casa. A memória que tinha absorvido de Daniel: o telhado triangular, a falta de palavras para dizer.
— Era um laboratório, ele me contou — Nero completou e Camilo ergueu os olhos castanhos para o homem que se recusava a sentar naquele apartamento, como se algo faltasse ali. E certamente faltava: James.
O apartamento era deles dois. Um refúgio que de vez em quando era o ponto de encontro para quando Sopra Vento, o barco de Daniele, estivesse interditado por qualquer motivo. O local havia sido vendido para Camilo, Matthieu e Dylan, quando vieram abrir a Agência 3033 com Karen, a noiva de Armani. Os trâmites ainda estavam acontecendo, os contratos ainda estavam sendo assinados... e eu estava estafado daquela situação.
Não aguentava mais.
— Ei, eu lembro disso. — Matthieu quase caiu da banqueta. Vi que ele alcançou um caderno de anotações, onde estava escrevendo as coisas que se lembrava, fazendo desenhos com frequência.
— Aqui. — Nero se virou e tirou do bolso da jaqueta de couro um caderno parecido, com a capa de outra cor. É desses comprados facilmente em qualquer papelaria. — Esse era o de Daniele... quer dizer, James. Arranquei umas páginas, sabe, tinha esse desenho de Dylan que de vez em quando surgia.
— Um desenho meu? — Dylan empalideceu, arregalando os olhos.
— De vez em quando ele se lembrava das coisas e anotava. Era um pouco desesperador que ele desenhasse outro homem, então, arranquei muitas vezes as páginas... James descobriu que eu estava arrancando e brigamos. Foi o que o motivou a fugir para a Espanha. — Nero entregou o caderno para Matthieu, certamente achando que ele pudesse desvendar mais detalhes daquele quebra-cabeças absurdo. — Quando te vi, soube que era uma memória cruzada.
— Ah, sim. Por causa de Matthew. — Dylan acenou com a cabeça positivamente e coçou o nariz, como se estivesse incomodado com aquela questão, ou talvez, estivesse omitindo alguma informação importante.
Analisei a forma como Matthieu se mexeu, cravando os olhos no caderno e folheando sem um destino exatamente. Ah, não, Cristo! Eles se envolveram.
— Ele tinha mania de descolorir os cabelos, deixava-os na altura dos ombros... Dizia que preferia assim — Nero disse.
— Engraçado! James sempre fazia isso. — Camilo pareceu descobrir algo importante, foi interessante ver como ele percebeu que os dois eram realmente o mesmo agente: James e Daniele. — Vários clones do projeto existem, mas poucos ativos. No QG encontrávamos só alguns, mas todos os clones buscavam um diferencial visual. — Olhou para Matthieu, que estava segurando os dois cadernos. — Você corta os cabelos e os arrepia para cima, Matt.
— Hm, sim, quando estão um pouco maiores, olho no espelho e me assusto, também raspo a barba, parece que não sou eu. — Matthieu explicou dando de ombros, talvez ele nem percebesse o que o motivava.
— Porque não é. — Cocei a barba. Ainda lembrava da sensação dos beijos ardentes de Daniel, de sua barba... e de James. Todos viraram suas cabeças na minha direção, curiosos com a teoria que eu tinha para partilhar e senti uma espécie de opressão. Exposição desnecessária e não me sentia à vontade de dizer a eles as intimidades que eu havia tido com Daniel. — Acredito que seja uma resposta cognitiva do cérebro. Apesar de serem clones, são pessoas diferentes. Experiência adquirida é o que realmente molda a personalidade, certo? — Eles abanaram a cabeça, concordando. — Por isso o soro do esquecimento é utilizado. Para apagar essa experiência. Irmão gêmeos têm o mesmo DNA, mas são completamente distintos, vivem coisas diferentes.
— Namoram pessoas diferentes — Nero apontou com um sorriso sacana. Sei que ele estava falando dos meus pais, mas não me importei.
— A AEES tinha centenas de “gêmeos”, certo? — Fiz aspas com as mãos. — Mas não estava funcionando.
— O Projeto Gato Preto foi terminado — Dylan explicou. — Quando começamos a investigar, ficou claro que Matthew, bem como todos os clones, seriam desligados... Mas algo mudou.
— Temos conhecimento de diversos agentes, além de Matthew. É claro que algo mudou. — Nero estalou a língua no dente, de um jeito impaciente. — Só precisamos descobrir o que foi.
— Matthew foi convidado para outro projeto. Projeto Clister — Camilo lembrou-se e acertou a gola da camiseta desgastada, que nem assim era capaz de apagar o quanto ele era malditamente melhor do que eu em todos os aspectos. — Foi o que o levou até a Operação Navio Fantasma, onde conheceu Benito. E tudo descambou.
Para Camilo Hunter eu sou a ruína do seu casamento. Posso confessar que, de alguma forma, isso me dá prazer? Quer dizer, eu ainda estava competindo com ele, mesmo que Camilo não estivesse mais competindo comigo.
— O projeto Gato Preto foi terminado enquanto eu estava em treinamento. — Matthieu abriu o caderno e anotou algumas coisas com uma caneta de clicar dessas conseguidas em promoção, provavelmente de uma agência de turismo da região. — Lembro que o Treinador disse que se ausentaria e outro agente ficou em seu lugar. Foi um problema! Era um cara mais velho, bem mais rígido. Era um clone, mas tinha os cabelos raspados... Droga, não lembro o número de registro dele. — Fechou e abriu os olhos diversas vezes, tentando acessar a memória, que estava quebrada em sua mente.
Uma coisa em comum entre Matthieu e Daniele além da aparência: ambos tinham memórias quebradas. Fragmentos de um único cérebro. O de Daniel.
— Eu falei com Daniele.
— James — Nero me corrigiu de repente.
— Com James — consertei e soltei um suspiro impaciente, cruzando os braços no sofá. — Dei o nome de Matthew para ele e lembro que ele reconheceu, disse que era o seu treinador.
— Todo agente que se tornava o treinador, assumia a identidade de Matthew Clark, menos esse mais velho — Matthieu explicou com um sorriso lasso, como se fosse algo óbvio, mas para nós, que estávamos de fora da AEES, era informação útil.
— Todo agente? — Camilo estranhou.
— Davam nomes parecidos, acho que exatamente para ninguém se identificar com nada... Matthew, Matthieu, Daniel, Daniele, Marcel, Marcello… Enfim, vários nomes. Mas lembro de que gravávamos nossos números de série no uniforme, a sigla é sempre diferente, são coordenadas. — Ele soltou a caneta, terminando a anotação, e correu os olhos pelo caderno de James. — Sou MKD.
— James era MTT.
— Matthew era KLD — Camilo disse. Droga, o puto deve ter visto mais do que eu essa tatuagem na nuca de Daniel e isso me matava por dentro.
— Fale da Operação Navio Fantasma — pedi a Camilo. Ele me enviou um olhar duro, de quem me considera um maldito egocêntrico, e talvez eu seja. — Foi quase um ano, vocês estiveram bastante tempo separados nesse período.
— Por que não me fala você? — O maldito soltou um riso de desdém. — Acha que Matthew me disse alguma coisa? Ele era outro quando retornou para a Espanha. Entrou em colapso, tinha pesadelos, não se envolvia mais comigo, parecia que tinha… Não sei, ele não me amava, simplesmente. E pediu o divórcio. Foi isso. Nunca soube o que aconteceu e nem o que rolou entre vocês dois lá.
— Considerando… Deve ter sido bem intenso — Nero provocou com um sorriso no rosto alongado. Ele gosta de causar dor psicológica nos outros, maldito psicopata.
— O que sei é que ele foi contratado para me matar. Assumiu a identidade de Daniel Kovaliev com esse propósito. Eu não acho que ele assumiu essa identidade, aliás, com tudo o que vocês estão me contando... — eu estava conjecturando, mas para mim, Daniel e Matthew eram pessoas diferentes, que assumiram a mesma identidade por algum motivo.
— Fomos no laboratório — Dylan se intrometeu, interrompendo minha conclusão. Acho que no fundo ele apenas queria poupar Camilo da verdade. — Alguém havia ateado fogo no local, havia muitos corpos de crianças por lá, outros clones. Fizeram uma baita queima de arquivo. A AEES nos localizou no local, fugimos. Eu e Camilo recebemos uma reprimenda, veio a nossa demissão... Mas para Matthew... foi “recall”.
— Ele voltou sem memórias para casa. Não lembrava de nada e eu mostrei diversas vezes a pasta com a pesquisa que ele mesmo fez... Não lembrava — Camilo disse, tirando os óculos e esfregando os olhos, cansado, soltando a armação escura na mesinha de centro por cima dos papéis que estávamos debruçados há horas. — Não era Matthew, era um clone... certo? Sempre me martirizou essa verdade. E fizeram a mesma tatuagem para que eu pensasse que era ele.
— Outro clone foi para Nápoles? — perguntei.
— Não — Camilo pediu que eu tivesse calma, estendendo a mão na minha direção. — Embora outro clone estivesse usando seu número de registro e trabalhando como o Treinador... Bem, o homem que voltou do Navio não foi o mesmo que se despediu de mim quando foi para essa missão. Algo aconteceu no caminho.
— Estou confuso — Nero tirou as palavras da minha boca. Até suspirei.
— Serban tem interesse específico em cinco agentes do projeto, que acompanhou pessoalmente — Camilo estava tentando juntar as informações. — O que todos nós conhecemos é, sem dúvida, o que ele mais tem interesse.
— O que voltou do Navio?
— É — Dylan resfolegou. — Serban o visitava com frequência, achamos que fosse por conta dos colapsos, dos pesadelos, mas agora já consideramos outras hipóteses.
— E os outros?
— Bem, MKD era um clone que o interessava — Camilo apontou para o namorado. — Fez parte de um esquadrão de elite, foi quando nos conhecemos. Trabalhamos juntos.
— E o outro, se não me engano, era Mihai, um maldito sádico. — Dylan espreguiçou-se.
— Mihai! Esse é o nome do cara que assumiu o posto de treinador. — Matthieu quase pulou de seu lugar, a cadeira até se remexeu, estava vendo a hora que ele fosse cair. Pegou o caderno e começou a rascunhar. — Ele mascava um palito de dentes, droga, ele era assustador! Parecia um robô!
— E os outros agentes? — Nero perguntou. — James era um deles, não era?
— Sim — Camilo confirmou, pegou os óculos novamente e demorou-se um pouco colocando em seu rosto.
— Por acaso o outro agente se chamava Daniel Kovaliev? — as palavras saíram rasgando na minha garganta.
— Sim, sim. Tinha um antes. Foi morto em combate e por esse motivo meu marido foi chamado para substitui-lo e ir em seu lugar. — Camilo ergueu a mão como se fosse óbvio, ele já disse isso antes, mas não estava fazendo a ponte que eu estava e se impacientou em ter que repetir. — Na operação Navio Fantasma.
— E o nome do quinto agente, você não sabe?
— Não, infelizmente não consegui descobrir. Saí da AEES antes, recebi um ultimato e acho que eu e Dylan não fomos mortos por causa de Matthew, afinal, éramos casados e tínhamos um relacionamento em decadência, que nos blindava. — Camilo coçou os olhos, de repente parou e me encarou de olhos arregalados. Acho que ele percebeu o mesmo que eu. — O homem que voltou do Navio era esse quinto agente, não é?
— Porca miseria! — Nero se surpreendeu.
— Desconfio que seja. — Olhei para Matthieu, esperando que ele soubesse.
— Ahn, não lembro. — Vi que ergueu os olhos, tentou buscar a relação de memórias, mas obviamente não encontrou nada. — Se existe um quinto agente, está bloqueado na minha memória.
Ficamos um momento em silêncio, todos nós. O quinto agente era o “cara do Navio”, o que eu me apaixonei, com os cabelos cheirando a canela e o temperamento mais indomável que já conheci em vida.
— Kyle. — Nero coçou a nuca. Apontou para o caderno de James que estava no balcão. Matthieu alcançou e começou a procurar a informação. — James dizia que esse nome aparecia direto na sua mente, ele achava que era dele. Sabemos que não é. Era James. Mas pode ser a memória bloqueada. Demos esse nome para uma identidade que estávamos programando e tentando colocar na sua mente.
— Vocês são loucos. — Revirei os olhos. Não acredito nisso.
— Era isso, ou o encontrariam — Nero se defendeu. — Ele estava em crise, cazzo!
— Eu compreendo — Camilo se apiedou e rangi os dentes. Por que ele precisava ser tão certinho? — Na AEES, existem duas coisas que ocorrem com os clones: uma delas é um recall e a outra... eliminação.
— Mas não o agente que esteve no Navio, certo? — Nero balançou a cabeça. — Recall não funcionou! Vocês mesmos disseram que ele se lembrava do Navio Fantasma e se voluntariou para Nápoles.
— Ou seja-lá-quem-for esse agente, o homem sem identidade — Matthieu falou, dando um apelido.
— E também não foi terminado — Nero comentou. — Por quê?
— Acho que para sabermos essa resposta teremos que encontrá-lo ou... encontrar Serban Vass-Dragovich — sentenciei.
Todos olharam para mim novamente.
— A segunda opção é impossível. Houve um incidente no QG — Matthieu logo se adiantou, passando mais informações. — Foi como eu fugi! Tinha todas as memórias na minha mente, de ser um agente, de saber de todos eles, dos clones... Enfim, ainda não havia sido designado. Depois do incidente a AEES sumiu, e consequentemente o doutor Serban. Mas talvez possamos encontrar o “homem sem identidade”. — Fez aspas com as mãos.
— Duvido. — Resfoleguei em derrota, sentindo um peso intenso no ombro. — Pelo que conheço dele, e modéstia à parte, eu o conheço muito bem... será impossível encontrá-lo a menos que ele queira ser.
— Se é que não está morto — Nero cuspiu.
— Ah, pare!
— Você apenas não quer aceitar. Matthew está morto, Daniel Kovaliev está morto, James está morto e o “homem sem identidade”...
— E se James estiver vivo, Nero? — provoquei, apenas pelo esporte.
— Improvável. — Ficou sério, com aqueles olhos gélidos em cima de mim. Parecia sem emoção, mas eu mesmo já tinha visto que Nero era puro fingimento quando se referia a James. — Recall não foi uma boa opção, então ao voltar para Madrid, certamente foi eliminado. Provavelmente nem viu o que o atingiu. — E seus olhos de gelo brilharam emocionados. — Bombardeei um distribuidor de sinal da AEES até explodir.
— O distribuidor? — Matt perguntou.
— Ficava enviando arquivos para Daniele, Jamie… Ugh. Ele ficava apagando as memórias mais recentes e entrando em crise, sabe? Cristo, ele falava em línguas que eu nem entendia. — Nero sentou-se finalmente, derrubando o corpo grande e pesado do meu lado. Eu o vi quebrar naquele instante e não sei por que ele baixou a guarda diante de pessoas que mal conhecia, já que no seu círculo social ele era o homem de gelo. Agora a geleira derretia e eu conseguia me identificar com aquela dor. — Teve essa vez, e Liam pode testemunhar ao meu favor sobre isso, que fomos até a França recuperá-lo.
— Ei, eu me lembro disso. — Endireitei o corpo, endurecendo a postura em susto. Lembro-me perfeitamente como ele soou desesperado naquela vez. — James me ligou. Agiu como se fosse Daniel. Ele fazia isso às vezes, mas aquela vez na França foi pior.
— O Mainframe — Matt suspirou, como se soubesse desvendar aquele mistério. Talvez ele fosse o único que pudesse. — É um computador que guarda todas as memórias absorvidas pelo DNA. É esse computador que lança impulsos eletromagnéticos capazes de programar a mente dos agentes, depois que apagam. Eu vivia com medo de passar pelo processo e foi um dos motivos pelo qual fugi.
— É compreensível, Matt — Camilo soltou um suspiro, sua voz soou tão cheia de ternura que eu queria vomitar diante daquela perfeição de relacionamento que eles tinham.
— Bombardeei esse computador até ele explodir, então por isso a AEES ruiu e o projeto foi terminado. — Nero cobriu o rosto com a mão, provavelmente caindo em si que no momento em que destruiu todas as memórias guardadas no Mainframe, condenou todos os agentes do recall à morte. — Dio Santo, James...
Meu coração se quebrou junto com aquela notícia. O “homem sem identidade” havia sido recuperado pela AEES na mesma época… Ele nunca seria encontrado e eu não teria nem mesmo um nome para chamá-lo.
Decidimos que, por pior que fossem as notícias, Matthieu deveria ficar em Siena com sua suposta irmã gêmea, Cassidy; a garota era um clone e ainda não compreendíamos que tipo de projeto ela fazia parte, mas certamente Matt estava disposto a descobrir. Ele, Camilo e Dylan ficaram responsáveis por localizar a AEES.Eu só tinha um objetivo: reencontrar o “homem sem identidade” e descobrir sobre ele, mas Nero, por sua vez, estava disposto a localizar outros clones e eu sabia muito bem os motivos: ele queria programar Kyle.exe em qualquer outro com quem pudesse viver um romance, algo doentio na minha opinião.Acho que somos todos doentes.— A Confraria Vass-Dragovich é uma das entidades mais antigas e inimigas da Giostra, não é irônico que seja ela por trás da AEES? — Nero mexeu o café, a colher prateada tilintou contra a cerâmica de baixa qua
Era cedo. Nas escadarias da grandiosa Mansão Mantovani avistei Liam, meu primo, com um espalhafatoso casaco de pele sintética imitando leopardo por cima de uma camiseta que nem era dele, e calça jeans.Desci do carro, contornei e abri a porta. Ele desceu a escada, saltitante, e o perfume doce e feminino invadiu minhas narinas. Oh, Liam!— Que parte de seja discreto você não compreendeu?
— Como vamos entrar em Sarajevo se é domínio da Kosava? — Liam empurrou sua bolsa vermelha para o bagageiro e sentou-se ao meu lado, tomando o assento do corredor na primeira classe. — Diga-me que você tem um contato.— Tenho, claro. — Dei um sorriso e fechei o visor do celular, cansado de olhar para aquela imagem de Daniel e ficar sonhando com seus lábios macios. — Vamos chamá-lo de Donovan.— Foi alguém que você conheceu no Navio? — Liam coçou o queixo e ficou me analisando.— Exatamente. Fazia parte de nossa equipe, teve um colapso emocional e pediu dispensa, é claro que nunca completou o treinamento, mas ele também me deu uma rota de fuga de volta para a Itália, quando as coisas deram errado — suspirei com chateação, guardando o celular desligado no bolso.— Você nunca me contou sobre o Navio,
— Ai, acho que estou apaixonado. — Liam saltou do carro com um grande suspiro, ajeitando suas roupas no corpo.— Cristo. — Revirei os olhos, joguei o cigarro no chão e amassei com o pé, por entre as folhas úmidas. — Não vou conseguir dormir nunca mais depois de ouvir os urros que vocês deram e como o carro se balançou.— Não fizemos nada que você nunca tenha feito com o gracinha do Pierluigi, meu bem. — Liam sorriu, as bochechas avermelhadas do sexo com Donovan. Não acredito que ele teve — Sou o Mainframe.— Nero destruiu o mainframe. — Franzi a testa, deslizei as mãos pelas roupas que estava vestindo e apaguei o cigarro em cima da mesa de reuniões. — A AEES pegou fogo e Matthieu fugiu, ele mesmo contou sobre isso.— Ele destruiu um computador de controle, repetidor de sinal, mas eu sou o Mainframe, Benito. — Ele me encarou sério, eu pude ver a verdade em seus olhos azuis. Deu a volta na sala e sentou-se na cadeira que antes estava Trevor. Ao redor, as câmeras monitoravam o exterior da instalação do hangar, olhei rapidamente, não vi nada e me concentrei no que ele estava me falando. — Não tenho um nome e, se tenho, nunca ninguém se esforçou em dizer. Usava o nome que me davam e foram muitos, tantos… Até que não podiam mais me controlar e fiquei preso em uma mesa cirúrgica, com o soro do esquecimento pingand• • •「 Capítulo 06 」• • •
Acordei com aquele homem perfeito ao meu lado. Foi como se eu ainda estivesse sonhando, de alguma forma, vivendo a vida a que fui destinado. Exceto que eu ainda não tinha conquistado nada, a não ser o homem que me completava. Por dentro do lençol puxei Daniel para perto de mim, colocando-o embaixo do meu corpo e esfregando minha ereção já rígida. Ele ficava uma gracinha debaixo de mim e acordou devagar, por entre meus beijos em seu rosto, piscando os olhos com sono.— Essa hora e você já com esse humor?— Hm, Dani, não tenho como resistir, você é mais doce que açúcar. — Acertei sua boca, lambendo seus lábios sonolentos e Daniel sorriu, meio dormindo. Espreguiçou-se, suspirando, enquanto abracei seu corpo macio beijando seu pescoço, moendo devagar. — Não quero me desgrudar de você nunca mais.— Isso seria
Pousar um avião daquele porte de forma camuflada era uma missão impossível, além disso, pela falta de registros de tal aeronave, seríamos bombardeados ao entrar no espaço aéreo italiano. Demos a volta pelo mar jônico e pousamos em um aeroporto particular de um contato na ilha de Malta.Apertei a mão grande de Maxence Dre’vontae em um cumprimento cordial. Era a primeira vez que eu ficava cara a cara com o herdeiro da Ordem dos Sete Selos. O homem tinha os olhos verdes e os cabelos bem escuros, penteados para trás com rigidez única.— Obrigado por ceder o espaço para nossa lata velha, Sr. Dre’vontae.— Eu que agradeço a oportunidade de fazer o seu primo me dever um favor. — O sorriso em seu rosto era sacana e senti pena de envolver um dos meus primos mais novos, por parte dos Palazzo, nessa questão. Porém, vi que estava sem
Minhas mãos estavam suando quando encarei a entrada da mansão em Turim que pertencia aos meus pais. A casa que eu cresci e que tive que deixar quando entrei para o exército e nunca mais me senti bem-vindo. Agora eu tinha diversos motivos para retornar para aquele quadrado de paredes alaranjadas, e muitas perguntas cujas respostas se escondiam nos segredos da família.Deixei o carro respirando o doce aroma dos pinhais e das fazendas de uva. O vento começava a ficar mais gelado naquela época do ano. Fechei a porta e caminhei devagar, quase arrastando os pés para a entrada e Marino já estava lá, me aguardando.—