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Decidimos que, por pior que fossem as notícias, Matthieu deveria ficar em Siena com sua suposta irmã gêmea, Cassidy; a garota era um clone e ainda não compreendíamos que tipo de projeto ela fazia parte, mas certamente Matt estava disposto a descobrir. Ele, Camilo e Dylan ficaram responsáveis por localizar a AEES.

Eu só tinha um objetivo: reencontrar o “homem sem identidade” e descobrir sobre ele, mas Nero, por sua vez, estava disposto a localizar outros clones e eu sabia muito bem os motivos: ele queria programar Kyle.exe em qualquer outro com quem pudesse viver um romance, algo doentio na minha opinião.

Acho que somos todos doentes.

— A Confraria Vass-Dragovich é uma das entidades mais antigas e inimigas da Giostra, não é irônico que seja ela por trás da AEES? — Nero mexeu o café, a colher prateada tilintou contra a cerâmica de baixa qualidade branca da cafeteria do aeroporto e ele saboreou devagar, apenas para se ocupar de colocar mais um papelote de açúcar. Lembrei de Daniel, ou do Homem-Sem-Identidade. É, vou continuar chamando-o de Daniel.

— Tenho me perguntado sobre isso. — Coloquei as mãos para dentro do bolso e alcancei o meu celular que estava desligado, colocando-o por cima da mesa e ligando. Nero espiou o visor, especialmente quando uma imagem inesperada surgiu.

Caspita! Você usa o fundo de tela com uma foto de Daniel? — E sua mão pesada largou a colher para pegar o meu celular. Meu coração disparou. — Quando foi isso? Em Nápoles?

— Muito antes, Nero. Eu e Daniel temos uma história muito anterior à sua com ele. — Rangi os dentes. Não queria reacender a rivalidade com Nero, é perigosa, mas ela existe e sempre esteve lá.

— Sabe, transar com James sempre foi muito mais gostoso que aquela noite fervorosa em Nápoles, mas ficamos quites, não é, Benito? Você foi o bastardo que transou com James em Bologna e eu nunca reclamei.

— Você me deu um soco na véspera de meu casamento com Anna! Isso não é reclamar pra você?

— Foi merecido.

Fa bene! Ficamos quites, agora me devolva isso. — Puxei o celular com gana de suas mãos possessivas e Nero quase deu um sorriso na minha direção; seus olhos estavam fixos em mim, analisando cada uma de minhas reações, como um gato preparando armadilhas para uma barata. — Se Daniel está vivo eu quero encontrá-lo.

— Para fazê-lo sofrer? — Soltou ar pelo nariz como um touro bravo, pegou novamente a xícara e levou na boca. Rangi os dentes, Nero se curvou sobre a mesa, não bebeu o café. — Em Nápoles, por que acha que ele se deitou comigo, Benito? Ele estava destruído, com um enorme buraco no peito. É o que homens vazios como nós fazemos.

Questo! Pensei muito nessa questão por esses anos e agora, com tudo o que estou sabendo sobre o Projeto Gato Negro e que o Daniel, ou simplesmente o Homem-Sem-Identidade, como resolvemos chamá-lo, sabia de tudo sobre ser um clone… Bem, ele fez isso para me afastar, Nero. Você era a presa fácil, ele se aproveitou, porque é isso que Daniel foi treinado para fazer.

Nero não gostou da minha resposta e estreitou os olhos, enrijecendo seus ombros musculosos. Achei que ele me daria um soco, esmagando a xícara no meu rosto, mas ele apenas engoliu a bebida com amargor típico e soltou a xícara vazia no pires. Sim, eu tinha razão e estava convencido disso.

— Bastardo.

— Você teve James, espero que tenha aproveitado. Estamos quites, mas quando eu encontrar Daniel, fique sabendo, ele é meu. Vá atrás de outros clones.

— Sabe, Benito, você se faz de certo, mas está errado. — Nero recostou-se na pequena banqueta da cafeteria. — Claro que transar com Daniel em Nápoles foi muito gostoso, mas não serei injusto com James. O que construímos juntos supera todos os processos e se tiver uma forma de eu tê-lo de volta, eu o terei.

— Ainda que seja enfiando a programação dele, ou esse tal “Kyle.exe” em outro agente adormecido? — fiz uma pergunta retórica, afinal, eu já tinha a resposta. — Você é doente.

— Não mais do que você. — Nero deu um quase sorriso. Rangi os dentes. — E chega, talvez seja a hora de Lambertini e Mascherini passarem para um nível mais proveitoso do que rivalidade territorial no Carosello, Benito. Se unirmos forças.

Ele não precisou terminar. Nada mais precisou ser dito entre nós. Tínhamos um acordo. Cuspi na mão e estendi. Nero fez o mesmo. Selamos o acordo da maneira mais tradicional que híbridos da Sociedade Giostra podem fazer: com um aperto de mãos melado.

  • • •「◆」• • •

Horas mais tarde eu podia ser encontrado na cama king size no apartamento tradicional em que eu e Anna Torsello morávamos depois de casados, fodendo Pierluigi, um artista plástico local. Talvez nos últimos meses eu tenha me tornado um protótipo do homem podre que eu sempre soube que era. Anna estava gemendo gostoso por baixo dele, entregue às sensações carnais do sexo. Pierluigi, por sua vez, virando um maldito recheio cheio de pecado entre nós.

Mordi suas costas quando o choque elétrico atravessou o meu corpo. Gozei rápido, ávido e rapidamente saí de cima dele, puxando a camisinha e atirando no lixo. Deixei os dois na cama para continuarem o que estavam fazendo. Fui para o banho.

Eu precisava me lavar. Era incrível como sentia-me sujo depois de fazer sexo, mesmo que fosse com minha esposa e o namorado gostoso dela. Pedi perdão a Deus e aos seres celestiais, demorei-me com a água morna, esfregando cada célula da minha pele, tentando arrancar o pecado enquanto rezava.

Quando saí do banho, Pierluigi e Anna estavam rindo na cama, trocando beijos, ambos relaxados e felizes, acostumados com meu jeito brusco de ser. Evitei a cama que os dois ocupavam sob os lençóis macios e brancos e joguei o corpo na poltrona, enrolado pelo roupão. Cobri o rosto e, de repente, eu estava chorando explosivamente.

Pierluigi desapareceu, indo para o banho, mas Anna veio na minha direção preocupada, fazendo um carinho em meus cabelos e se jogando sobre meu colo, ainda nua. Eu não disse a ela o que estava sentindo e nem sobre as últimas descobertas que havia feito, sentia-me exausto e derrotado, mas deixei que Anna pensasse que eu estava tendo uma crise novamente por sentir prazer em um sexo pecador.

— Quer conversar? — perguntou-me com a voz embargada em ternura e compreensão, acariciando minha nuca úmida com as unhas de esmalte vermelho no instante em que percebeu que a explosão tinha cessado e eu já me acalmava. — Devíamos conversar, Benito!

— Não, deixe, deixe. — Afastei-me, segurei seus braços, procurando conter o carinho do qual eu não sentia ser merecedor. — Vá consolar Pierluigi, diga que sinto muito, não é nada com ele, é apenas…

— Daniel. — Estalou a língua com desgosto e incrível capacidade de me ler. Sim, Anna tinha esse dom de me olhar e descobrir o que eu estava sentindo. — Oh, Ben, deixe-o ir… Esse apego é ruim para você. Faz muito tempo desde que vocês se viram e você o persegue, persegue, convencido de que está vivo… Mas se ele está, não quer saber de você.

— Anna, per favore. — Eu não queria ouvir suas palavras e conselhos. — Sei que tem razão, mas quantas vezes não ignorei os pedidos desesperados de Daniele quando ele mal podia se lembrar de quem era e pensava ser Daniel? E quando morreu em meus braços, que o tratei daquela forma horrível? Esse peso, essa dor… Ah, essa ausência. Não vai ser Pierluigi ou qualquer outro namorado que vai preencher.

— Bem, você goza melhor na cama se Pierluigi está junto — Anna provocou. Resfoleguei, ela deu um sorriso e largou um beijo na minha bochecha. — Todos nós gozamos muito gostoso e é assim que tem que ser, Ben. Está tudo bem seguir em frente, ficar com sua maravilhosa esposa e o namorado artista plástico dela. Daniel não vai te julgar e, na verdade, ele ia querer que você seguisse em frente! Ele te disse isso tantas vezes. — Afastou-se de mim, buscando pelo quarto sua camisola branca, com a qual me esperava em casa para jantar. Bem, comemos um pedido feito em restaurante próximo e bem tradicional, regamos com muito vinho branco e, depois, terminamos com sexo, como sempre.

Essa era a vida que eu tinha escolhido para mim. Fazia-me feliz, mas não me completava. Havia sempre esse buraco.

— Vou ligar para Liam e ver como ele está. Vou a Milão — anunciei deixando a poltrona de couro branco e peguei o celular na mesinha lateral, perto das chaves da minha moto. Abri a porta de correr que fechava a varanda e fui ser bombardeado pelo cheiro da marina.

Anna não tinha mais nada para me falar. Mesmo que quisesse, eu era bom em afastá-la. Foi tomar banho e acalmar Pierluigi, embora ele nunca parecesse ofendido por ser apenas o meu alívio sexual; não gostava de ver em seus olhos o mesmo tipo de tristeza que via nos olhos de Daniel sempre que eu gozava e começava, em seguida, a rezar.

E eu estava sendo injusto com Pierluigi. O moreno de cabelos enrolados e corpo escultural como uma estátua renascentista era como a brisa de primavera, acalentando o inverno terrível que nascia dentro de mim… Mas eu queria o verão.

Com o vento marítimo batendo no rosto, abri o visor do celular encarando aquela fotografia. Teve essa vez que eu estava especialmente bêbado e Daniel também. Era uma noite de folga do Navio, atracamos no porto na Islândia e fomos para um bar, que era a única coisa que tinha além de estacionamento de caminhões, contêineres e o porto. Nesse bar tinha uma máquina instantânea de fotografias, essas de cabine que se paga umas moedas e podemos tirar cinco fotos. Bêbados, com o uniforme do treinamento, nossas patentes marcadas por uma etiqueta costurada sem nossos nomes verdadeiros nela. Lembro como não resisti ao sorriso lívido de Daniel, como passei o braço por seus ombros e o trouxe para perto, segurei em seu queixo e puxei para mim, quase beijando sua boca. Quase.

Às vezes Daniel me dava um selinho. Às vezes colávamos nossos lábios um com o outro e sempre que ele ia gozar, ele mordia minha boca. Mas beijo, mesmo, nunca aconteceu, até Nápoles. Parece maluquice passar oito meses em um navio, masturbando seu colega de equipe durante diversas noites e sendo incessantemente masturbado por ele, mas nunca se beijando. Mas ei. Esse era o nosso relacionamento.

E ali, naquelas fotografias, estava registrado o momento em que eu mais quis beijá-lo e estava disposto a jogar tudo para o alto. Nas outras duas fotos, os caras invadiam a cabine, nos atrapalharam, aquele beijo nunca aconteceu e Strey, o homem que era obcecado em Daniel, fez o possível para nos afastar… Mas naquela imagem que eu fotografei em cima da cama, éramos apenas nós dois e o desejo genuíno de trocar aquele beijo.

Era para eu me lembrar bem daquele dia, porque ele representava todos os outros que eu mantive o desejo implacável bem guardado no peito e nas calças. Para lembrar todas as vezes que neguei essa entrega, essa vontade… E que foram essas atitudes responsáveis por aquela noite em Nápoles em que Daniel sangrou até sua suposta morte em meus braços.

Se eu tivesse reivindicado esse amor. Se eu tivesse tomado Daniel para mim e cumprido as promessas que fiz em vez de abandoná-lo na selva com uma arma emperrada… Esse não teria sido o nosso fim e eu teria ao menos vivido esse amor. Lutei contra isso querendo protegê-lo, mas a que preço? Eu não pude protegê-lo de mim.

Arrastei o dedo pelo visor, o teclado numérico apareceu, apertei para ver os contatos e corri até a letra “L”. Disquei para meu primo.

Oh, Ben! — Tive a impressão que ele atendeu exasperado e que estava quase gozando. Conheço Liam e sua frivolidade leviana, podia imaginá-lo numa poltrona sendo chupado pelo seu noivo, ou por qualquer soldado de seu castelo. Não evitei rir, Liam estava mais próximo da Princesa Rapunzel, preso em uma torre. — O que você quer, porra?

— Estou atrapalhando, meu amor? — Dei uma risada. Olhei para trás, buscando o relógio no criado-mudo ao lado da cama, era bem de madrugada.

— Nunca, mas, oh… — gemeu. É, eu estava atrapalhando. — Merda, espere, eu preciso respirar. — Não sei se era comigo ou com a pessoa entre suas pernas. — Hm. Ai… Droga, bati o dedinho na quina do armário.

— Liam! — Eu não sabia se devia rir ou o quê. — Achei que você estava fazendo sexo.

— Oh, eu poderia. — Riu baixinho, mas continuou gemendo. Imaginei meu primo sentado na cama, com o celular apoiado no ombro e agarrando seu pé branco. — Mas foi só o que houve, azar. A luz do abajur queimou e eu me bati para pegar o celular… Você tá em Nápoles?

— Estou indo a Milão amanhã, não se preocupe. Mas tive que resolver um problema em Perugia.

— Que problema?

— Invadiram o apartamento de Matt.

— Ahn. Podiam ter posto fogo, sabe, eu não me importaria. — Senti o arder inflamado em sua voz. Liam tem ressentimentos, o apartamento era de Nero e James, um relacionamento construído em cima do seu. — O clone morreu, foi?

— Ai, Liam, não, Matt continua vivo e foi para Siena com o namorado e o cunhado.

— Deixa esse assunto para lá, nem quero saber — resfolegou. — E você não me ligou para dizer que vem para Milão, o que aconteceu?

— Preciso de um favor.

— Ih, lá vem.

— Preciso que acoberte para mim.

— Uau, chocante — debochou estalando a língua, ouvi alguns barulhos e acho que ele se deitou na cama. — Claro, vou dizer à sua esposa e seu namorado gostoso que você estava comigo em Milão pelo tempo que você quiser, mas exijo saber o que você vai fazer, Ben.

— Vou atrás de Daniel, Liam.

— Ah, vai à merda!

— Tenho mais e mais motivos para acreditar que ele está vivo e descobri pistas que preciso investigar, se quiser ir comigo…

— Merda. Bem, se eu for, ao menos vou sair daqui, né? Então eu vou. — Liam aceitou, o que, para mim, foi surpreendente. — Vai ser como nos velhos tempos.

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