Enquanto Bento e Sabrina se desentendiam, Nice e Lucinda conversavam sentadas em um banco perto da quadra, embaixo de um toldo velho que ficava ao lado de um ipê-amarelo derrubando flores no chão, ainda chuviscava.
— Eu não entendi qual é a do Daniel com essa Sabrina. — Lucinda bebeu do seu suco de caixinha com sabor de manga, tinha prendido os cabelos loiros em um coque com um lápis. — Vocês não tinham ficado no Ano Novo?
— É…. Ficamos. — Nice respondeu enquanto lixava as unhas.
— E daí?
— E daí o quê, Luci?
— Vocês não vão ficar mais?
— Não. — Nice suspirou e parou de lixar as unhas, olhando para a amiga com seus olhos verdes recém-retocados com lápis e rímel preto. — Eu te contei que ele passou janeiro inteiro me evitando, nem foi lá em casa jogar videogame com o Bento como fazia sempre! De repente fico sabendo que ele está namorando!
— Puxa amiga, deve estar sendo péssimo.
— É…. Está. — Nice confessou chateada, abaixando a cabeça. — Eu achei que tinha significado algo entre a gente, que tinha sido algo… — enquanto falava, balançava as mãos. — Eu estou muito brava! O pior de tudo foi que hoje de manhã eu tive vontade de agarrar ele! Não consigo esquecer ou deixar pra lá…!
— Eu não queria estar na sua pele!
— Não se preocupe, você ainda vai conhecer a namorada virtual do Bento!
— Como assim? — Lucinda arregalou os olhos azuis.
— Namorada virtual, da internet, sabe? Ficou o verão inteiro conversando com ela e a conheceu esse sábado. — Nice contou tudo para a amiga. — Ele é tão babaca, tá todo apaixonado e mal conhece ela direito!
— Apaixonado?
— Ih, que cara é essa? Por acaso está com ciúmes?
— Não! Do Bento? Claro que não! — Lucinda disfarçou e soltou o cabelo, fingindo estar ocupada com alguma coisa que não fosse aquela conversa. A verdade era que não tinha gostado de ouvir as últimas novidades. — Já terminamos, ele pode sair com quem ele quiser.
— Até porque você está com o Roberto, não é?
— Não estou. Eu terminei com ele….
— Por quê? Achei que você estava ‘gamadona’ no Roberto!
— Eu achei também…. Mas aí uma porção de defeitos começou a aparecer, ele foi me irritando, me irritando… e eu dei um pé na bunda.
— Não tem nada a ver com ele estar indo para a faculdade em outra cidade?
— Não…. Quer dizer, foi conveniente. — Lucinda confessou com um sorriso nervoso nos lábios. — O Roberto indo viajar e eu de saco cheio dele. Não precisei de muito esforço.
— E o Bento?
— O que tem?
— Você ainda sente algo por ele?
— Não adiantaria Nice. Além do mais, ele está muito bravo comigo, fica me evitando e hoje já me ignorou umas três vezes! E olha que estamos na mesma sala, ele até sentou longe! Acho que nunca mais vamos ser amigos.
— Ele ficou super – chateado com o fim do namoro, Luci. Se você não queria mais namorar ele podia ter terminado…. acho que seria menos doloroso, e você sabe como os garotos são todos orgulhosos e tontos, fingindo que não se importam.
— Eu sei que eu errei. — Lucinda confessou com um olhar chateado. — E sei que magoei o Bento. Acho que mereço que ele me ignore, não é?
— Ele gostou muito de você, sabe? Para se trancar no quarto e tudo mais….
— Fico feliz que nós duas ainda somos amigas, apesar de tudo. — Lucinda segurou no braço de Nice, com um sorriso no rosto.
— Eu não ia deixar o meu irmão bobão atrapalhar isso! — Nice sorriu para a amiga em resposta.
— Sabe o que eu acho? Que devemos achar um belo par de namorados para nós duas!
— Ah, não sei….
— Pensa no seguinte: se você arrumar um namorado pode matar o Daniel de ciúmes e fazer ele largar da Sabrina para ficar com você.
— Se é que ele vai sentir ciúmes, não é? Eu acho que pra ele, já era. Afinal ele procurou a Sabrina.
— É…. Mas, você não vai nem tentar conquistá-lo, Nice? — Lucinda incentivou a amiga. — Você é muito melhor que a tonta da Sabrina!
— Você acha que eu devia?
— Qual é Nice! Você vai mesmo entregar o cara de quem você gosta, assim de mão beijada assim pra outra garota? Essa definitivamente não é a Nice que eu conheço! Você tem que fazer algo pra impedir isso.
— Você acha?
— É, eu acho. — Lucinda afirmou convicta. — Tem que entrar nesse jogo para valer, Nice. Aproveita que você foi a única que caiu na sala do Daniel esse ano. — sua frase ganhou peso encerrando o assunto, quando o sinal do intervalo bateu, anunciando a hora de voltar para sala.
♥♥♥
Sabrina lavou o rosto na pia do banheiro feminino para tentar sumir com seus olhos avermelhados, sem muito sucesso. Secou o rosto com papel toalha e ficou tentando entender qual era a grande piada do destino em ter colocado Bento, seu príncipe encantado e a única pessoa que a ouvia e compreendia como melhor amigo de Daniel, seu namorado por quem já estava perdendo o interesse.
Não era que Daniel era ruim, era que simplesmente não lhe dava toda a atenção e fazia o namoro parecer um sacrifício. Tinha que implorar por tudo! Por atenção ao telefone ou enquanto ela contava algo do seu dia a dia, para ele ir até o cinema com ela ou simplesmente para estar ao lado dela. Parecia que o namoro era a coisa mais desinteressante da vida de Daniel.
Pensando bem, não era que ele a tratava mal ou que era grosseiro com ela ou algo do tipo. Não era. Daniel a tratava bem e era muito educado, sempre pagava tudo quando saíam juntos e não reclamava de nada, nem quando o filme estava ruim…. mas o problema era que evitava estar com ela e até mesmo beijá-la. Tudo era mais interessante que Sabrina! Uma vez tentou beijá-lo durante o filme do cinema, mas Daniel disse que queria assistir ao filme… e nem depois, quando saíram de mãos dadas e tomaram um suco em uma lanchonete, ele também não quis beijá-la e só trocou alguns rápidos selinhos.
Sabrina sentia-se como uma horrorosa, um monstro, pior, uma leprosa. Tudo o que queria era atenção, um pouco de carinho, uma palavra carinhosa, qualquer coisa que Daniel a olhasse como namorada, a desejasse e até escrevesse cartas de amor para ela. Mas ele era mais seco do que palha!
Além disso, eles nunca conseguiam conversar direito, porque Daniel era monossilábico com todos os assuntos que tinha tentado: política, história, seriados de televisão. Era como se ele não gostasse de nada, não queria conversar de nada. Achava que era timidez, mas pouco a pouco percebeu que não era isso…. era apenas que eles não tinham nada em comum, exceto o fato de terem se beijado na festa de aniversário de seu pai e que Sabrina, precipitada, o pediu em namoro no encontro seguinte, desesperada por arranjar um namorado.
Se esperasse mais um tempo, teria conhecido Bento de maneira mais segura. Pensar em Bento a fez imediatamente encher os olhos de lágrimas de novo. Não era só o fato de ter levado um fora de Bento que magoava, mas o fato de ter traído Daniel. Aquilo era uma coisa muito suja, mas o que podia fazer se não conseguia controlar seu coração?
Continuou chorando no banheiro feminino e não voltou para a classe no seu primeiro dia de aula.
♥♥♥
— Ei, que tal a gente ir naquela sorveteria de sempre depois da aula? — Nice perguntou em sussurros para Daniel no meio da aula de matemática enquanto a professora explicava a primeira matéria do ano. — Eu estou louca para tomar aquele sorvete de doce de leite com cookies de chocolate!
— E cobertura de chocolate…. — Daniel completou com um sorriso, sentado na cadeira atrás da de Nice. — Eu adoraria! Mas o Bento anda meio esquisito, você não acha?
— Deve ser por causa da Lucinda….
— E você acha uma boa ideia convidá-los juntos? Quer dizer, depois de tudo… você sabe que ele ficou superchateado.
— Eu sei. Mas não precisamos convidar a Luci.
— Não?
— Ela vai entender, hoje me disse que sabia que o Bento estava chateado com ela e que achava ser merecido. A Luci é bem madura, para sacar estas coisas e agir dessa forma não é?
— Se você diz…. Tudo bem. — Daniel deu de ombros, concordando com a ideia.
Nice sorriu contente com a resposta, um daqueles sorrisos lindos, cheio de gloss de morango que fizeram Daniel lembrar porque evitou pisar na casa de Bento durante semanas e arranjar uma namorada logo após o Ano Novo. Seu coração acelerou de imediato e foi obrigado a afastar-se de Nice, fingindo interesse pelo seus deveres de matemática, que eram ainda o repeteco da matéria do ano passado.
Imediatamente sua mente o transportou de volta para aquele momento que queria tanto esquecer: estava em sua casa na beira da praia e estava entardecendo, a luz alaranjada do pôr do sol invadia a janela junto com o som do mar. Enquanto Bento nadava na praia de águas claras, Daniel estava deitado na cama de casal de seus pais aos beijos intensos com Nice, que de biquíni e cabelos molhados, se apertava contra ele de forma sensual.
Não tinha sido só uma vez, esse era o problema! Aquelas duas semanas na praia durante as férias se transformaram em um total amasso com Nice! E teria sido perfeito ficarem juntos e até namorarem, se davam bem, gostavam das mesmas coisas e se conheciam. O problema era a promessa,. Aquela m*****a promessa que tinha feito para Bento durante o Ano Novo.
A promessa tinha sido um pedido de Bento, para que Daniel nunca tentasse se envolver com Nice. Bento praticamente arrancara a promessa de sua boca. Mas como era que tinha caído na besteira de prometer para Bento uma coisa dessas, ainda não sabia!
Talvez fossem os efeitos do champagne que tomara que não o deixaram pensar direito na hora e falara qualquer coisa. Ou talvez o fato de que Bento parecia saber o que estava acontecendo entre eles em segredo e precisara prometer como uma forma de negar… por mais que pensasse não conseguia achar uma resposta. Mas agora não adiantava achar uma resposta para isso, porque uma vez que a promessa estava feita, precisaria ter coragem para encarar as consequências se pretendesse quebrá-la.
Por mais doloroso que fosse fingir que nada tinha acontecido, ou que não sentia aquilo tudo…. Pior mesmo era saber que Nice não tinha se importado e estava ali o convidando para tomar sorvete como a amiga de sempre fazia. Isso sim era a pior parte da história.
Imaginou-se em papéis invertidos: se Nice chegasse com um namorado novo para apresentar, Daniel tinha certeza que não aguentaria, morreria de ciúmes e raiva e certamente no período do intervalo da escola ou quando os visse se beijar, entraria na maior briga do colégio.
Que bom que não era Nice que estava namorando, então!
Ao fim do período letivo e ao chegar ao pátio da escola, Sabrina teve que se segurar quando viu Daniel e Nice conversando dentro da papelaria. Viu seu namorado pagar as compras e entregar a sacola para Nice, provavelmente pagando tudo para a ruiva magricela.Sentiu uma raiva esmagar seu peito, definitivamente não ia com a cara de Nice e não gostava de ficar vendo a menina cheia de entrelinhas quando o assunto era Daniel. Ficou ali parada perto da saída, só olhando, e escutou a conversa dos dois enquanto eles saiam da papelaria:— Nice descia a rua da escola correndo, Daniel correu atrás dela e alcançou sua mochila, segurando pelo chaveiro de ursinho de pelúcia, que estourou a correntinha quando ele puxou. Com o barulho que Nice parou, virou para Daniel com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas.— Desculpa. — Daniel falou. — Eu não sei o que….— Vai emCapítulo 05
Daniel entrou na classe e reparou que Nice estava no mesmo lugar de sempre. Tinha na boca um pirulito de morango em forma de coração, vermelho como seu gloss.— Bom dia, Nice. — falou quando se aproximou.— Bom dia! — Nice o recebeu com um sorriso lindo. Ela estava especialmente bonita naquele dia, com um casaco de oncinha fofo e shorts curtos, com uma me
Quando o sinal do intervalo bateu, Sabrina parou bem na frente de Ângelo:— E então vamos lá?— Tem certeza? — indagou incerto. Esse negócio de encontro às cegas era sempre uma furada, sem contar que não pretendia arrumar uma namorada naquele momento. Fora isso, sobrava aquela impressão de ser uma pegadinha, uma piada, um trote
Ângelo ficou calado e sentou-se novamente no banco, para ouvir o que Nice tinha a dizer. A menina suspirou chateada, procurou encontrar as palavras certas para contar a verdade e enquanto desamassava a folha, disse:— É só que… A Sabrina é muito ciumenta e ontem ela deu um chilique por causa do Daniel e eu não queria que ela atrapalhasse a nossa amizade. O Daniel é o único amigo do meu irmão e ele já está superchateado com várias coisas que aconteceram… — confessou de uma só vez, enquanto o pátio já esvaziava com a m
A cada pessoa que entrava no ônibus do planetário, Sabrina, uma das primeiras a chegar esticava o pescoço por cima dos assentos, esperando por Daniel e se decepcionava a cada vez que quem chegava lá era outro aluno.Já havia enviado três torpedos, ligado duas vezes e nada. Daniel não respondera e nem atendera aos seus chamados. Parecia até que estava fora de órbita. De certo, estava dormindo com o celular no silencioso.Viu quando Nice entrou no ônibus seguida de Bento. Os dois vieram juntos já que eram irmãos. Nice era
O passeio ao planetário não foi nada demais: entraram em uma sala escura e redonda onde projetou um filme com as imagens do satélite, explicando sobre a galáxia, os corpos celestes e estrelas. Mostrou os movimentos da Terra e algumas características e imagens de rotas celestes. O local ficou escuro como um cinema, só que a tela, era no teto.Nice assistia a tudo com a boca entreaberta e um sorriso de criança, empolgada com a projeção. Mas era a única que estava realmente se divertindo com o passeio do planetário. Ângelo estava achando tudo muito chato e sem graça, enquanto Sabrina e Bento estavam mais entretidos um com o outro, dando as mã
Sabrina estava com dor de barriga de ansiedade, de esperar por Bento sentada, em frente ao cinema. Pegou o celular para olhar a hora e encontrou uma mensagem de texto de Daniel, que dizia: “Desculpe, passei mal o dia todo, nos falamos na segunda.” E essa era a desculpa tola que ele tinha para dar e ainda aproveitar para dizer que eles não fariam nada juntos no domingo.Suspirou. O que ela tinha de tão ruim que Daniel simplesmente não suportava ficar ao seu lado?! Daniel era lindo, um namorado bonzinho, mas era pura formalidade! Sabrina não se sentia amada e nem desejada. Tentou falar que o amava uma vez, mas Daniel fingiu que não ouviu. Na segunda tentativa foi em uma mensagem de texto, q