“A jornada pode ser longa e demorada. Mas uma hora eu vou encontrar você. E aí será o fim...”
Lisa Evans— Mel, você deve fazer uma bolinha em volta da letra que vem depois do M — falei calmamente, porém, a resposta veio logo em seguida.— Mamãe, eu sei fazer sozinha — disse a pessoa que se acha adulta, fazendo beicinho com uma pequena carranca.— Se é assim, não vou dizer a você que deve circular a letra P — disse segurando o riso quando ela começou a sacudir a cabeça em negativa.— Vou perguntar para tia Clara, se eu posso levar você comigo para escola.— Por que você vai fazer isso, Melanie? — faço uma cara de quem não sabe o verdadeiro motivo.— A senhora é grande, mas precisa aprender o alfabeto direito. Depois do M vem à letra N — coloca uma das mãozinhas no rosto, como se tivesse pensativa e depois prossegue. — Senta aqui que vou dizer desde o começo para você e a tia Quelzinha. A tia clara sempre diz que sou esperta, eu falei porque sou perita em falar. Pronto, tanto eu, como Raquel não nos aguentamos e começamos a sorrir. Disso eu não tinha dúvida alguma, ela tinha uma facilidade incrível de aprender tudo que lhe era ensinado em pouco tempo.— Eu sei mocinha, que depois do M vem o N e logo em seguida a letra O. Só queria ver se você sabia.— Eu sou muito inteligente e quando crescer vou ser igual ao mocinho bonito da TV — fala com os olhos fixos na tela, que exibia uma reportagem com Baran Celikkol. Desde que o viu pela primeira vez, ela começou a chamá-lo assim.— Não vejo nada de bonito nele — exclama Raquel, ostentando uma expressão fechada. Algo que de fato me incomodou, sei que todos nós temos o direito de gostar ou não gostar de alguém, mas não entendia porque ela mudava de humor quando elogiávamos justamente ele. Porém, eu até fiquei calada, mas ela tinha acabado de comprar uma briga com uma leoazinha.— Tia Quelzinha, a Mel não gosta quando você fala assim. Ele é lindo e eu quero que ele seja o namorado da minha mamãe, assim vou ter um papai — engoli em seco, enquanto ela ficou olhando fixamente para a imagem exibida na tela a sua frente, ignorando a presença de Raquel. Melanie sempre foi um doce, mas toda vez que Raquel dizia algo do tipo, ela se tornava irreconhecível e uma pequena defensora, porém, não esperava que ela gostasse tanto dele, ao ponto de desejar que um desconhecido que nunca viu pessoalmente, fizesse parte da sua vida, se bem que não era só ela que tinha tanto apreço por Baran.Horas mais tarde...
Desde que saí de casa, um estranho pressentimento vinha me perseguido. A sensação era mais ou menos como se estivesse fogo líquido em minhas veias, me queimando por dentro, meus batimentos estavam agitados e minha respiração pesada.— Lisa!Embora agitada, luto contra aquele desconforto ao me deparar com Olivia.— Vamos amiga, o movimento hoje está grande — falou me incitando a caminhar com ela em direção ao vestiário para que trocássemos de roupa. Já estava com o uniforme da empresa, fui direto atender um cliente que havia chegado, quando parei perto a porta do veículo, o vidro foi abaixado e um homem que tinha idade para ser o meu pai, lançou um olhar malicioso em minha direção. Aquilo já me deixou agitada e ao ouvir as palavras asquerosas ditas por ele, meu estômago embrulhou.— Vamos dar uma voltinha, chuchu — soltei minha respiração em silêncio, sem dar qualquer sinal de exasperação. Mas, ele não satisfeito, continuou. — Eu posso te pagar muito mais do que a merreca que você ganha nesse lugar.A raiva explodiu dentro de mim e as palavras saíram como lâminas afiadas de minha boca.— Acredito que o senhor sabe ler. Está vendo aquele letreiro enorme ali? — digo apontado na direção da placa. — Posto de gasolina Imperial. Aqui vendemos combustível e não é um lugar de prostituição — sua expressão se torna uma máscara dura.— E... — ele abre a boca para dizer algo, mas antes que ele viesse a falar qualquer coisa, me manifesto novamente.— Assédio é crime e nem o seu dinheiro vai fazê-lo escapar de um processo, além de passar um bom tempo atrás das grades — o rosto do homem estava vermelho de tanta raiva e o ódio estava estampado naquele rosto enrugado. Mas, eu estava com muita raiva e era hora de dar o golpe letal. Com o dedo indicador aponto para mim mesma e então digo. — Está vendo tudo isso aqui? — era uma pergunta retórica. — É muita bagagem para o seu caminhãozinho. E aquilo ali — digo mostrando as câmeras de monitoramento de alta resolução. — É um aviso que se o senhor continuar, não ficará impune.Rapidamente o homem puxou o dinheiro e falou que era para encher o tanque. Quando saiu feito um louco, fritando os pneus, soltei uma lufada de ar, tentando recuperar o meu equilíbrio emocional.— Muito bem, garota — disse Olivia batendo palmas.Quando comecei nesse emprego, por pouco não desisti. E foi ela quem me ensinou a cortar o mal pela raiz. Mesmo temerosa, eu precisava assumir uma postura ou esses sem vergonhas iam tomar ainda mais liberdades.Raquel Colombo
Estou parada próxima à cama da fedelha que passou o dia todo emburrada comigo. A princípio, eu até gostava dela, mas de uns tempos pra cá, está cada vez mais insuportável, vibrei intensamente quando ela começou a reclamar que sua cabeça estava doendo e acabei percebendo que estava com febre, pois alguma coisa nesse mundo tinha que parar esse projeto de gente. Acabei dando um remédio e a chatinha capotou, dou uma última olhada no ursinho que está ao seu lado e caminho para fora do ambiente, ao chegar à sala, aproveitando que estou sozinha, ando até a mesa, agacho-me e passo a mão no objeto que está escondido, não hesitarei em usar caso for preciso. Afasto-me, indo até o pequeno sofá e ao acomodar-me, fecho os meus olhos e meus pensamentos me levam para seis meses atrás.Contra a minha vontade, eu fui obrigada a deixar todos àqueles que eu amava, mas essa era a única chance de a família Colombo não ser extinta por completo por aquele demônio. Com o coração dilacerado as minhas últimas palavras ditas ao meu pai, foi que daria um fim ao reinado de Celikkol, que aquela fera sangrenta seria massacrada em breve.Tudo que trouxe comigo, além do dinheiro que daria para eu sair do país, mesmo correndo o risco de ser pega, foi a minha arma, um pouco de roupa e dentro da mochila, o objeto que poderia ser um grande trunfo a ser usado. Sabendo que aquele desgraçado e seus homens são como animais, que sentem o cheiro de sua presa a distância, eu precisava me esconder até o momento de agir. O meu pai deu um jeito para que eu chegasse até Wyoming, sendo um estado americano com grande taxa de pobreza, seria mais difícil de ser reconhecida. Tudo havia dado certo, mas precisava encontrar um lugar que eu não precisasse pagar aluguel e assim ser descoberta pelos homens de Baran. Atordoada, perambulei pelas ruas naquela noite e de longe avistei a garota que conversava com duas mulheres, ali eu vi uma luz no final do túnel, só precisava agir rapidamente. Eu mesma me agredi e todo um teatro foi feito por mim.Mesmo sabendo que era errado, eu acabei envolvendo Lisa e Melanie em algo que pode custar suas vidas, mas na luta pela sobrevivência, vidas são sacrificadas e não me importa que sejam as delas. Cada vez que ouço as duas elogiando aquele maldito, meu corpo todo fica em chamas e minha vontade de gritar e dizer que elas não sabem que o infeliz é um monstro, um lobo em pele de cordeiro e a própria personificação da maldade, é enorme, porém, me contenho. Passo bastante tempo distraída, pensando em como darei um jeito de me aliar aos russos e conseguir a vingança que tanto desejo contra Celikkol e a Cosa Nostra.Abandono os pensamentos quando ouço o barulho da porta sendo destravada. Assusto-me por ter passado tanto tempo divagando, ao ponto de Lisa já ter chegado, meu olhar se volta rumo à porta quando a maçaneta é girada.— Amiga! Chegou ced... — as palavras falham. — Você! — digo em um fio de voz, arquejando em desespero, dou um salto, ficando de pé."Não pode ser, ele me encontrou" — penso em desespero.Seus olhos sombrios refletem frieza, contudo, a raiva contida neles é quase palpável. E para minha total descrença, ele exibe um sorriso de lado gélido, predador.— Sim! E vim buscar aquilo que me pertence — ao som de sua voz, todos os meu pelos ficam eriçados em pavor.Em pânico, ranjo os dentes, sentindo meu coração bater mais forte, tremores tomam conta do meu corpo e um nó se forma em minha garganta, num encolher de ombros, penso..."É o fim! Não tenho escapatória."“O esperado nos mantém fortes, firmes e em pé. O inesperado nos torna frágeis e propõe recomeços.” (Machado de Assis)Algumas horas atrás... Baran CelikkolDimitri havia me passado as informações exatas de onde a maldita estava. Eu tinha que reconhecer que foi um golpe de mestre se esconder em Wyoming, já que o pessoal liderado por Massimo, acreditando que ela não havia ido tão longe, descartou a possibilidade de procurá-la nos estados que ficam a oeste dos EUA. Quando já estava prestes a deixar o meu escritório, Massimo surgiu em minha frente. — Eu irei com você. — Não! Você vai ficar, assim como não quero nenhum soldado comigo — falei taxativo. — A fera que habita dentro de mim, há muito tempo não participa de uma boa caçada, encurralando sua presa e hoje à noite, o predador vai saciar a sua fome. — Mas e... — insistiu e eu o cortei.— Assunto encerrado. Você deixou aquela infeliz escapar e não vou hesitar em acabar com a sua vida ou de qualquer outro, se cometerem o mesmo erro
“Carneirinho, carneirinho... Quantos seriam necessários?”Minutos depois...Baran CelikkolQuando os meus olhos fizeram uma varredura pelo chão e se detiveram em uma única direção, uma onda de prazer e satisfação pairou sobre mim. Meus demônios, enfim, resolveram descansar e assim aguardar pela chegada de suas próximas vítimas. Em passos largos, fui em direção ao corredor onde aquela fedelha estava, será ela quem vai dar as informações que preciso.Depois de algumas passadas, parei.— Te achei carneirinho 81. Agora vou procurar o 82...Fiquei observando o pequeno ser que mantinha o bracinho, curvando na testa servindo de suporte, enquanto ele estava junto à parede. Quando ela chegou ao número 100, se virou em minha direção, mas antes que dissesse algo, me antecipei.— Até quanto você sabe contar?— Eu sei até 300 — disse exibindo uma expressão de quem se achava muito inteligente. De certo era, já que falava perfeitamente bem para sua idade e não passou despercebido por mim, que era do
“Nem tudo o que queremos na nossa vida, vem da maneira que esperamos.” Lisa EvansMeu interior agitou-se, fazendo um arrepio desconhecido correr pela minha espinha. Os pelos dos meus braços se arrepiaram e o medo irradiou por todo o meu corpo. O homem que até então era objeto de minha admiração e que poderia trazer conforto diante de tudo o que presenciei em minha casa, ao contrário, trouxe um terror nunca sentido. Abri e fechei a boca, sem que saísse palavra alguma, meu pânico era palpável, pois estava incrédula e me negava a acreditar que o homem íntegro, um protetor, capaz de fazer tudo para salvar vidas, na verdade era um monstro. Eu fiquei gélida, sentia como se o sangue do meu rosto tivesse se esvaído ao ver que seus olhos ficaram flamejantes e aterrorizantes. Um exímio predador observando sua presa. No olhar que me avaliava da cabeça aos pés, fazendo-me sentir calafrios como se ele pudesse entrar em meu corpo e arrancar minha alma, eu podia ver um verdadeiro lobo em pele d
Capítulo 09“Por mais sombria que venha a se tornar a sua estrada, não pare de caminhar. Só assim chegará a luz.” Na manhã seguinte... Lisa EvansOs meus pulsos e tornozelos estão doloridos, sinto uma onda de frio por todo o meu corpo, um zumbido assola meus ouvidos e minha cabeça está doendo como se fosse estourar a qualquer momento. “Que tipo de pesadelo é esse que faz com que sintamos como se fosse real?” — penso tentando me mover, sem sucesso.Forço-me a abrir os olhos e lentamente eles vão se habituando a pouca claridade do lugar. A minha cabeça está pesada, minha mente completamente enevoada, de tal forma que nem eu mesma consigo me encontrar. Aos poucos as lembranças vão se tornando cada vez mais claras. E, com elas o medo que se apodera de todo o meu corpo. Não foi um pesadelo, estremeço dos pés à cabeça.— Mel! — seu nome sai como um sussurro rouco rasgando minha garganta.Desesperada, me levanto, sinto uma leve tontura, mas forço-me a andar, porém, não consigo ch
Nada é em vão. Nenhuma folha cai no chão sem motivo, da mesma forma que ninguém sofre à toa.”Baran CelikkolEstou nitidamente mal-humorado. Quando entrei no COVIL DA MORTE, já tinha visto pelas câmeras de monitoramento que aquela atrevida estava acordada. Passei alguns minutos me deliciando do seu desespero, do medo que a envolvia enquanto sua visão se ajustava à claridade ela foi percebendo alguns detalhes do lugar, porém, toda euforia que eu estava sentindo ao ver suas feições no momento que seus membros começaram a ser esticados, aos poucos foi dando lugar à raiva e esta me dominou. Uma boneca de porcelana, que erroneamente julguei que na primeira tentativa de obter a informação, ela se renderia, contudo, embora sentindo dor, ela mantinha-se inabalável, pois sua força interior era grande e poderosa.Foram minutos de pura agonia e em certo momento, ao olhar no fundo dos seus olhos e ouvir suas palavras, eu tive a constatação que a infeliz desejava era morte, isto eu lhe daria, ma
Lisa EvansO pânico que envolveu o meu corpo, está me impedindo de abrir os meus olhos. Eu senti que os meus braços e pernas estavam livres, porém, estão doloridos e pesados. Quando eu tinha seis anos, acabei caindo e fraturando o braço direito, eu chorei tanto que os meus pais começaram a chorar junto comigo e naquele momento, eu na minha inocência, acreditei que fosse a pior dor do mundo. Eu jamais havia pensado que um simples movimento, que mesmo continuando aparentemente intacto, eu pudesse sentir tanta dor e ao mesmo tempo, alívio, quando os movimentos calculados paravam. Prazer é a palavra que descreve as feições que vi no rosto do homem que emanava uma aura tão escura quanto seu coração. Teve momentos que eu achei que meus ossos seriam quebrados em vários pedaços, houve segundos que eu desejei a morte, só para encontrar o alívio eterno que almejava, mas, eu sabia que o diabo não iria me matar, não tão rápido. Baran, o nome que tem como significado "nobre guerreiro" e tal
Baran CelikkolMeu olhar foi do pequeno objeto envolvido pelo sangue em minhas mãos, para o rosto da desgraçada. Seu corpo estava trêmulo, como se sua alma estivesse abandonando-a. Sua face ficou pálida como se o sangue estivesse sido drenado do seu rosto. Fui tomado por uma sensação prazerosa ao ver o sofrimento da infeliz, que até o momento não havia se demostrado tão frágil ao ponto de não conter suas emoções. Baran Celikkol, o garoto que vivia cheio de esperanças, mas que conheceu de forma dura e severa, o lado cruel da vida, transformou-se em um monstro. Dizem que ao matar alguém pela primeira vez, pode causar danos e te deixar assombrado, mas comigo foi diferente, pois derramar o sangue daquele tirano foi algo que me fez sentir um prazer colossal e inexplicável. Naquele momento, o pobre menino que nem sabia que tinha uma besta dentro de si, já não era somente um sobrevivente, um dia ele foi um anjo, mas sua escolha foi se transformar em um demônio capaz de tudo para jamais volta
Baran CelikkolSuas palavras entram cortando meus ouvidos de forma brutal e se espalham por todo o meu corpo, causando uma explosão em minhas veias. Foi inevitável ser torturado por lembranças que não posso controlar. Alguns anos atrás... Dois meses após ter meu corpo marcado por aquele animal, que começou a agredir com mais frequência a minha mãe, pela primeira vez em muitos dias, ela estava lúcida e se encontrava comigo no quarto, não que eu precisasse de ajuda para fazer o meu dever da escola. Mas eram momentos tão raros, que me fazia de desentendido, só para tê-la próxima a mim. Apesar de tanto sofrimento, ver o sorriso em seu rosto me fez lembrar como éramos felizes quando o meu pai estava vivo, seis anos de muito amor, onde ainda acreditava que estava no paraíso, no entanto, bastou somente dois anos para que eu viesse a conhecer o próprio inferno.Naquele momento, eu me encontrava feliz e foram os últimos momentos que passei ao seu lado. Aquele foi o último sorriso que ganh