MERGULHO NO NINHO

A queda vertiginosa durou quase um minuto. Um minuto de queda brusca em um buraco estreito e escuro, úmido e quase completamente liso. De repente uma luz bruxuleante, proveniente do brilho da água ao fundo da caverna, surgiu inesperadamente cegando-os por um momento e logo em seguida o impacto violento e desordenado na água gelada e transparente.

Alguns dos goblins mais atrevidos os seguiram na queda, guinchando desesperados, visto que não conseguiam frear e voltar atrás, caíram na água, esfacelando os ossos frágeis ou se afogando no grande e profundo poço.

Azura não se arrependia de estar ali. A adrenalina a fazia se sentir muito viva e seus sentidos estavam mais alertas do que nunca. A aspereza da rocha solida, puíra sua escarcela de couro, danificando-a irremediavelmente. Acabou perdendo a espada na água, mas por sorte possuía uma boa adaga presa na fivela da bota. Sua atenção se voltou para Heitor no momento em que ele conseguiu vir à tona.

De fato, era algo a se notar. Heitor sair da água exatamente como ele descrevia seu deus dos mares, fervilhou a imaginação de Azura. O jeito que ele jogou os cabelos para trás recuperando o folego, era demais para a cigana. Ela sacudiu a cabeça tentando se concentrar no que tinha que ser feito, sem tentar olhar demais para os músculos da perna do guerreiro por baixo do cinturão enxarcado.

Todos conseguiram se reunir na pequena área rochosa que circundava o poço. Lucos recuperava o folego devagar. Climenides e Heitor procuravam alguma saída. Sareena não parecia nada satisfeita, cheia de machucados, a garota parecia ter dificuldade para respirar. Ao ver que os dois helênicos não achavam nenhum caminho, ela partiu para cima de Lucos com agressividade.

- E agora, velho maláka, onde esta o caminho? você nos atraiu foi para a morte. Você e essa qualquer!

Azura arregalou os olhos surpresa ante a audácia da garota, não hesitando em responder.

- O que você está dizendo, sua louca? Perdeu o juízo ou somente o amor a vida?

Sareena lançou um olhar de ódio mortal para cigana. Heitor correu para apaziguar a garota.

- Calma, Sareena. Para tudo há uma resposta. Deixe o velho respirar e pare com as infantilidades.

Ela pareceu ainda mais agressiva, mas o tom de censura do guerreiro era um comando, ela se calou, remoendo seu ódio e acumulando-o para explodi-lo na primeira oportunidade. A cigana deu de ombros, deixando claro o seu desdém. Ela sabia que isso iria ferir a garota mais do que um soco na cara.

Lucos espantado, resolveu seguir o mesmo exemplo e após alguns minutos de descanso, revelou o próximo passo.

- Devemos mergulhar. Por aqui não há mais tuneis, apenas a galeria para onde o poço leva. Segundo as informações, essa galeria possui uma fenda muito estreita, mas muito alta. Difícil de achar por baixo e praticamente impossível de achar por cima, já que a fenda desemboca em um paredão de rocha lisa que cai direto no mar.

Azura respirou fundo.

“Lá vamos nós de novo, tomar um banho super gelado. Pelo menos a água é limpa.”

Ela olhou os cadáveres dos desafortunados goblins boiando.

“Não tanto, eu diria agora”

Lucos mergulhou na frente depois de recomendar a todos que respirassem bem fundo e economizassem o máximo de ar possível, já que ele não tinha ideia da distancia que teriam que percorrer.

O poço era muito fundo e a água cristalina acompanhava a rocha lisa que sumia montanha adentro. Não era possível divisar o fundo, mas o túnel que a água conduzia era bem claro de seguir. A profundidade e a distancia se mostraram um desafio e tanto ao velho, que em poucos minutos começava a dar mostras da falta de ar e cansaço.

Não havia peixes, ou mesmo outros seres vivos ali além das algas diversas que cresciam nas paredes rochosas.

Heitor foi obrigado a ajudar o velho Lucos. Ele dividia o próprio ar com o velho, apesar da hesitação do mesmo, hesitação esta que não durou pelo simples fato de entender que sua vida estava em risco e que não era hora para frescuras.

Pareceu uma eternidade quando finalmente viram a entrada da galeria, mostrando o teto alto da caverna seguindo por um longo corredor, por onde a água ia seguindo rasa, até se transformar em um pequeno lago, meio pardacento e enlameado. Ao fundo era possível ouvir o que parecia um ronco profundo, grave e alto. Saíram novamente da água, botando os bofes para fora e mesmo ajudando dividindo o seu oxigênio com o velho, Heitor foi o único que não pareceu cansado e ofegante.

- O velho e forte homem do mar eu diria. – disse Lucos em agradecimento, um pouco envergonhado, mas deveras agradecido. – Devemos ter cautela agora, estamos na galeria onde a matrona se esconde. Deve haver apenas um ou outro goblin aqui, aqueles que ela escolhe como reprodutores e acabam servindo de vigias ate que as crias eclodam.

- Calma. – Interrompeu Azura surpresa e um pouco enojada. – Está me dizendo que essas pestes nascem em ovos?

- Na verdade eles são como grandes embriões, com uma grossa camada de pele protegendo as crias até que elas atinjam um tamanho para nascer.

O velho apontou para as paredes laterais. Vários montes de massa, pareciam respirar. O barulho gosmento dos fetos em desenvolvimento, pulsando e misturando-se uns aos outros e o cheiro de carne podre atingiu os sentidos de todos como uma pancada de aríete.

Sareena vomitou e Azura engoliu em seco.

- Criaturas repugnantes, isso só pode ser uma cria deturpada de algum maldito titã. – Climenides tentava em vão tapar as narinas.

- Façam silencio idiotas. – Lucos disse num sussurro. – Não podemos chamar a atenção da matrona. Ela parece dormir o sono de quem acabou de parir mais uma ninhada inteira, pelo ronco que ouço. Vamos eliminar os machos e matá-la enquanto dorme.

O corredor era escuro e se estendia por vários metros até se tornar uma abertura larga. O teto era muito alto e íngreme, praticamente liso. Escondidos no canto mais afastado e nas sombras, o grupo procurou um modo de se aproximar sem chamar a atenção dos goblins machos, que patrulhavam os montes de fetos. Contaram sete machos e a única alternativa seria cada um se esgueirar por entre as pilhas e tentar assassina-los sem que os demais se deem conta. O plano parecia bem simples e nada poderia dar errado.

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