O MONTE

Os arredores do monte não se mostraram um lugar agradável como era de se esperar. A campina estava repleta de restos de animais e cadáveres de pessoas incautas que, sem saber do perigo, eram emboscadas pelos goblins batedores. O cheiro de carne podre invadia as narinas como veneno, deixando os mais sensíveis com o estomago revirado. Azura não pode deixar de se surpreender com o estrago causado pelas criaturas.

Lucos tinha na memoria todo o caminho percorrido para alcançar o ninho secreto da matrona. Mas para isso teriam que avançar pela porta da frente da caverna. A poucos metros do chão, uma abertura natural, feita talvez pelo tempo ou por algum tipo de criatura grande em busca de abrigo, revelava a entrada da primeira parte da caverna. O grupo alcançou essa entrada que não era muito grande. O que era notório na verdade, era que os tuneis em boa parte, foram escavados por Vermes de Rocha, criando para o interior do monte, uma rede intrincada de caminhos que se cruzavam e poderiam facilmente percorrer todo aquele caminho ate a cidade. Possivelmente as criaturas por falta de nutrientes adequados foram em busca de outro local ou então morreram por ali mesmo.

Somente ao fundo da caverna, mais de cinco tuneis seguiam para o interior do monte. Climenides e Heitor deixaram que Lucos e seu companheiro Verno, assumissem a linha de frente, com Azura bem atrás. Sareena fechava a comitiva, visivelmente incomodada com o cheiro de carniça do local. Os primeiros metros do túnel que escolheram tiveram que percorrer se arrastando, um de cada vez. Não foi muito difícil já que o caminho era uma reta, que desembocou em uma espécie de galeria, não muito grande, mas com espaço suficiente para que todos ficassem de pé. Dava pra ouvir as goteiras das estalactites eternamente pingando no chão de rocha calcaria, cavando lentos sulcos que iam aumentando com o passar do tempo. Não havia mais nada na galeria além de umidade e mofo. Lucos parou por um instante, puxando um pequeno mapa em um pergaminho antigo e puído.

- Todo mundo sempre imaginou que esse monte só fosse habitado pelas criaturas em busca de abrigo ou um lugar adequado para procriar, mas a verdade é que existe uma lenda de entidades que vieram a esse mundo para esconder um tesouro de valor incalculável e extremo poder. A presença desse artefato criou uma nova espécie de seres mais espertos, mais vorazes e mais poderosos, por isso a matrona goblin nunca foi localizada. Por isso os goblins estão dando tanto trabalho. Felizmente reunindo todas as informações de que já explorou os tuneis antes de mim eu descobri o local secreto, onde a matrona esconde os tesouros e o artefato deixado pelas entidades.

Heitor e Climenides trocaram um olhar significativo. Provavelmente era o artefato que procuravam.

- Após a galeria há um túnel ainda mais estreito, que desce abruptamente por vários metros, desembocando em um enorme poço de águas cristalinas, pelo menos é isso que as notas que achei diziam. Tudo que temos que fazer é descer, mergulhando através do poço, saindo em uma galeria que nunca foi explorada, até onde sei que explorou foi aprisionado pelos goblins, mas conseguiu escapar por uma saída escondida, um túnel extenso que desemboca no lago. Ele morreu durante a perseguição, mas conseguiu esconder as pistas do seu achado.

- Como você descobriu tudo isso? – Heitor parecia bem surpreso com todas as informações que o velho tinha.

- Quem descobriu o caminho foi meu pai. Ele conseguiu esconder as pistas para mim antes dos goblins batedores o encontrar. As notas que ele deixou também eram um pouco difíceis de ler, escritas com sangue e pó de ossos. Demorei para entender e também gastei muito dinheiro com expedições para descobrir o local correto.

- Emocionante sua história, mas é bom seguirmos em frente. – Sareena parecia incomodada. – Estou com a perigosa sensação de estarem nos vigiando.

- Precisamos achar a abertura no solo o mais rápido possível. É mais um caminho estreito feito pelos Vermes de Rocha. O caminho é no chão mesmo.

A galeria estava escura, Azura acendeu uma tocha para ajudar na busca pela abertura. Não era mesmo um lugar muito grande, mas o calcário e o gotejamento constante de um liquido grosso que era bem provável conter detritos dos animais notívagos que passavam a noite ali, acumulava-se pelo no chão, dificultando a busca. Nas paredes da galeria varias outras entradas menores ainda, caminhos impossíveis para que um humano de tamanho normal conseguisse passar. Mas eles não evitaram que um grupo de goblins batedores se aproximasse. Provavelmente era um caminho que já estavam habituados a traçar.

Eles chegaram silenciosos, observando o movimento de cada um, como se os analisasse quem ali representava mais ou menos perigo para sua espécie. Foi exatamente isso que surpreendeu Lucos, que sempre conheceu aquelas criaturas como seres barulhentos e desorganizados. Ele não pode proteger e muito menos avisar Verno, que procurava a entrada com o rosto muito próximo de um dos buracos na parede. Só viu uma seta de osso atravessar o pescoço do garoto, que girou com o olhar espantado e desacreditado de quem morria sem saber o que estava acontecendo. Logo as risadas e gritos das criaturas ecoaram por entre os tuneis, juntamente com o barulho das suas armas enferrujadas.

O ataque a seguir foi desordenado, as criaturas não tinham mais que o tamanho de uma criança de seis anos, com a pele de um verde escuro e enrugado, como musgo seco, os olhos esbugalhados e insanos, brilhando em tons vermelhos a luz das tochas. Usavam tangas de tecidos velhos e apodrecidos e peças de armaduras aleatórias, amarradas pelo corpo, retirada dos aventureiros emboscados que conseguiam matar e saquear. As cabeças eram desproporcionais ao tamanho do corpo, sendo ora pequenas demais ou grandes demais, e a maioria tinha escassos e ralos cabelos esbranquiçados. Os dentes eram pontiagudos, serrilhados e protuberantes, transformando as mandíbulas em pequenas armas de cortar e rasgar. Alguns usavam armas velhas e enferrujadas, entre arcos pequenos e flechas de osso, adagas e pequenas espadas, a maioria usava porretes e alguns ainda atacavam com as garras pontudas e longas. O caos instalado chegaria a ser engraçado se não fosse o corpo morto de Verno, afogado em seu próprio sangue, a flecha atravessada na garganta.

Um dos goblins saltara do buraco com sua adaga em riste, um ataque mortal e suicida. Azura o interceptou antes que chegasse em seu destino, o arremessando de encontro a parede de pedra. A criatura morreu instantaneamente com o baque seco de seu crânio na rocha bruta. Vários outros seguiram seu caminho atacando cegamente os humanos presentes. Heitor por falta de espaço não podia usar sua lança, mas sua espada se movia como um relâmpago mortal, deixando goblins desmembrados por onde passava. Sareena se virava como podia com sua adaga, tentando se desvencilhar de um goblin preso em seu cabelo. A criatura tentava arranhar e morder enquanto também tentava soltar os pés presos no cabelo da garota. Climenides e Lucos procuravam o buraco no chão, enquanto mais e mais goblins saiam dos tuneis. Teve pouco tempo para quebrar a lama endurecida que cobria a abertura, antes de ser atingido por uma adaga quebrada de um atacante. Com um furioso chute, Azura mandou a criatura pelos ares.

A situação estava ficando fora de controle quando cada um saltou por entre o buraco. Heitor teve que abandonar sua lança e escudo para poder saltar. A quantidade de criaturas era muito maior do que imaginavam e o sentido de urgência em acabar com aquele ninho se tornou maior do que o simples desejo da recompensa.

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