“Abra os olhos e dê o primeiro passo.”
Helena se olhava no espelho constantemente, era mais que uma fascinação, era quase obsessão. Finalmente sorria ao ver que o que por tanto tempo esteve preso dentro de seu corpo pode por fim sair. Joana acolhera-a de braços abertos. Em nenhum momento demonstrou sinais de fraqueza ou insatisfação e isso enchia Helena de orgulho e amor à vida.
A aceitação pelos colegas de trabalho não era total, mesmo todos eles sendo educadores, a maioria era dotada de preconceitos e despida de conhecimento. Helena saía às ruas e notava diversos olhares. Alguns de inveja, outros de repúdio e ainda alguns de contemplação. Alguns se iniciavam em seu quadril e morriam em seu pescoço. Durante algum tempo, Helena se sentiu incomodada com aquela única parte do seu corpo. No entanto, não tinha como remov&e
“Abra as asas, você está pronta para voar.”As músicas altas faziam meu corpo se mover de maneira ritmada e inconsciente. As luzes piscantes me forçavam ver parcialmente todas as cenas à minha frente, fazendo-me entender que nada do que vemos e ouvimos está completo, que para tudo existem três pontos de vista; o meu, o seu e o certo. Os aromas doces me faziam desejar cada vez mais qualquer coisa que estivesse em minha mente. O cheiro dos corpos suados e esbarrões involuntários me faziam sentir-me viva, como nunca me senti antes.As baladas eram nossa segunda casa. Todos nossos amigos frequentavam, nos divertíamos e estávamos seguras ali. Visto que morávamos no país campeão em assassinatos de transexuais e travestis e para piorar a situação, na cidade campeã nesses mesmos quesitos dentro desse território nacional. Encontrar seu
“Feche os olhos e sinta o vento de minhas asas tocar a sua face.”É noite. Sinto o ar gélido arrepiar minha pele. A chuva cai molhando meu corpo deitado ao chão. Sinto as gotas tocarem minha pele e escorrerem por ela, procurando seu inexorável destino cíclico. Minha visão está turva, manchada de vermelho, mas ainda posso ver as luzes artificiais brilhando acima dos homens tentando enganá-los, dizendo que são estrelas, não caio mais nessa. Vejo além delas, as nuvens carregadas e escuras despejando sobre a Terra seu pranto desesperado, por todos os filhos perdidos e todo o mau recebido, por nossa culpa. Elas se afastam e então vejo luzes piscando de maneira lenta e fraca, são poucas, mas elas estão lá, estrelas vivas de verdade.As estrelas parecem estar ao alcance de minha mão erguida ao céu, mas quando fecho os dedos, nada posso se
Feche os olhos e ouça o clamor de sua alma.”Cada vez que minha pele sente o gélido toque da noite, simultaneamente minha mente é invadida por um tsunami de lembranças. Momentos passados, tão claros, tão vívidos que chegam a parecer com instantes pessoais e atuais. Mas de quem são essas memórias?Hélio estava curioso do porque tinha de urinar de pé enquanto sua mãe o fazia sentada. A explicação era categoricamente fria e vazia; porque você é menino. As perguntas giravam em sua mente o tempo todo, e as mais fortes e em maior constância eram: e se ele fosse menina, e o que tinha depois do céu? Obviamente as perguntas não estavam relacionadas, não ainda. Mas tanto fazia, pois, inexoravelmente suas questões ficariam sem respostas mesmo.Hélio nunca teve problemas em aceitar outras crianças em se
“Feche os olhos e ouça o mundo gritar e chorar ao seu redor.”As luzes azuis e vermelhas piscam freneticamente. Ouço sons agudos e distantes ecoando ao meu redor. Será possível que tamanha cacofonia me impedirá de mergulhar mais fundo nessas memórias? Não, penso que não. Essas luzes me lembram…O natal chegara depressa. Ao menos o primeiro de que Hélio se lembrava. Nenhum dos seus desejados presentes estava na sala quando despertou. A bicicleta vermelha, o tênis que pulava bem alto, a boneca Barbie, o boneco do Fofão e nem mesmo a marreta do Chapolin. Bastava um, mas nenhum estava lá. Ao invés desses havia um caminhão de madeira repleto de soldadinhos de plástico, um rádio à pilha e um revólver de espoleta. Fora o primeiro natal traumático daquela criança.Hélio possuía uma simpatia m
“Feche os olhos, e ouça minha voz, ela acalentará seu coração.”Hélio era filho de mãe solteira, diarista que dependia da ajuda da família para cuidar de seus filhos enquanto estava fora. Nada aborrecia mais o garoto do que ficar na casa da avó. Os motivos eram muitos. Ele não podia correr, espalhar brinquedos pela casa, brincar com o cãozinho do tio, fazer barulho, pois, atrapalhava a soneca vespertina da vó, nem assistir televisão por que gastava muita energia… Os dias na casa da avó eram tediosos e longos.Mas não era isso que o faziam não querer ir para lá. O tédio era suportável, as chineladas e pimentas na boca — quando escapava um palavrão — também. Os brinquedos que iam parar no lixo eram mais difíceis, mas ainda assim suportável.O que amedrontava o garoto era se
“Feche os olhos, não quero que me veja chorar.”O cheiro é muito forte. Gasolina em combustão, borracha queimada, e um odor ferroso se espalham no ar. Cheiros sempre trazem muitas recordações.Era próximo do dia das mães e a professora decidiu presentear a todas com um cisne em miniatura, de gesso, pintados pelos alunos. Cada um pintaria uma peça e entregaria para sua mãe no dia da festa.Os meninos pintavam o cisne de azul, branco, preto e até amarelo. Algumas meninas pintaram de vermelho, branco, e azul-claro. Hélio estava indeciso e perguntou à professora se podia pintar de qualquer cor. Ela disse que sim. Então ele misturou as tintas branca e vermelha, criando uma tonalidade de rosa, e pintou o cisne com essa cor. O cheiro daquelas tintas são tão fortes, por que liberam para o uso infantil, heim?Os meninos caçoavam dele
“Feche os olhos e sinta as nuvens se abrirem e do céu ecoar milhares de trombetas celestiais.”Uniformes azuis. São tão presentes em minha vida, talvez em todas as vidas. Eles se movem tão lentamente. Isso me lembra…O ginásio veio de repente. A escola era diferente de tudo o que Hélio tinha como habitual. Talvez essa seja uma das fases mais longas na vida dele, minha vida ou nossa vida. Muitas das experiências de vida foram adquiridas durante a adolescência. As dúvidas mais sombrias também apareceram nessa fase.Já de início Hélio percebeu que aquele lugar não seria legal. Ele não poderia se expressar como se sentia, não podia ser ele mesmo. Como ele percebeu isso? Bem, iniciando diálogos com os garotos, descobriu que as bandas de rock das quais ele gostava, os moleques julgavam que eram bandas para bichas. Depois, dis
“Abra os olhos, quero que me veja em todo meu esplendor.”A chuva está um pouco mais forte. As gotas estão geladas e já não são mais bem-vindas. O céu é constantemente iluminado por raios azuis. Mesmo sabendo que são, na verdade uma descarga elétrica mortal, ainda assim os acho maravilhosos. Talvez seja uma coisa de pessoas solitárias, olhar os céus nos dias de chuva.A chuva escorria pelos vidros do ônibus como se fossem lágrimas vistas do lado de dentro. Hélio retornava de uma excursão escolar. O parque visitado era maravilhoso, repleto de árvores raras, lagos e animais silvestres. Contrastando a vida, existiam as pistas de decolagem de aviões em miniatura e as quadras poliesportivas.Hélio decidiu tentar uma aproximação com alguns garotos. Eles o aceitaram no time de futsal, mas ele não levava j