31 de Outubro, 2005
Outubro finalmente acabou. Tenho a estranha sensação de que um ciclo longo e, ao mesmo tempo, efêmero chegou ao fim. Não que este seja o final com ação, o desfecho. Este é o fim premeditado – aquele que colocou o último ponto e encerrou definitivamente um período.
Acho que esta é a última vez que escrevo aqui, porque quero deixar algum registro da minha memória antes de abandonar de vez este caderno – não tem muito sentido continuar com este monte de páginas. Minhas folhas estão caindo, meu inverno está chegando e eu preciso estar pronta para a primavera que, brevemente, virá.
&
— Boa noite, meninas! O ar encheu-se com o doce Calvin Klein que entrou inesperadamente. As atendentes mais velhas, sorridentes, levantaram a cabeça, ansiosas para ver a jovial expressão do mais novo e simpático enfermeiro do hospital. Não que ele fosse o exemplo exímio da beleza grega ou do charme hollywoodiano, visto que não possuía nada de exuberante em sua aparência simples. Entretanto, a amabilidade que emanava e sua alegria quase surreal faziam-nas suspirar pelos corredores. — Boa noite, Adriano! — disseram em coro, amistosas, perdendo o mau-humor ocasionado por mais uma noite em plantão. O jovem sorriu e seguiu para a ala dos enfermeiros, pronto para pôr seu uniforme e cuid
Primeiro de outubro, 2004. Sinto-me tão nervosa que meus dedos tremem assim que toco a primeira tecla do piano. Venho treinando há dias, mas continuo a encontrar falhas. Chego a pensar que todos os anos de intenso aprendizado e esforço foram em vão, porém me lembro de que sou uma irredutível pessimista. Por isso, tento acreditar que esteja apenas exagerando, depreciando-me, como sempre faço. Tudo por culpa do meu intenso perfeccionismo e da minha eterna busca por melhorias. Não me sinto satisfeita enquanto não alcanço a perfeição.* Desceu as escadas apressado, desligado d
Doze de Outubro, 2004. Parece que meu trabalho como professora, mesmo que substituta, vem agradando. O professor e coordenador da área já está me chamando para vários outros eventos musicais da escola. Quer que eu faça parte do coral, servindo de apoio instrumental, além de acompanhar a banda do colégio em suas pequenas apresentações escolares. Ah, claro, no teclado – afinal, por razões óbvias, não há como levar um piano para todos os lugares. Creio que ele tenha conhecimento sobre minhas outras habilidades no ramo musical. Se não me engano, acho que deixei bem claro que também cantava e que estava aprendendo a tocar violão. Se não tiver dito, talvez tenha sido o melhor
12 de dezembro, 2004 Há tempos, não venho aqui para registrar minhas palavras soltas e esperanças ainda infalíveis. Novembro foi bem conturbado, o suficiente para me impedir de escrever em diários. Provas finais, encerramento letivo tanto na escola onde estudo quanto naquela em que trabalho temporariamente. Finalmente, sinto-me um pouco mais aliviada, podendo aproveitar, tranquila, as minhas férias merecidas e o meu diário esquecido. A formação tradicional da casa continua: eu, Quartzo, Tita, vovó e vovô. Na próxima semana, papai estará chegando para passar o Natal conosco, completando a nossa pequena e quase feliz família. Realizaremos uma minúscula reuniãozinha em comemoraç&a
19 de dezembro, 2004 Já posso escutar os galos cantando. A tonalidade do céu modifica calma e rapidamente, sem que meus olhos possam acompanhar essa mudança. Ainda me sinto acesa, elétrica por causa da noite passada. E, por não conseguir dormir, tento registrar os agradáveis momentos, almejando ser atingida pelo sono. O motivo para ter aceitado acompanhar Quartzo naquela saída era bem óbvio: música. Também porque há tempos não saía com meu irmão, acho que isso serviu para aproveitar o pouco tempo que ainda resta para nós dois. Mesmo sabendo que, provavelmente, ficaria um pouco deslocada – já que ele me trocaria pelos amigos, arrisquei. Acreditei que seria
Nunca pensou que seria assim. Sozinho no quarto olhava para a cama bagunçada e que ainda tinha o perfume dela, aquele aroma enjoativo do Carolina Herrera, misturado ao suor e aos fluidos corpóreos de ambos. Não sabia se havia sido um momento bom. Cecília não aparentou ter sentido dor, mas também não mostrou se havia gostado. Ele imaginou tudo que poderia ter passado na cabeça dela. Era vergonhoso lembrar que ainda era inexperiente, que aquela foi sua primeira vez. Sentia vergonha de si. Pegou o lençol e colocou-o sobre o corpo parcialmente nu. Desejava ficar apenas deitado, queria esquecer os momentos de outrora. Cerrou os olhos com força. Pensou que seria diferente, incrível, mágico. Mas, se realmente tivesse sido especial, ainda assim, ela teria sa&iacu
Foi a melhor solução que inventara. Diante da sala do auditório, pensava em como falar aquilo. Precisava das palavras certas, de um modo correto, um bom e convincente discurso. Conseguia escutar as vozes mistas do coral, a diferença dos tons, as pausas que aconteciam no vocal e no instrumental para as instruções e correções do professor. Não se incomodaria caso o ensaio daquele sábado perdurasse um pouco mais – precisava de tempo para organizar sua fala. Havia muitas coisas que gostaria de dizer a ela. Amaria falar o básico: comentar sobre seu cabelo, seus olhos, seu sorriso, o repuxado dos seus lábios, sobre seu tamanho pequeno e delicado, sobre como a sua voz o anestesiava. Adoraria informar que seria prazeroso passar horas ao seu lado
Não se importava em passar horas infindáveis em cima da cama, dedilhando, tocando, aprendendo. As apostilas estavam em cima da mesa, abandonadas. Chegou a folheá-las, porém não conseguiu se concentrar nelas – eram prisões em forma de papel, e havia coisas melhores para se fazer do outro lado. Não parava de tocar qualquer que fosse o momento, embora a música a qual reproduzisse não pertencesse ao seu estilo favorito e fosse um presente quase forçado. Por mais que não tivesse ânimo para se debruçar sobre aquela melodia, ela cheirava a Jade. — Até quando, Adriano, vai continuar assim? Olhou a mãe atordoado – odiava quando o pegava fora das atividad