Primeiro de outubro, 2004.
Sinto-me tão nervosa que meus dedos tremem assim que toco a primeira tecla do piano. Venho treinando há dias, mas continuo a encontrar falhas. Chego a pensar que todos os anos de intenso aprendizado e esforço foram em vão, porém me lembro de que sou uma irredutível pessimista. Por isso, tento acreditar que esteja apenas exagerando, depreciando-me, como sempre faço. Tudo por culpa do meu intenso perfeccionismo e da minha eterna busca por melhorias.
Não me sinto satisfeita enquanto não alcanço a perfeição.
*
Desceu as escadas apressado, desligado do mundo ao seu redor, imerso em vários pensamentos enquanto obedecia à ordem do professor. Não que estivesse empolgado com aquela aula multimídia, mas sentia-se bem com o fato de não ficar o tempo todo enfurnado na sala de aula tradicional. Gostava de dar aquelas pequenas saídas para realizar favores – toda oportunidade que aparecesse para ficar longe de um quadro branco era aproveitada.
Sorridente, perdia-se em vários devaneios durante o trajeto, supondo tudo o que poderia fazer no pequeno pedaço de horas que passaria ao lado da namorada naquela tarde – todo tempo era pouco quando estava perto de Cecília. Não olhava mais para o caminho que percorria, para a escadaria à sua frente ou para os alunos nos quais esbarrava. Pensava unicamente nela, nos beijos cálidos que o esperavam, na cintura discreta da moça e nos seus seios roliços. Porém, ao aproximar-se da portaria e da recepcionista, tentou voltar à realidade – não pretendia mostrar-se tão desatento.
Perguntou pela chave do auditório. Ele está ocupado – disse-lhe a recepcionista – mas você pode ir lá. O professor de música está apenas avaliando umas meninas, creio que ele não se negue em ceder o espaço. Já estava agendado, né? – Ele concordou, sorriu e agradeceu.
Subiu os degraus novamente, os passos lentos – não tinha pressa em voltar para a aula. O auditório possuía duas entradas: uma que dava direto ao palco e outra que permitia acesso pelo final da sala. Optou pela última – não estava com vontade ou coragem suficiente para interromper nada. A música tocada saía pelas brechas de portas e janelas. Deu rápidas batidas na porta, mas não fora atendido – o som era alto demais para que fosse escutado. Retraiu-se, seria um pouco desconfortável parar com aquele ensaio. Estalou os dedos antes de girar a maçaneta.
— Com licença — pediu, educado, ao entrar no auditório.
Contudo, continuou sem ser escutado. Seu chamado baixo não se propagou na intensidade necessária – a sala era extensa demais e outros sons mais altos calavam seus quase murmúrios. Além dele, havia três pessoas no auditório. A moça que cantava, a que tocava o piano e o professor que assistia à simples apresentação. Era a primeira vez que o jovem presenciava aquele tipo de atividade escolar – não era muito ligado aos eventos colegiais e, por isso, faltava a quase todos e não apresentava interesse em nenhum que não se referisse a esportes. Estava intrigado e curioso – queria ver até onde aquele ensaio iria. Sentir-se-ia mal caso o interrompesse bruscamente. O ímpeto de continuar ali e esperar pelo término o fez cruzar os braços sobre o peito, encostar em uma das paredes para contemplar a cena à frente, distante apenas por alguns metros e por várias fileiras de assentos velhos de madeira.
Estava bem ensaiado. A cantora tinha uma voz agradável, que causava arrepios quando atingia os tons mais altos. A pianista também não era desprovida de talento, aparentava ser extremamente boa no que fazia, transmitindo toda a sua emoção enquanto tocava, visível pelo modo como se debruçava sobre o piano, com os cabelos negros caindo em cascata sobre ombros e rosto. Além do mais, seus ágeis e velozes dedos deslizavam com destreza invejável e surpreendente sobre as teclas do instrumento, ressoando notas complexas no ambiente de acústica aceitável. Do professor, o rapaz enxergava apenas as costas, o que impedia um perfeito estudo das emoções do mestre naquele momento – mas, provavelmente, deveria estar como ele: estagnado.
A música lhe era desconhecida, não pertencia ao seu estilo favorito – preferia o barulho à delicadeza de um piano, gritos estridentes a uma voz suave –, contudo, estava encantado com a beleza dos instantes em que escutava a doce canção que saía do instrumento. Enfeitiçado o suficiente para conhecer uma tranquilidade inusitada, deixar sua mente livre de quaisquer pensamentos, vagar pelas notas que entravam com doçura por seus ouvidos, ousar fechar os olhos e permitir-se sonhar.
Permaneceu assim até o término da apresentação. Quando isso aconteceu, quis que seus devaneios não houvessem sido interrompidos – a volta para a realidade sempre era brusca demais.
Viu o professor se levantar, nenhum elogio feito. As duas moças se viraram em sua direção, porém a cantora não estava tão interessada nele quanto a pianista, visto que se retirou logo, sem dizer nenhuma palavra, após fazer um breve meneio com a cabeça – sinal de agradecimento? Ainda em transe, o rapaz observava com curiosidade intensa a conversa que começara a se desenvolver à sua frente. Sobre o que falavam? Àquela distância, não conseguia compreender nada.
Ainda tentou escutar e decifrar o diálogo a partir do estudo que fazia dos rostos do professor e da pianista, mas aquilo lhe parecia impossível. Ambos eram inexpressíveis, compenetrados no assunto que desenrolavam. Contudo, continuou insistindo. Seu íntimo curioso estava atiçado, clamando para descobrir as palavras trocadas em murmúrios inaudíveis. Ficou assim até lembrar-se de que ainda havia uma turma à sua espera e uma aula dependendo apenas daquele auditório. Piscou os olhos, afastando os pensamentos de instantes antes. Respirou fundo e pigarreou em uma tentativa de ser percebido pelas outras duas pessoas.
— Por favor!
Nada.
— Com licença!
Os olhares de ambos verteram o foco para a sua figura. Finalmente fora visto.
— Estamos precisando do auditório — pediu, educado, um pouco tímido.
— Ah, claro — o professor falou — Sinto muito pela demora, já estamos de saída.
Ele aquiesceu, sem jeito. Embora quisesse continuar ali e, de alguma maneira, entrar naquele assunto e participar da conversa, precisava ir. Todavia, antes que pudesse sair, olhou mais uma vez para a silhueta elegante da pianista, enquanto essa organizava seus pertences em uma bolsa de tons pastéis. Interessante.
*
Três de Outubro, 2004.
Ganhei ontem o melhor presente atrasado de aniversário de dezessete anos: o emprego temporário de professora de piano. Sei que não parece fazer muito sentido eu ter esta súbita vontade de me empregar antes de terminar o segundo ano do ensino médio, mas gosto de desafios. Quero provar se sou realmente boa, se tenho capacidade de surpreender não apenas os que me escutam, mas também a mim mesma. Foram anos de treino e dedicação constantes para que pudesse alcançar a perfeição. Sei que estou longe dela ainda, contudo continuarei me esforçando e me dedicando até que possa conquistá-la por completo.
A escola que me aceitou é boa. Não é muito grande, não tem tantos alunos como outros tantos colégios famosos, mas possui um suporte cultural muito bacana. Além de aulas de música (acrescento aqui: piano, teclado e violão), possui coral e, vez ou outra, faz um sarau literário, reunindo textos e desenhos de estudantes. A estrutura arquitetônica da escola é simples, porém agradável. Muitas árvores nos pátios e, lá, existe um jardim muito bonito, que sempre é bem cuidado. Fora isso, nada tenho a acrescentar. Gostei de lá, creio que será bastante prazeroso trabalhar em um ambiente tranquilo e bem organizado.
Se tudo der certo, estarei partindo no próximo ano – para realizar meus sonhos e ter, novamente, meu pai ao meu lado. Isso me entusiasma cada vez mais. Estou me empenhando para que saia tudo nos conformes, apostando todas as minhas fichas. Vou ter, também, acumulado um pequeno montante, mas o suficiente para suprir algumas poucas necessidades que passarei por lá. Por mais que eu tenha o suporte financeiro de papai, não quero depender inteiramente dele nesse quesito. Não pretendo dar muitas despesas.
Vovó não aceita essa partida, vovô já tenta se conformar, embora eu veja tristeza em seu olhar quando toco no assunto. Também não queria deixá-los, mas será preciso. Sei que lá terei mais chances de me tornar verdadeiramente conhecida, poderei respirar a música que já corre por minhas veias, aprofundar-me cada vez mais no assunto. Claro que, se estivesse ao meu alcance, levaria meus avôs comigo. Mas, infelizmente, certas renúncias precisam ser feitas quando você traça o seu destino. Minha família foi a renúncia da vez.
Por hoje, ficarei apenas nisso. Preciso me arrumar para ir ao colégio que me empregou – começarei daqui a pouco.
*
Costumava esperar, ansiosamente, Cecília sair do curso de inglês. Não se incomodava em passar uma hora e meia ali, sem fazer praticamente nada. Desenhava qualquer coisa nas folhas finais do caderno; às vezes, arriscava-se em escrever poesias românticas com tom de agressividade – influências notórias do grunge que não saía da sua lista musical –, ou então, apenas olhava para o nada. Só precisava estar lá e esperar calmamente por Cecília para que, finalmente, pudessem desfrutar um pouco da saudade carnal a qual compartilhavam.
Contudo, naquele dia, não estava com muita paciência. Havia acordado de péssimo humor.
Inquieto, não conseguia produzir nada bom o suficiente. Rabiscava e rabiscava; roía as unhas; batia o pé no chão; brincava com uma bola de tênis escondida em sua bolsa. Por ele, entraria na sala do curso, arrastaria Cecília, levá-la-ia à sua casa imediatamente e sanaria aquele mal que sentia – saudade. Mas não podia fazer isso e também, não tinha vontade suficiente para esperá-la. Talvez fosse embora, mandasse alguma mensagem de texto pelo celular, coisas do tipo. Só não queria ficar ali.
Decidido, levantou-se, a bolsa pendendo do ombro. Deu alguns passos, dirigindo-se à saída do corredor, passando pela biblioteca, pela sala de informática e pela sala de música. Então, nesse percurso, pôde escutar o doce piano, um som pausado, incerto, temeroso.
Retrocedeu os passos, instigado. A sala de música tinha suas portas abertas e ele, lenta e cuidadosamente, dirigiu-se para lá, esforçando-se para fazer o mínimo possível de barulho. Nunca entrara ali, desconhecia completamente a organização do lugar. Pôde ver que o corredor dividia-se em outros pequenos compartimentos, cada qual com seu respectivo instrumento. Porém, naquela hora, havia som e presença humana apenas no setor onde o piano estava. E, com o mesmo ritmo da caminhada anterior, dirigiu-se para aquela determinada divisão, espiando, de maneira sigilosa, pela porta aberta.
Sentado defronte ao instrumento, o menino. A blusa verde era frouxa, duas vezes maior que seu pequeno e franzino corpo. O cabelo curto e castanho estava partido de lado, devidamente organizado com o gel. Usava um perfume forte, exalado a longas distâncias. Parecia compenetrado na música que seus dedinhos ágeis tentavam tirar do piano, embora jogasse olhares furtivos e desconfiados para a mestra ao seu lado – um apelo silencioso para que ela o dissesse que não, não estava errando.
Em pé, de braços cruzados, a professora. Usava uma calça jeans; uma blusa de malha rosa claro e mangas fofas; os longos e negros cabelos, presos em um meio rabo de cavalo; sapatilhas negras; brincos pequenos e brilhantes em suas orelhas. Observava o aluno com uma expressão séria e doce – uma contradição que, em seu rosto, parecia não existir. Seus olhos pequenos estavam concentrados no pequeno pupilo, observando todas as suas ações. Quando este errava alguma nota, um sorriso tímido saía de seus lábios, prontamente seguido por uma explicação dita em sussurro.
Incrível.
A silhueta elegante dela era conhecida, algo em sua memória pulsou para tentar recordar onde vira tais feições. Piano, música, elegância, postura, canções, testes, professores... Teve um sobressalto ao se lembrar da moça. Eu a vira há alguns dias, tocando piano no auditório. Mesmo que estivesse a considerável distância, sua imagem ficou gravada, inconscientemente.
Só não tinha a noção da beleza que possuía aquela professorinha.
Por alguns instantes, ficou extasiado, encantado por ela. Esqueceu-se completamente de tudo: de Cecília, da sua volta para casa, do tédio, da impaciência. Hipnotizado, tinha seus olhos escuros fixos no preto quase surreal daquele cabelo longo e liso, na pele clara que reluzia à luz incidente, na maneira graciosa como se movimentava e como falava com seu aluno, no sorriso furtivo que surgia inesperadamente em seu rosto delicado e de traços elegantes. Não deveria ser muito mais velha que ele, mas, mesmo assim, possuía um jeito maduro, fazendo-a parecer várias vezes mais adulta. Uma criatura quase irreal. A primeira pessoa que o fizera sentir-se um nada, um total lixo.
Alguém inalcançável.
Por debaixo do tecido da calça, sentiu o celular vibrar. Ignorou, não estava com muita vontade de sair dali – precisava observar a cena um pouco mais, gravar mais detalhes da moça em sua memória. E, de tão anestesiado, deixou a bolsa escorregar e ir de encontro ao chão, um deslize que acabou com a emoção do momento.
Ela virou-se bruscamente para ele.
— Posso ajudar?
Sua voz era melodiosa, embora o timbre fosse grave e firme. A fisionomia, agora bem visível, era de uma perfeição indescritível, uma composição agradável, delicada. O nariz, pequeno, levemente arrebitado e os lábios finos, combinavam perfeitamente com o desenho oval de seu rosto. Entretanto, nada era mais atrativo do que aqueles olhos pequeninos, vivos, de um azul intenso.
— Só estava... Observando — suas palavras morreram na garganta. Pego desprevenido, não sabia exatamente o que falar.
A moça sorriu, educada.
— Se precisar de ajuda ou informação, estamos aqui — disse — E, caso se interesse pelas aulas, novos alunos são sempre bem vindos.
Ele aquiesceu, as faces ardendo. Não esperou muito para sair dali, o celular ainda vibrando em sua calça.
*
À tarde com Cecília fora quase completamente perdida, sem graça. Enquanto beijava a namorada e levava a mão ao seu corpo, procurando explorar, sem pudor, as curvas do seu físico feminino, era a imagem da outra que prevalecia em sua mente. Enquanto enxergava o sorriso de Cecília, visualizava apenas os olhos azuis com os quais se deparara momentos antes. Enquanto escutava a voz da menina, o timbre da professora ressoava em seus ouvidos, formando ecos ininterruptos. E, quando a vira ir embora, voltou ao passado, observando aquela moça virar-se e dar-lhe as costas, sem se preocupar com ele.
Pela noite, a cena continuou fixa em sua mente, perturbando o seu estudo, o seu sono, qualquer atividade que precisasse realizar. Sentindo-se sufocado, à beira da loucura, necessitou retratar em algum lugar a imagem que não saía dos seus pensamentos. Primeiro, porque não poderia esquecer – não sabia exatamente por qual razão, sabia apenas que tal fotografia deveria prevalecer em suas lembranças – e, depois, porque tinha ciência de que não iria ficar tranquilo se não fixasse suas expressões em algum lugar.
Pensando nisso, escreveu em uma folha de papel o singelo e estranho momento da tarde. Talvez se sentisse como Kurt Cobain, em seu clássico About a Girl:
I'm standing in your line
I do... hope you have the time
I do... pick a number two
I do... keep a date with you.[1]
1º de Outubro de 2013
— Boa tarde, meu querido!
A intensa luz que adentrou em seu quarto fez suas pálpebras arderem. Abrindo os olhos vagarosamente, a primeira coisa que enxergou foi a silhueta da mãe: os cabelos cacheados, castanho-claros, presos em um rabo de cavalo baixo; o corpo magro; os óculos quadriculados.
— Boa — respondeu, voltando parcialmente à realidade — Mas posso saber o que a senhora está fazendo aqui?
— Vim pegar umas das minhas revistas de cosméticos, daquelas que você levou para suas colegas do trabalho. Estou precisando delas, tenho amigas que estão querendo fazer pedidos. — a mãe olhou para o relógio no pulso — Quase uma da tarde. A noite ontem foi pesada?
— Ô! — respondeu, cogitando seriamente na possibilidade de voltar a dormir. O corpo estafado suplicava por mais algumas horas de descanso.
— Ué, o que isso está fazendo aqui?
Havia esquecido completamente a caixa largada no chão. Apressado, escondeu a foto que ainda repousava em sua mão debaixo do travesseiro, assim como o delicado colar entrelaçado em seus dedos – sabia o que iria acontecer caso a mãe percebesse o que estava recordando.
— Nostalgia — disse, levantando-se e entregando as revistas nas mãos da mãe rapidamente — Encontrei uma amiga antiga da escola no hospital e... Senti saudades.
Ela era mais do que uma simples amiga de colégio; do que uma daquelas pessoas cujos rostos ficam estampados em retratos da turma e os nomes, esquecidos. Lembrar a figura escondida pela escuridão noturna fez o seu coração pulsar com mais força. Achava, ainda, que teve apenas uma ilusão, que escutou o nome errado – ela não falou em um tom mais alto do que o de um sussurro. Parecia inacreditável – e incrível – demais.
— Ah, mas é sempre assim! — a mulher sorriu, pouco desconfiando daquilo que seu filho omitia — Eu, por exemplo, morro de saudade dos meus colegas de classe. Vez por outra, encontro um na rua — e, ignorando o fato relatado pelo filho, prosseguiu — Enfim, você vai querer almoçar o quê?
*
Foi um dia recheado por amargas recordações – embora, a maioria, de doces momentos. Passaram-se quase dez anos, mas o banco continuava no mesmo lugar, com o mesmo resquício da antiga pintura, registrando os mesmos momentos. Não importava o tempo, o que foi vivido permanecia marcado ali.
O cordão continuava enrolado em seus dedos, brincando com os nós. Havia esquecido como aquele aço reluzia à luz, como o pequeno pingente de folha dançava graciosamente ao balanço do vento. Ainda assim, nada era belo se não estivesse preso àquele pescoço, sobreposto ao colo onde tinha o costume de ficar. Fechou a mão, prendendo-o em sua palma. A foto prosseguia na outra, o sorriso que o encantara fixo no papel especial. Levantou-se do banco. Era dia de folga, tinha tempo livre, para pensar.
Suspirou, cansado. Seria uma longa tarde de recordações.
[1] Tradução livre: “Eu espero a sua ligação/ Eu espero... Espero que você tenha um tempo/ Eu espero... Pego o seu número também/ Eu espero... Tenho um encontro com você”
Doze de Outubro, 2004. Parece que meu trabalho como professora, mesmo que substituta, vem agradando. O professor e coordenador da área já está me chamando para vários outros eventos musicais da escola. Quer que eu faça parte do coral, servindo de apoio instrumental, além de acompanhar a banda do colégio em suas pequenas apresentações escolares. Ah, claro, no teclado – afinal, por razões óbvias, não há como levar um piano para todos os lugares. Creio que ele tenha conhecimento sobre minhas outras habilidades no ramo musical. Se não me engano, acho que deixei bem claro que também cantava e que estava aprendendo a tocar violão. Se não tiver dito, talvez tenha sido o melhor
12 de dezembro, 2004 Há tempos, não venho aqui para registrar minhas palavras soltas e esperanças ainda infalíveis. Novembro foi bem conturbado, o suficiente para me impedir de escrever em diários. Provas finais, encerramento letivo tanto na escola onde estudo quanto naquela em que trabalho temporariamente. Finalmente, sinto-me um pouco mais aliviada, podendo aproveitar, tranquila, as minhas férias merecidas e o meu diário esquecido. A formação tradicional da casa continua: eu, Quartzo, Tita, vovó e vovô. Na próxima semana, papai estará chegando para passar o Natal conosco, completando a nossa pequena e quase feliz família. Realizaremos uma minúscula reuniãozinha em comemoraç&a
19 de dezembro, 2004 Já posso escutar os galos cantando. A tonalidade do céu modifica calma e rapidamente, sem que meus olhos possam acompanhar essa mudança. Ainda me sinto acesa, elétrica por causa da noite passada. E, por não conseguir dormir, tento registrar os agradáveis momentos, almejando ser atingida pelo sono. O motivo para ter aceitado acompanhar Quartzo naquela saída era bem óbvio: música. Também porque há tempos não saía com meu irmão, acho que isso serviu para aproveitar o pouco tempo que ainda resta para nós dois. Mesmo sabendo que, provavelmente, ficaria um pouco deslocada – já que ele me trocaria pelos amigos, arrisquei. Acreditei que seria
Nunca pensou que seria assim. Sozinho no quarto olhava para a cama bagunçada e que ainda tinha o perfume dela, aquele aroma enjoativo do Carolina Herrera, misturado ao suor e aos fluidos corpóreos de ambos. Não sabia se havia sido um momento bom. Cecília não aparentou ter sentido dor, mas também não mostrou se havia gostado. Ele imaginou tudo que poderia ter passado na cabeça dela. Era vergonhoso lembrar que ainda era inexperiente, que aquela foi sua primeira vez. Sentia vergonha de si. Pegou o lençol e colocou-o sobre o corpo parcialmente nu. Desejava ficar apenas deitado, queria esquecer os momentos de outrora. Cerrou os olhos com força. Pensou que seria diferente, incrível, mágico. Mas, se realmente tivesse sido especial, ainda assim, ela teria sa&iacu
Foi a melhor solução que inventara. Diante da sala do auditório, pensava em como falar aquilo. Precisava das palavras certas, de um modo correto, um bom e convincente discurso. Conseguia escutar as vozes mistas do coral, a diferença dos tons, as pausas que aconteciam no vocal e no instrumental para as instruções e correções do professor. Não se incomodaria caso o ensaio daquele sábado perdurasse um pouco mais – precisava de tempo para organizar sua fala. Havia muitas coisas que gostaria de dizer a ela. Amaria falar o básico: comentar sobre seu cabelo, seus olhos, seu sorriso, o repuxado dos seus lábios, sobre seu tamanho pequeno e delicado, sobre como a sua voz o anestesiava. Adoraria informar que seria prazeroso passar horas ao seu lado
Não se importava em passar horas infindáveis em cima da cama, dedilhando, tocando, aprendendo. As apostilas estavam em cima da mesa, abandonadas. Chegou a folheá-las, porém não conseguiu se concentrar nelas – eram prisões em forma de papel, e havia coisas melhores para se fazer do outro lado. Não parava de tocar qualquer que fosse o momento, embora a música a qual reproduzisse não pertencesse ao seu estilo favorito e fosse um presente quase forçado. Por mais que não tivesse ânimo para se debruçar sobre aquela melodia, ela cheirava a Jade. — Até quando, Adriano, vai continuar assim? Olhou a mãe atordoado – odiava quando o pegava fora das atividad
17 de março, 2005. Nunca vi Fergus tão empenhado. Não que eu esteja sendo radical ao afirmar isso, mas, quando ensaiávamos unicamente para a apresentação do aniversário de Cecília, não costumava vê-lo entusiasmado. Desafinava muito, não prestava atenção às minhas explicações, demorava a pegar meus ensinamentos. Agora, porém, após a minha pertinente proposta, a situação modificou em todos os aspectos – esforça-se como nunca e mostra um potencial que vivia a esconder. Sei que esse não é seu estilo musical favorito, ele sempre me afirmou isso. Conhe&cc
— Deveria ter me ligado avisando que viria. Ninguém lá te viu, onde você estava? Ambos comiam em uma lanchonete que ficava a poucos metros do colégio de Jade. A comida não era ruim, porém Cecília não parecia apreciar o sanduíche que degustava. Seu rosto estava sério e ela pronunciava poucas palavras – sinal visível de nojo e raiva. — Quis fazer surpresa — respondeu, sem encará-lo. Seus olhos visualizavam unicamente o abominável sanduíche em cima da mesa. — E não vi os seus amigos por lá também. — Gostou da apresentação, pelo menos? — por mais que percebesse a indiferença de Cecíli