— Tenho um convite a te fazer.
Ela apenas virou os olhos, mantendo o rosto ainda voltado para o papel que estava sobreposto à mesa, a posição imutável. Olhou-o de relance e voltou a focar os problemas matemáticos que resolvia na folha antes branca.
— Faça — disse, sem encará-lo novamente.
Fergus respirou fundo.
— Quer ir comigo a um rock bar? Vai ser a apresentação de um amigo meu e...
Sua frase foi prontamente interrompida por um risinho sarcástico provindo dela. Olhou-a com cenho franzido, sem compreender o porquê da ri
29 de maio, 2005 Se culpa matasse, eu estaria morta. Não digo de arrependimento, porque não me arrependo do que fiz. Não sou de me arrepender e tampouco serei. Mas me sinto culpada, e isso dói muito. Sim, culpada por não ter respeitado a minha casa, os meus avós e minha irmã. Culpada por ter apressado tanto os passos, por não ter esperado todo o tempo que deveria. Culpada por estar intensificando a minha relação com Fergus e isso tornar cada vez mais difícil a minha partida. Não serei hipócrita em dizer que não valeu a pena nenhum segundo vivido naquele sofá. Por mim, repetiria todos os instantes da madrugada
01 de julho, 2005 Não sei de onde arranquei forças para conseguir escrever hoje neste diário. Não sei nem como estou conseguindo segurar a caneta. Meus dedos tremem tanto que, tudo que for aqui registrado, ficará de maneira ilegível – o que poderá ser considerado bom. As desconfianças apenas aumentaram com o decorrer do tempo. A menstruação não descia mais, os sangramentos que surgiram foram abruptamente interrompidos, sem razão nenhuma para ter ocorrido. As dores de cabeça se intensificavam, o cansaço se unia a enjoos e azias insuportáveis. Meus hormônios inteiros estavam em completa avalanche e só existia apenas uma resposta para aquele completo descontrole metabó
01 de agosto, 2005 Mais do que nunca, tive a certeza de que estou no caminho em que deveria estar. Vi que não valeria a pena largar a minha vida, todos os meus planos tão cuidadosamente pensados por um sentimento que não deveria existir. Fergus está bem. Fui hoje à escola unicamente para conversar com ele, ser bem franca e não tentar mais fugir – era mais do que justo deixá-lo a par dos fatos, minha consciência talvez não pesasse tanto depois. Por mais que a sua opinião não interferisse na minha decisão, avisá-lo seria correto. E então eu o vi. Vi e preferi não ter visto, mas sei que foi o melhor que pod
Para ele, é como se o mundo tivesse perdido uma fonte de energia. Não gostava de exageros românticos ou de histórias ao estilo Romeu e Julieta, mas não conseguia sentir-se melhor, mais animado, entusiasmado com qualquer coisa. Jade havia levado consigo grande parte dele, deixando um vazio que não seria preenchido tão cedo. Nunca pôde imaginar que se apaixonaria por alguém daquele modo, que pudesse amar naquela intensidade. Achava que o que nutrira por Cecília era forte. Só então, percebeu como estava enganado. Passou a mão pelos cabelos desgrenhados e longos. A falta de notícias dela o arrasava. Estava aflito com a saúde física e mental de Jade. A cena que vira na última vez em que estiveram juntos não cons
Ele largou a lapiseira subitamente quando a campainha tocou. Era dezesseis de setembro, e a mãe conseguiu um dia de folga – estava em casa, no quarto, descansando o almoço que fizera especialmente para os dois. Por aquele mesmo motivo, pouparia Rosália da aparentemente complicada tarefa de atender o visitante. Abriu a porta. — Adriano? Adriano Fergus? O susto de ver aquele rapaz parado à sua frente o impediu de responder à pergunta. Não estava atordoado apenas por Quartzo ter ido à sua casa – sabia Deus o que ele queria –, mas por ver o estado decadente que seu rosto mostrava – olheiras fundas, face molhada, magreza. Não era um bom sinal. 
Hoje é o aniversário dela. As vozes na sala pareciam distante demais para que seus ouvidos captassem o som com perfeição. Seus olhos vagueavam por pontos imperceptíveis do ambiente, como os cadarços desamarrados de Rita, ou a mochila aberta de Eduardo. Seus pensamentos, contudo, estavam fixos na única imagem que, por infindáveis semanas, não abandonava a sua mente. Hoje é o aniversário dela e eu não poderei comemorar. E se tudo tivesse ocorrido de maneira diferente? E se não tivesse sido comandado pelo seu instinto naquela noite? Se tivesse controlado os seus desejos, se tivesse apenas lhe dado um beijo de boa noite e houvesse saído em seguida?
31 de Outubro, 2005 Outubro finalmente acabou. Tenho a estranha sensação de que um ciclo longo e, ao mesmo tempo, efêmero chegou ao fim. Não que este seja o final com ação, o desfecho. Este é o fim premeditado – aquele que colocou o último ponto e encerrou definitivamente um período. Acho que esta é a última vez que escrevo aqui, porque quero deixar algum registro da minha memória antes de abandonar de vez este caderno – não tem muito sentido continuar com este monte de páginas. Minhas folhas estão caindo, meu inverno está chegando e eu preciso estar pronta para a primavera que, brevemente, virá.&
— Boa noite, meninas! O ar encheu-se com o doce Calvin Klein que entrou inesperadamente. As atendentes mais velhas, sorridentes, levantaram a cabeça, ansiosas para ver a jovial expressão do mais novo e simpático enfermeiro do hospital. Não que ele fosse o exemplo exímio da beleza grega ou do charme hollywoodiano, visto que não possuía nada de exuberante em sua aparência simples. Entretanto, a amabilidade que emanava e sua alegria quase surreal faziam-nas suspirar pelos corredores. — Boa noite, Adriano! — disseram em coro, amistosas, perdendo o mau-humor ocasionado por mais uma noite em plantão. O jovem sorriu e seguiu para a ala dos enfermeiros, pronto para pôr seu uniforme e cuid