17 de março, 2005.
Nunca vi Fergus tão empenhado.
Não que eu esteja sendo radical ao afirmar isso, mas, quando ensaiávamos unicamente para a apresentação do aniversário de Cecília, não costumava vê-lo entusiasmado. Desafinava muito, não prestava atenção às minhas explicações, demorava a pegar meus ensinamentos. Agora, porém, após a minha pertinente proposta, a situação modificou em todos os aspectos – esforça-se como nunca e mostra um potencial que vivia a esconder.
Sei que esse não é seu estilo musical favorito, ele sempre me afirmou isso. Conhe&cc
— Deveria ter me ligado avisando que viria. Ninguém lá te viu, onde você estava? Ambos comiam em uma lanchonete que ficava a poucos metros do colégio de Jade. A comida não era ruim, porém Cecília não parecia apreciar o sanduíche que degustava. Seu rosto estava sério e ela pronunciava poucas palavras – sinal visível de nojo e raiva. — Quis fazer surpresa — respondeu, sem encará-lo. Seus olhos visualizavam unicamente o abominável sanduíche em cima da mesa. — E não vi os seus amigos por lá também. — Gostou da apresentação, pelo menos? — por mais que percebesse a indiferença de Cecíli
Era como se parte do brilho que havia obtido naqueles curtos meses tivesse apagado. Quase não se falavam mais. Às vezes, ele ligava para tentar esclarecer algumas dúvidas que ainda tinha quanto à música, ensaiavam por telefone e o contato terminava ali. Ela não se comunicava, não queria conversas, almejava a distância. Ele não poderia contestar, até compreendia as razões dela – talvez fizesse o mesmo. Porém, não aguentava obedecer àquelas regras – sempre encontrava meios para burlá-las. Silenciosa e indiretamente, ela havia dito para ele seguir a sua vida como era. Dar atenção à namorada; falar um “eu te amo” de vez em quando – voltar a ter os mesmos hábitos que, algum dia, tive
— Vai ou não vai falar sobre a Jade? Fergus tomou mais um gole da cerveja. Naquele estágio, o melhor que poderia fazer era beber. — Falar o quê? — perguntou mal humorado. — Você sabe muito bem que ela está aqui porque... — Não estou falando sobre o motivo pelo qual ela está aqui. Quero saber o que você sente por ela. Porque eu não sou idiota, Fergus, e sei que você está pondo um fim nessa sua relação com a Cecília principalmente por causa da Jade. E não se faça de desentendido, por favor. Fergus voltou o olhar para o amigo. Embora seu cabelo, àquela
17 de abril, 2005 Se eu pudesse, enfiava uma faca na minha garganta. Não, definitivamente eu não faria isso. Não tenho coragem (e nem vontade) suficiente para tirar a minha própria vida. Mas sinto mal estares severos quando penso na encrenca em que me meti, quando lembro a loucura que cometi na noite passada ou quando penso no caminho que, inconscientemente, tracei para mim. Não posso mentir, foi bom. Foi bom ser envolvida nos braços dele, sentir seu corpo transferindo calor para o meu, que estava gélido e trêmulo. Foi bom senti-lo tão perto, saber que não havia distância entre nós. E foi uma sensação dos céus
— Jantar? Ele aquiesceu. — Na casa da Jade? Novamente, mais uma afirmação. — Filho da mãe...! Edgar deu um soco fraco no braço de Fergus. O outro riu. — Achei que você fosse desaprovar — comentou Fergus. — Por você estar com ela após uma semana do término com a Cecília? — Pelo menos, a Flor brigou com
7 de maio, 2005 Entra o dia e eu prossigo acordada, sem conseguir sentir nenhuma pontada de sono, embora meu corpo já demonstre os efeitos de uma estafa medonha. Meus pensamentos estão longe, não consigo manter a minha concentração em muita coisa. Acho que, por isso, a insônia me atormenta – no fundo, penso que não quero dormir de fato. Tenho a plena consciência de que criei um grande problema para mim. Não apenas isso, mas assinei um contrato cruel com a dor. Não sei definir exatamente o que sinto por Fergus, só posso afirmar que é algo intenso, que ocupa grande parte do meu peito. Estar perto dele me trás felicidade, abraçá-lo e sentir-me protegida em seus braços me completa. E
— Tenho um convite a te fazer. Ela apenas virou os olhos, mantendo o rosto ainda voltado para o papel que estava sobreposto à mesa, a posição imutável. Olhou-o de relance e voltou a focar os problemas matemáticos que resolvia na folha antes branca. — Faça — disse, sem encará-lo novamente. Fergus respirou fundo. — Quer ir comigo a um rock bar? Vai ser a apresentação de um amigo meu e... Sua frase foi prontamente interrompida por um risinho sarcástico provindo dela. Olhou-a com cenho franzido, sem compreender o porquê da ri
29 de maio, 2005 Se culpa matasse, eu estaria morta. Não digo de arrependimento, porque não me arrependo do que fiz. Não sou de me arrepender e tampouco serei. Mas me sinto culpada, e isso dói muito. Sim, culpada por não ter respeitado a minha casa, os meus avós e minha irmã. Culpada por ter apressado tanto os passos, por não ter esperado todo o tempo que deveria. Culpada por estar intensificando a minha relação com Fergus e isso tornar cada vez mais difícil a minha partida. Não serei hipócrita em dizer que não valeu a pena nenhum segundo vivido naquele sofá. Por mim, repetiria todos os instantes da madrugada