Capítulo: 9
Uma Decisão Dolorosa O pôr do sol tingia o céu de tons alaranjados quando Rosa e Joaquim finalmente puderam sentar-se no pequeno banco de madeira na varanda de casa. A brisa suave soprava entre as árvores, trazendo consigo o aroma da terra úmida e o som distante dos grilos. Rosa segurava um pano entre os dedos, torcendo-o de maneira nervosa. Joaquim, sentado ao seu lado, olhava para o horizonte, com os ombros caídos e o semblante carregado de preocupação. — Joaquim... — começou Rosa, com a voz baixa, quase um sussurro. — Eu não me sinto em paz com isso. Meu coração... ele está apertado, como se algo estivesse errado. Joaquim suspirou, passando a mão pelo rosto cansado. — Rosa, minha querida... Eu entendo você. A Ariadne é nossa menina, nosso bem mais precioso. Mas olha ao nosso redor. Essa terra mal tem nos dado o suficiente para comer, quem dirá para dar um futuro para Helena e João. Ele fez uma pausa, olhando diretamente nos olhos marejados da esposa. — Nós temos dois filhos pequenos ainda, Rosa. E você sabe... eu não estou conseguindo dar uma vida digna para eles. O pouco que a gente tem é fruto do seu esforço e do meu trabalho que mal dá pra manter o básico. Será que não seria uma boa ideia deixar Ariadne ir? Ela é forte, determinada. Talvez, lá fora, ela consiga ganhar algum dinheiro... e nos ajudar aqui. Rosa abaixou a cabeça, deixando as lágrimas caírem silenciosamente sobre o pano que segurava. — Eu sei que você tem razão, Joaquim. Mas como posso mandar minha filha para longe assim? E se algo acontecer com ela? E se ela sofrer? Joaquim passou o braço ao redor dos ombros de Rosa, tentando consolá-la. — Vamos confiar em Deus, minha querida. Precisamos ter fé de que tudo vai dar certo. Foi então que Ariadne, que estava ouvindo a conversa próxima à porta, aproximou-se devagar. Seus cabelos brancos reluziam sob a luz suave do entardecer, formando um contraste delicado com seus olhos grandes e brilhantes. Ela carregava um sorriso caloroso, apesar de ter ouvido cada palavra trocada pelos pais. — Boa ideia, pai! — disse ela com entusiasmo, interrompendo o silêncio pesado. Rosa olhou surpresa para a filha, enquanto Joaquim a encarava com ternura. — Se essa é uma oportunidade para ajudar vocês, então vamos fazer isso. Quando aquela mulher voltar aqui, conversem com ela. Perguntem se ela pode me pagar um salário por trabalhar na casa dela. Assim, além de ajudar nas tarefas, eu ainda faço companhia para ela quando ela se sentir sozinha. Rosa levou a mão ao rosto, emocionada com a maturidade da filha. Joaquim assentiu com firmeza. — Pronto, minha filha. Vamos conversar com eles dessa maneira. Se ela aceitar, então você irá com nossa bênção. Os três se abraçaram ali, no silêncio da varanda, com o coração dividido entre esperança e medo. O destino já começava a traçar novos caminhos para Ariadne, ainda que ela não pudesse ver aonde eles a levariam. Dois dias depois... A charrete elegante de Eduardo e Clarissa parou novamente na entrada da casa simples de Joaquim e Rosa. O sol já estava alto no céu, e as aves cantavam sobre os telhados. Clarissa desceu primeiro, vestida com um longo vestido bege e carregando um pequeno sorriso no rosto. Eduardo seguiu logo atrás, parecendo indiferente, mas educado. Joaquim e Rosa esperavam no portão, com Ariadne de pé entre eles, seus cabelos brancos soltos ao vento. — Bom dia, Rosa, Joaquim! — cumprimentou Clarissa com simpatia. — E bom dia para você também, querida Ariadne. — Bom dia, senhora Clarissa — respondeu Joaquim, tentando manter a voz firme. Depois de algumas palavras de cordialidade, Joaquim respirou fundo e tomou coragem para falar. — Senhora Clarissa, eu e minha esposa pensamos muito sobre sua proposta. E decidimos aceitar, mas com uma condição. Clarissa arqueou as sobrancelhas, surpresa, mas manteve o sorriso. — Claro, Joaquim. Digam-me, qual é a condição? — Nós não queremos que nossa filha vá apenas como companhia ou para ser criada como filha. Sabemos que a senhora é uma boa mulher, mas queremos garantir que ela tenha algo seu, algo que possa nos ajudar aqui também. Ele fez uma pausa, apertando a mão de Rosa. — Se a senhora aceitar pagar um salário para Ariadne, por seu trabalho e companhia, então concordaremos em deixá-la ir. Assim, ela poderá ajudar a senhora, mas também poderá ajudar a família dela aqui no Brasil. Clarissa sorriu abertamente, parecendo genuinamente feliz com a proposta. — Joaquim, Rosa, eu entendo perfeitamente. Na verdade, essa sempre foi a minha intenção. Eu nunca quis levar sua filha apenas para trabalhar. Eu quero que ela tenha oportunidades, que ela cresça, estude, aprenda uma profissão. E, se vocês acharem justo que eu pague por seu trabalho, então assim será. Ela se virou para Ariadne, segurando suas mãos delicadas entre as suas. — Ariadne, querida, comece a preparar suas coisas. Em dois dias, partiremos para os Estados Unidos, para Orlando. Lá, você aprenderá inglês, estudará, terá roupas bonitas, um quarto só seu, e vai ganhar em dólar. E, quem sabe, poderá voltar aqui um dia e ajudar sua família a ter uma vida melhor. Os olhos de Rosa se encheram de lágrimas, mas ela assentiu em silêncio. Joaquim respirou fundo, aliviado, enquanto Ariadne, com um sorriso tímido, olhou para seus pais e acenou positivamente. — Vou me preparar, senhora Clarissa. Obrigada pela oportunidade. Clarissa sorriu satisfeita, e Eduardo apenas assentiu, observando tudo com um olhar neutro. Quando a charrete partiu de volta para a fazenda de Antônio, Rosa abraçou Ariadne com força. — Minha filha... Que Deus te proteja. O destino havia aberto uma porta para Ariadne, mas ninguém sabia que, do outro lado, esperava um mundo muito diferente daquele que ela conhecia.Capítulo 10: Um Novo Mundo, Um Novo DestinoA manhã estava coberta por uma fina neblina quando Ariadne terminou de arrumar sua pequena mala. Dentro dela, cabiam poucas roupas simples, uma fotografia da família e um lenço bordado à mão por Rosa. Seus cabelos brancos, sempre um reflexo de sua fragilidade física, estavam presos em uma trança delicada que sua mãe havia feito naquela madrugada.Do lado de fora da casa, Joaquim e Rosa estavam parados, com os olhos marejados, segurando as mãos um do outro. Helena e João, seus irmãos, abraçavam Ariadne com força, como se o gesto pudesse impedir sua partida.— Minha filha, — disse Rosa, com a voz trêmula. — Cuide-se. Seja forte. E nunca, nunca se esqueça de quem você é.— Vou deixar vocês orgulhosos, mãe. Prometo. — respondeu Ariadne, com lágrimas nos olhos, mas com um sorriso suave nos lábios.Joaquim aproximou-se e colocou uma pequena correntinha de prata no pescoço da filha.— Essa corrente era da minha mãe. Ela sempre dizia que trazia pr
Capítulo 11: As Sombras da Casa GrandeO relógio marcava 4h45 da manhã quando Eduardo levantou-se suavemente da cama, para não acordar Clarissa. Vestiu-se com cuidado, ajeitou a gravata diante do espelho e saiu do quarto com passos leves. A rotina era sempre a mesma: antes de sair para o trabalho, ele passava no quarto de Ariadne.A porta rangeu baixinho quando ele entrou no pequeno cômodo onde a jovem dormia profundamente. Seus cabelos brancos estavam espalhados sobre o travesseiro, iluminados pela luz tímida do abajur. Eduardo aproximou-se devagar, tocou suavemente sua testa com os lábios e sussurrou:— Tenha um bom dia, minha filha. Fique com Deus.Ariadne abriu os olhos por um instante, sorrindo suavemente antes de voltar a fechar.Eduardo saiu, fechando a porta com cuidado, e deixou a casa. Assim que o som da porta da frente batendo ecoou pela casa, o silêncio foi cortado bruscamente pelo barulho de outro quarto se abrindo. Clarissa surgiu no corredor, vestida com um robe de sed
Capítulo 12: O Fim da IlusãoO sol de sábado de manhã entrava pelas cortinas brancas do quarto do casal. O relógio marcava 8h, e Eduardo se espreguiçou com calma, aproveitando o raro privilégio de dormir até mais tarde. Ao seu lado, Clarissa ainda parecia dormir, mas seu rosto estava virado para o outro lado, os olhos fechados com força.Eduardo inclinou-se para beijar o rosto da esposa, sorrindo suavemente.— Bom dia, amor. Vamos levantar? Hoje é sábado.Clarissa abriu os olhos lentamente, esticando os braços com um sorriso forçado.— Hum... adoro quando você me acorda assim. O que nós vamos fazer hoje, meu bem? — perguntou ela, com a voz doce e olhar brilhante.Eduardo levantou-se e começou a vestir uma roupa mais leve, visivelmente animado.— Pensei em algo diferente hoje. Vamos sair todos juntos! Primeiro, um piquenique no parque. Depois, podemos ir ao cinema. E, mais tarde, podemos dar uma volta na roda-gigante. O que acha?O sorriso de Clarissa congelou no rosto. Sua expressão
Capítulo 13: Mentiras e Manipulação O cheiro de café fresco preenchia a cozinha enquanto Eduardo terminava seu café da manhã calmamente, revisando algumas mensagens no celular. Clarissa, sentada à sua frente, mexia distraidamente na xícara com a colher, seus olhos fixos em algum ponto distante.— Amor… — começou ela, com a voz doce, mas carregada de falsa preocupação. — Acho que Ariadne não está bem. Ela estava pálida hoje cedo, parecia desconfortável. Acho que está com cólica ou talvez vai menstruar pela primeira vez.Eduardo levantou os olhos, franzindo a testa com preocupação.— Sério, Clarissa? Coitada da menina… Quer que eu vá falar com ela? Talvez eu possa perguntar se ela precisa de algo.— Não, não! — interrompeu Clarissa apressadamente, colocando a mão sobre a de Eduardo. — Isso é coisa de mulher, amor. Deixa que eu cuido dela. Só… faz um favor para mim? Pode ir até a farmácia comprar absorventes e remédio para cólica? Por favor?Eduardo assentiu rapidamente.— Claro, amor.
Capítulo 14: O Dia Mais Triste da Minha VidaA noite estava calma na casa de Eduardo e Clarissa. O relógio marcava 11 horas no Brasil, algo em torno das 21 horas nos Estados Unidos. O telefone tocou, ecoando pelo silêncio. Eduardo atendeu ao ver o nome de Antônio na tela.— Boa noite, Antônio! Tudo bem por aí? — perguntou Eduardo, tentando soar animado.— Boa noite, Eduardo! Como estão as coisas? E nossa querida Ariadne, como está se saindo?Eduardo hesitou por um momento. Ele sabia que Ariadne não estava bem, que não conhecia nada da cidade e que sua rotina estava longe de ser feliz. Mas ele não queria preocupar Antônio nem a família dela.— Ela está bem, Antônio. Está se adaptando, já conhece algumas partes da cidade e começou a aprender inglês. Ela é uma menina esforçada.Antônio sorriu do outro lado da linha.— Fico muito feliz em ouvir isso. Joaquim e Rosa vão ficar mais tranquilos quando souberem. E, aliás, liguei por outro motivo: amanhã é o aniversário de Ariadne. Nós queríam
Capítulo 15: Sobrevivendo às SombrasAs luzes brilhantes de Orlando nunca pareceram tão frias quanto nas últimas oito semanas para Ariadne. Aos 16 anos, a jovem caminhava pelas ruas, arrastando os pés descalços e carregando apenas uma pequena sacola com algumas roupas desgastadas. Seus cabelos brancos, que já chamavam atenção antes, agora estavam sujos e embaraçados, destacando ainda mais sua figura frágil e abatida.Os primeiros dias foram os mais difíceis. Ariadne procurava restos de comida em lixeiras atrás de restaurantes, enfrentando o olhar de desprezo das pessoas que cruzavam seu caminho. Quando a fome apertava demais, ela tentava pedir esmolas, mas poucos paravam para ouvi-la. O frio das madrugadas castigava seu corpo fraco, obrigando-a a se encolher sob caixas de papelão ou procurar abrigo em becos sujos e úmidos.— Por favor… só um pedaço de pão… — murmurava ela, com a voz quase sumindo, enquanto estendia a mão para desconhecidos que passavam apressados.A noite era o pior
Capítulo 16:A Chuva e a MúsicaMarcos assentiu. Ele caminhou até a recepção, preencheu os formulários com informações básicas e, com um último olhar preocupado em direção à ala de emergência, saiu do hospital com Amélia.Horas depois, Ariadne acordou em um quarto pequeno, mas limpo. Ela estava deitada em uma cama macia, com um soro ligado em seu braço. Uma enfermeira loira entrou no quarto, com um sorriso caloroso.— Hello, sweetheart. Are you feeling better?Ariadne franziu o cenho, tentando entender o que a mulher dizia. Ela não falava inglês. A enfermeira percebeu a confusão no rosto dela.— Oh… You don’t understand, do you? Wait here, okay?A mulher saiu e voltou alguns minutos depois com outra enfermeira, esta de cabelos castanhos e pele morena. Ao abrir a porta, a nova enfermeira sorriu suavemente.— Oi, querida. Você fala português?Os olhos de Ariadne se encheram de lágrimas. Finalmente, alguém que a entendia.— Sim… sim, eu falo.— Meu nome é Luciana, sou brasileira. Como vo
Capítulo 18 A Primeira ConversaO sol ainda nem havia surgido no horizonte quando Madame Estela caminhou pelos corredores silenciosos da boate. Eram cinco horas da manhã e o ambiente cheirava a perfume adocicado, fumaça de cigarro e o eco distante da música que havia silenciado há pouco tempo. Vestida em seu robe de seda azul, com os cabelos loiros presos em um coque impecável, Madame Estela parou diante da porta do pequeno quarto onde Ariadne dormia.Ela bateu três vezes com firmeza.— Mocinha, vamos conversar.A voz era calma, mas carregava uma autoridade que dispensava repetições. Ariadne acordou sobressaltada, os olhos castanhos arregalados no escuro. Vestida com uma camisola simples e descalça, ela correu até a porta, abrindo-a com as mãos trêmulas.— Bom dia, Madame Estela. — A voz dela saiu quase em um sussurro.— Sente-se. — ordenou Madame Estela, já se dirigindo até sua cadeira de madeira entalhada com estofado bordô.Ariadne se sentou à sua frente em uma cadeira simples. Se