Capítulo 10:
Um Novo Mundo, Um Novo Destino A manhã estava coberta por uma fina neblina quando Ariadne terminou de arrumar sua pequena mala. Dentro dela, cabiam poucas roupas simples, uma fotografia da família e um lenço bordado à mão por Rosa. Seus cabelos brancos, sempre um reflexo de sua fragilidade física, estavam presos em uma trança delicada que sua mãe havia feito naquela madrugada. Do lado de fora da casa, Joaquim e Rosa estavam parados, com os olhos marejados, segurando as mãos um do outro. Helena e João, seus irmãos, abraçavam Ariadne com força, como se o gesto pudesse impedir sua partida. — Minha filha, — disse Rosa, com a voz trêmula. — Cuide-se. Seja forte. E nunca, nunca se esqueça de quem você é. — Vou deixar vocês orgulhosos, mãe. Prometo. — respondeu Ariadne, com lágrimas nos olhos, mas com um sorriso suave nos lábios. Joaquim aproximou-se e colocou uma pequena correntinha de prata no pescoço da filha. — Essa corrente era da minha mãe. Ela sempre dizia que trazia proteção. Leve com você, minha menina, esse pequeno anel... Leve ele também com você! A charrete de Clarissa e Eduardo chegou pontualmente. Clarissa desceu com um sorriso controlado, mas seus olhos não escondiam uma certa pressa. Eduardo, por outro lado, parecia mais calmo e acolhedor. — Pronta, querida Ariadne? — perguntou Clarissa, enquanto Ariadne assentia. O adeus foi breve, mas doloroso. A charrete se afastou enquanto Rosa chorava baixinho, sendo abraçada por Joaquim. O vento carregava a poeira do caminho e, com ela, a imagem da jovem que partia rumo ao desconhecido. A viagem foi longa e cansativa. Ariadne nunca havia saído de sua cidade natal, e cada nova paisagem que via através da janela do avião a deixava admirada. Clarissa manteve-se educada durante o trajeto, mas distante. Eduardo, por outro lado, parecia mais atento ao bem-estar da jovem, oferecendo comida, água e perguntando se ela precisava de algo. Ao desembarcarem em Orlando, Ariadne foi recebida por um choque cultural. O aeroporto era gigantesco, com anúncios em inglês que ela não conseguia entender. O fluxo de pessoas, o barulho incessante e as luzes brilhantes a deixaram um pouco assustada, mas ela se manteve firme. No caminho para a casa, Eduardo fez questão de explicar cada detalhe que viam pela janela do carro. — Veja, Ariadne, aquela é a roda gigante do Icon Park. E mais à frente temos a Disney World. Talvez possamos levá-la lá um dia. Ariadne sorriu, encantada, enquanto Clarissa mantinha os olhos fixos na estrada, apenas murmurando de vez em quando. A casa era majestosa. Um casarão de dois andares, com janelas amplas e um jardim impecável. Ariadne sentiu-se pequena diante daquela imensidão. — Seja bem-vinda, Ariadne. Aqui será seu novo lar. — disse Eduardo, abrindo a porta e fazendo um gesto para que ela entrasse. Clarissa seguiu atrás, seu sorriso era mais contido agora. Nos primeiros dias, Ariadne foi recebida com certa cordialidade por Clarissa. A mulher mostrava-lhe a casa, explicava suas novas responsabilidades e, por vezes, até conversava casualmente. — Você pode usar esse quarto, Ariadne. É simples, mas confortável. — disse Clarissa ao mostrar um pequeno cômodo no segundo andar, com uma cama de solteiro e uma janela com vista para o jardim. Ariadne agradeceu com sinceridade, mas, pouco a pouco, o calor que Clarissa havia demonstrado no Brasil começou a se dissipar. Eduardo, por outro lado, parecia genuinamente preocupado com o bem-estar de Ariadne. — Ariadne, você comeu hoje? Quer que eu prepare algo para você? — perguntava ele quase todas as manhãs. Ele trazia frutas frescas, ensinava algumas palavras em inglês e fazia questão de que ela se sentisse confortável. — Eduardo, você não precisa fazer isso. A menina pode se servir sozinha. — Clarissa comentou em uma ocasião, com um tom levemente irritado. — Clarissa, ela é apenas uma menina. Está em um país novo, longe da família. Precisamos fazer com que ela se sinta em casa. Clarissa não respondeu, apenas lançou um olhar frio para Ariadne, que abaixou a cabeça, sentindo-se desconfortável. Os dias passaram, e a rotina começou a se estabelecer. Ariadne cuidava da casa com esmero, ajudava no jardim e, sempre que podia, dedicava tempo para aprender algumas palavras em inglês com Eduardo. Clarissa, no entanto, começou a demonstrar sinais claros de insatisfação. Ela observava de longe cada interação entre Ariadne e Eduardo, sua expressão sempre carregada de desconfiança. — Eduardo, você poderia me ajudar com os papéis do escritório? — chamou Clarissa certa tarde, interrompendo uma conversa animada entre Ariadne e Eduardo na cozinha. — Claro, querida. Já vou. — respondeu ele, sorrindo. Clarissa lançou um olhar demorado para Ariadne antes de sair. Havia algo na presença da jovem que a incomodava profundamente, algo que ela não conseguia explicar — ou talvez não quisesse admitir. Ariadne começou a perceber a mudança no tratamento de Clarissa. As ordens ficaram mais secas, os sorrisos mais raros, e o olhar de julgamento mais constante. — Ariadne, limpe o escritório hoje. E por favor, não mexa nos meus papéis. — Sim, senhora Clarissa. Apesar disso, Eduardo continuava tratando Ariadne com gentileza. Ele frequentemente perguntava sobre sua família, sobre como ela estava se sentindo e, algumas vezes, deixava pequenos presentes sobre sua cama: um livro, uma caixa de chocolates ou uma pequena flor do jardim. Cada gesto de bondade de Eduardo parecia aumentar o ressentimento de Clarissa. Naquela noite, Clarissa observou Ariadne enquanto ela ajudava Eduardo a organizar alguns livros no escritório. O sorriso gentil de Eduardo, a maneira como ele elogiou o esforço da jovem... tudo parecia alimentar uma chama amarga dentro dela. Clarissa subiu para o quarto sem dizer nada, mas seus passos eram firmes e seu olhar, vazio. Ariadne sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se algo invisível estivesse prestes a desabar sobre ela.Capítulo 11: As Sombras da Casa GrandeO relógio marcava 4h45 da manhã quando Eduardo levantou-se suavemente da cama, para não acordar Clarissa. Vestiu-se com cuidado, ajeitou a gravata diante do espelho e saiu do quarto com passos leves. A rotina era sempre a mesma: antes de sair para o trabalho, ele passava no quarto de Ariadne.A porta rangeu baixinho quando ele entrou no pequeno cômodo onde a jovem dormia profundamente. Seus cabelos brancos estavam espalhados sobre o travesseiro, iluminados pela luz tímida do abajur. Eduardo aproximou-se devagar, tocou suavemente sua testa com os lábios e sussurrou:— Tenha um bom dia, minha filha. Fique com Deus.Ariadne abriu os olhos por um instante, sorrindo suavemente antes de voltar a fechar.Eduardo saiu, fechando a porta com cuidado, e deixou a casa. Assim que o som da porta da frente batendo ecoou pela casa, o silêncio foi cortado bruscamente pelo barulho de outro quarto se abrindo. Clarissa surgiu no corredor, vestida com um robe de sed
Capítulo 12: O Fim da IlusãoO sol de sábado de manhã entrava pelas cortinas brancas do quarto do casal. O relógio marcava 8h, e Eduardo se espreguiçou com calma, aproveitando o raro privilégio de dormir até mais tarde. Ao seu lado, Clarissa ainda parecia dormir, mas seu rosto estava virado para o outro lado, os olhos fechados com força.Eduardo inclinou-se para beijar o rosto da esposa, sorrindo suavemente.— Bom dia, amor. Vamos levantar? Hoje é sábado.Clarissa abriu os olhos lentamente, esticando os braços com um sorriso forçado.— Hum... adoro quando você me acorda assim. O que nós vamos fazer hoje, meu bem? — perguntou ela, com a voz doce e olhar brilhante.Eduardo levantou-se e começou a vestir uma roupa mais leve, visivelmente animado.— Pensei em algo diferente hoje. Vamos sair todos juntos! Primeiro, um piquenique no parque. Depois, podemos ir ao cinema. E, mais tarde, podemos dar uma volta na roda-gigante. O que acha?O sorriso de Clarissa congelou no rosto. Sua expressão
Capítulo 13: Mentiras e Manipulação O cheiro de café fresco preenchia a cozinha enquanto Eduardo terminava seu café da manhã calmamente, revisando algumas mensagens no celular. Clarissa, sentada à sua frente, mexia distraidamente na xícara com a colher, seus olhos fixos em algum ponto distante.— Amor… — começou ela, com a voz doce, mas carregada de falsa preocupação. — Acho que Ariadne não está bem. Ela estava pálida hoje cedo, parecia desconfortável. Acho que está com cólica ou talvez vai menstruar pela primeira vez.Eduardo levantou os olhos, franzindo a testa com preocupação.— Sério, Clarissa? Coitada da menina… Quer que eu vá falar com ela? Talvez eu possa perguntar se ela precisa de algo.— Não, não! — interrompeu Clarissa apressadamente, colocando a mão sobre a de Eduardo. — Isso é coisa de mulher, amor. Deixa que eu cuido dela. Só… faz um favor para mim? Pode ir até a farmácia comprar absorventes e remédio para cólica? Por favor?Eduardo assentiu rapidamente.— Claro, amor.
Capítulo 14: O Dia Mais Triste da Minha VidaA noite estava calma na casa de Eduardo e Clarissa. O relógio marcava 11 horas no Brasil, algo em torno das 21 horas nos Estados Unidos. O telefone tocou, ecoando pelo silêncio. Eduardo atendeu ao ver o nome de Antônio na tela.— Boa noite, Antônio! Tudo bem por aí? — perguntou Eduardo, tentando soar animado.— Boa noite, Eduardo! Como estão as coisas? E nossa querida Ariadne, como está se saindo?Eduardo hesitou por um momento. Ele sabia que Ariadne não estava bem, que não conhecia nada da cidade e que sua rotina estava longe de ser feliz. Mas ele não queria preocupar Antônio nem a família dela.— Ela está bem, Antônio. Está se adaptando, já conhece algumas partes da cidade e começou a aprender inglês. Ela é uma menina esforçada.Antônio sorriu do outro lado da linha.— Fico muito feliz em ouvir isso. Joaquim e Rosa vão ficar mais tranquilos quando souberem. E, aliás, liguei por outro motivo: amanhã é o aniversário de Ariadne. Nós queríam
Capítulo 15: Sobrevivendo às SombrasAs luzes brilhantes de Orlando nunca pareceram tão frias quanto nas últimas oito semanas para Ariadne. Aos 16 anos, a jovem caminhava pelas ruas, arrastando os pés descalços e carregando apenas uma pequena sacola com algumas roupas desgastadas. Seus cabelos brancos, que já chamavam atenção antes, agora estavam sujos e embaraçados, destacando ainda mais sua figura frágil e abatida.Os primeiros dias foram os mais difíceis. Ariadne procurava restos de comida em lixeiras atrás de restaurantes, enfrentando o olhar de desprezo das pessoas que cruzavam seu caminho. Quando a fome apertava demais, ela tentava pedir esmolas, mas poucos paravam para ouvi-la. O frio das madrugadas castigava seu corpo fraco, obrigando-a a se encolher sob caixas de papelão ou procurar abrigo em becos sujos e úmidos.— Por favor… só um pedaço de pão… — murmurava ela, com a voz quase sumindo, enquanto estendia a mão para desconhecidos que passavam apressados.A noite era o pior
Capítulo 16:A Chuva e a MúsicaMarcos assentiu. Ele caminhou até a recepção, preencheu os formulários com informações básicas e, com um último olhar preocupado em direção à ala de emergência, saiu do hospital com Amélia.Horas depois, Ariadne acordou em um quarto pequeno, mas limpo. Ela estava deitada em uma cama macia, com um soro ligado em seu braço. Uma enfermeira loira entrou no quarto, com um sorriso caloroso.— Hello, sweetheart. Are you feeling better?Ariadne franziu o cenho, tentando entender o que a mulher dizia. Ela não falava inglês. A enfermeira percebeu a confusão no rosto dela.— Oh… You don’t understand, do you? Wait here, okay?A mulher saiu e voltou alguns minutos depois com outra enfermeira, esta de cabelos castanhos e pele morena. Ao abrir a porta, a nova enfermeira sorriu suavemente.— Oi, querida. Você fala português?Os olhos de Ariadne se encheram de lágrimas. Finalmente, alguém que a entendia.— Sim… sim, eu falo.— Meu nome é Luciana, sou brasileira. Como vo
Capítulo 18 A Primeira ConversaO sol ainda nem havia surgido no horizonte quando Madame Estela caminhou pelos corredores silenciosos da boate. Eram cinco horas da manhã e o ambiente cheirava a perfume adocicado, fumaça de cigarro e o eco distante da música que havia silenciado há pouco tempo. Vestida em seu robe de seda azul, com os cabelos loiros presos em um coque impecável, Madame Estela parou diante da porta do pequeno quarto onde Ariadne dormia.Ela bateu três vezes com firmeza.— Mocinha, vamos conversar.A voz era calma, mas carregava uma autoridade que dispensava repetições. Ariadne acordou sobressaltada, os olhos castanhos arregalados no escuro. Vestida com uma camisola simples e descalça, ela correu até a porta, abrindo-a com as mãos trêmulas.— Bom dia, Madame Estela. — A voz dela saiu quase em um sussurro.— Sente-se. — ordenou Madame Estela, já se dirigindo até sua cadeira de madeira entalhada com estofado bordô.Ariadne se sentou à sua frente em uma cadeira simples. Se
Capítulo 18Entre passos e olhares, um talento desperta.O sol mal tinha nascido quando Ariadne abriu os olhos. O pequeno quarto que ela dividia com Rosângela, a garçonete número 15, estava mergulhado na penumbra, iluminado apenas por uma fresta de luz que escapava pela janela entreaberta. A cama simples de madeira rangia sob seu peso enquanto ela se ajoelhava aos pés dela, as mãos unidas e a cabeça baixa.— Obrigada, meu Deus, por mais um ano de vida. — sussurrou, com os olhos úmidos.Dois anos haviam se passado desde a noite em que Rosângela a acolheu sob uma tempestade cruel, trazendo-a para a boate de Madame Estela. Durante esse tempo, Ariadne havia aprendido a rotina, respeitado as regras e trabalhado duro, sempre carregando a esperança de um dia conseguir entrar em contato com sua família e enviar dinheiro para eles.O tempo havia moldado a menina frágil em uma jovem resiliente, mas a saudade era uma constante em seu coração. Ela respirou fundo, enxugou uma lágrima solitária que