Capítulo 2
Mariana Bazzi Não tive tempo para pensar, um dos guardas apontou para o carro e desci uma pequena escada de cabeça erguida. Meu pai estava caído, gemendo de dor, incapacitado. Ele sentiu na pele um pouco da violência que sempre infligiu a mim e à minha mãe. Mas meu coração batia contra o peito. Entrei num dos veículos de luxo. Uma limusine. Meus olhos ainda estavam embaçados pelas lágrimas. Observei o outro lado da porta aberta enquanto os homens conversavam do lado de fora. Se eu descesse por ali e corresse na direção da escada me daria segundos extras. Abri com cuidado e discretamente movi meu corpo. Escorreguei pelo acento de couro, mas fui surpreendida pelo homem que me comprou. Imediatamente dei um salto pra trás, batendo as costas na porta contrária. O mesmo homem de óculos escuros entrou e sentou-se ao meu lado, cruzando as pernas com elegância. Me afastei como um animalzinho enjaulado. O olhar desse homem era diferente, talvez terno... Ou eu estava alucinando? — Até que enfim te encontrei... — Eu franzi a testa, confusa. Ele me entregou uma rosa vermelha. Segurei com as pontas dos dedos, em estado de choque. Tenho medo de todos os homens, qualquer um que se aproxime de mim. — Quem é você? — questionei curiosa — De onde nos conhecemos? Porque me comprou? — Você não deve lembrar de mim, mas estive procurando por você. — Sua resposta me deixou confusa. — É outro abutre como meu pai? Por que o velho Ezequiel te deixou vir? Eu não vou aceitar a rosa dele. Dizem que quem recebe desaparece. — Ezequiel é quem dita as ordens. Se ele te mandou uma rosa deveria agradecer — empurrou a flor perto de mim, mas apertei num impulso de afastá-lo e acabei estragando a rosa tão bonita. Senti dor. Os espinhos afundaram na minha carne e me furaram. — Porra! Qual o problema com você? Não vê que estou tentando ajudar? Viu o que fez na mão? — gritou e olhou para o espaço entre ele e os outros homens, então fechou o compartimento do veículo, nos isolando dos outros. — Não encoste em mim — me encolhi ainda mais. — Me dê sua mão — olhei pra ele sentindo meu corpo dar leves pulos de medo. Eu simplesmente não conseguia esticar a mão, não conseguia responder. Ele puxou um lenço do bolso e tentou segurar mesmo assim. Eu tentei puxar, mas ele estava furioso. Segurou a parte machucada e veio sobre mim, me deixando imóvel. — Aqui sou eu quem manda. Se digo pra me dar algo, você dá. Entendeu? — forçou meu corpo sobre o banco e não consegui reagir. Estou tão machucada e cansada que não tive força suficiente. Ele limpou o sangue sem me olhar. Mas as palavras dele haviam sido tão ásperas que fiquei imóvel. Mantive o rosto erguido para que não me visse como fraca. Encontraria um jeito de despistar esse cara antes que me levasse para o velho Ezequiel, o que me comprou. Ele não falou mais nada. Pegou um celular e fez uma ligação: — Quero que chamem o meu médico imediatamente. — Fiquei olhando. Cara esquisito. Quando o carro parou, vi através dos vidros escuros que entrei numa espécie de presídio. Muros altíssimos, portão fechado. Embora o imenso jardim fosse bonito. Mas do lado oposto, parecia ter outra saída, pois havia uma estradinha mais simples. Eu só precisava encontrar um jeito de chegar até lá. O homem desceu e os outros seguraram meus braços. Fiquei em pânico com quatro mãos segurando em mim, me bateu um desespero, vontade de gritar, de correr. — Vamos entrar. Ezequiel fala com você a noite, durante o jantar. — Um dos seguranças falou. — Eu não quero! Mandem aquele velho nojento atormentar o diabo! Nunca mostrou o rosto, deve ser horrendo de feio! Ele mata todas, vai me matar! — tentei me soltar, mas vi que era inútil. Eu precisava me acalmar, encontrar uma solução mais sensata, então apenas me calei. Senti minha garganta doer, engolindo ar de desespero. Fui colocada num quarto, onde havia grade na janela. Fiquei procurando uma maneira de sumir. A janela parecia meio solta. Tive a impressão de ser apenas uma moldura de ferro. Tentei soltar, mas com as mãos não consegui. Precisava de algo para puxar. Uma chave de fenda. Mas como? De repente a porta abriu. Um homem mais velho apareceu junto a uma mulher. Seria o velho Ezequiel? — Boa noite. Vim para examinar a senhorita — comecei a negar, tentando me esconder. — Eu não preciso. Ninguém vai encostar em mim. — O homem deu um passo a frente — Não... se... aproxima... de... mim... — disse pausadamente. O homem se aproximou, eu recuei. — Não se aproxime, por favor! Não quero nenhum homem encostando em mim. Odeio todos vocês. Homens não prestam, só querem nosso mal. — Ele só quer te examinar. — Ouvi uma voz grossa que me arrepiou, me fazendo encostar na parede. Era o que me comprou para o velho. — Eu não quero. Me deixem em paz. Ninguém encosta em mim — me encolhi. — Mas que saco! Você está machucada. Preciso saber a extensão disso. Quero que seja medicada, porra! — Pra quê? O jantar com o demônio é essa noite. Talvez não sobreviva até de manhã. — O rosto dele escureceu. — Saiam todos — falou bem baixo e imediatamente quem havia entrado saiu, fechando a porta, me trazendo mais pavor. — Escuta aqui... Eu não estou com paciência com você. Eu só quis ajudar, tamanha a merda onde estavam te enfiando, só que você não colabora. — A voz dele estava diferente. Vi que mudou e tive medo. Muito medo. — Se quer ajudar, me deixa ir embora. Juro que pago por cada centavo que deu ao meu pai. — Não, ainda não. — Não sou tão burra quanto pensa. Se me comprou tem algum interesse. Me diga o quer. Ninguém gasta seu dinheiro a toa assim. — Realmente tenho interesses a te propor, mas não agora. Se não quer o médico, depois resolvemos isso. Mas vai vestir a roupa que enviei pela governanta e vai ficar bem apresentável para o jantar. Aqui só tem essa regra, agradar Ezequiel no jantar e depois estará livre. — Agradar? Eu não vou passar a noite com ele, então é melhor que me mate de uma vez. — Eu paguei por você. Quero que vista a porra da roupa e venha para o maldito jantar. Está entendendo? É tão difícil entender? — meu corpo todo tremia, o pânico me atingiu. Vi a arma dele na sua cintura e voei naquele homem sem pensar em nada, o derrubando sobre um sofá quando segurei sua arma. Ele ficou me olhando e sorriu de forma estranha quando apontei pra ele. Seus olhos bonitos me fizeram perder o foco, e desci o olhar observando seu nariz e sua boca. Minha respiração ficou agitada, mas de um jeito diferente. — O que foi? Não viu que vou te matar? — perguntei quando vi que ele também me observava. — Pode tentar... Inclusive, estou ansioso por suas tentativas. Sorriu e no desespero apertei o gatilho, me arrependendo em seguida. Nada. Ufa, nem uma bala. Então senti algo estranho. Porque eu não queria realmente matá-lo? Só porque tem um rosto que chama a atenção? — Essa é pra enganar os que pensam que podem me dominar. — Caí em si, ele estava falando comigo — Mas pode continuar tentando. Está sentada sobre mim e estou gostando bastante. Imediatamente levantei e ataquei a arma sobre ele, mas o homem a alcançou no ar e fez voar. Ele puxou uma outra pequena e mostrou pra mim. — Essa é das melhores. Pequena, prática e eficiente, sem deixar falhas. — Quase fiquei sem respirar. Ele não apontou pra mim, sorriu e guardou novamente por baixo da camisa. Vi que precisava mudar de tática com ele. — Por favor. Me deixe ir? Preciso saber das minhas irmãs, saber se minha mãe realmente morreu. Por favor. Me diga o que quer pra me deixar ir — tremendo de medo, me aproximei. Olhei bem nos olhos dele, coloquei a mão suavemente sobre seu ombro — Eu não vou sobreviver a esse velho... Eu imploro. Vi que a expressão dele mudou. — Eu não sou um velho. Só quero um jantar essa noite e depois, se não quiser ficar... Te deixarei ir. Como assim? Ele quer o jantar? — Fiquei imóvel, tentando entender o que estava acontecendo. Ele foi até a porta e antes que saísse perguntei: — Ei! Qual seu nome? Você é o... — Ele virou pra mim devagar e me cortou: — Venha ao jantar essa noite e vai descobrir... — Bom, eu precisava de uma ferramenta. Certamente haveria uma faca lá...Capítulo 3 Mariana Sentei na beirada da cama e demorei para conseguir levantar. Havia um banheiro, vi que dava para trancar, então entrei, fechei e fiquei ali por bastante tempo, olhando para tantas marcas roxas no meu corpo que eu tanto gostaria de apagar. Não havia janela ali, nada útil nas gavetas que eu pudesse usar para soltar a janela do quarto. Liguei o chuveiro, tomei um banho. Quando saí segurei a roupa que estava separada. Era um vestido bonito, diferente do que meu pai me fazia usar. Discreto, elegante e sem vulgaridade. Ele lembra um que ganhei do único homem que já confiei, junto com uma agenda. Tudo porque era o papai Noel de uma noite de natal há quase dois anos. Mas estava naquela sacolinha que perdi no caminho até aqui. — Com licença... — Alguém abriu a porta do quarto pelo lado de fora — Sou Luciana. Vim avisar que o senhor Ezequiel está esperando. — Me encolhi na toalha. — Ele só quer conversar e explicar o que está acontecendo. Depo
Capítulo 4 Mariana Bazzi — Por um momento pensei que pudesse estar dizendo a verdade, que fosse diferente. Que realmente pudesse ter algo bom, libertar mulheres — me afastei — Mas é igual todos os homens. Odeio você e toda a sua raça! Odeio todos! Me deixe em paz, e me deixe ir embora! — Me soltou imediatamente, como se nada tivesse acontecido. — Você não jantou. Sente-se e faça o que veio fazer. Está pedindo coisas, mas não cede em nada? — apontou para a mesa e puxou uma cadeira. — Se não está mentindo e sou realmente livre, me deixe sair pela porta da frente sem que ninguém venha atrás de mim. — O encarei e disse com uma coragem que não pensei que eu tinha. — Está ciente dos riscos? Porque vão te encontrar e não vou te salvar novamente se for vendida. — Eu... quero sair daqui. — Não, você não vai — entrou na minha frente com o semblante enfurecido. Seu porte grande se sobrepôs perante mim. Seu olhar estava severo. A raiva e o medo ferveram no meu peito. El
Capítulo 5 Ezequiel Costa Júnior Sou o Don da máfia Zion Triad, porém a minha identidade é secreta. Todos sabem do “Don”, poucos sabem que sou eu. Faço tudo por trás dos panos, e quem aparece são meus dois soldados de confiança, que atuam como agentes, para não serem expostos em Israel ou países onde preciso de cobertura. Mas hoje foi diferente. Fui pessoalmente atrás dela, a Maryam, porém não saiu do jeito que programei, apesar de todo esforço, ela me rejeitou, me fez sentir um idiota na frente dos meus subordinados. Outra vez fui rejeitado, me odeio por isso. Da outra vez até deixei passar, porque a mulher que escolhi amava outro, mas dessa vez as coisas serão diferentes. Despejei toda minha ira no móvel da copa. Em seguida, Sara, uma dos meus soldados se ofereceu para limpar o sangue da minha mão.... Encostado em uma cadeira giratória, ela observa o que destruí do móvel sob medida e respiro pesadamente ao vê-la me olhando. — Don... Isso não está cer
Capítulo 6 Mariana Bazzi A madrugada estava escura como breu. Nenhum poste aceso. Nenhum som além do da minha própria respiração e do coração batendo tão forte que eu mal conseguia escutar os pensamentos. Só precisava chegar até o centro. Talvez encontrasse um bar, um ônibus, qualquer coisa. Meus olhos marejaram, mas segurei. Não agora, já chega de sofrimento. Até que ouvi o som de um motor. Pneus no cascalho, precisei apressar o passo. Um carro se aproximava devagar demais. O farol iluminou minha silhueta, e antes que eu pudesse correr, a porta abriu com violência. — Olha só... A fugitiva — reconheci aquela voz na hora, era do cassino. Ele parecia que estava parando... Droga! — Você?! — minha voz saiu trêmula, mas cheia de ódio. Ele sorriu de um jeito que me embrulhou o estômago. Já havia tentado me comprar do meu progenitor uma vez, como se eu fosse uma mercadoria, mas fugi. E agora, ali, no meio do nada... era como se estivesse realizando um plano antigo de
Capítulo 7 Ezequiel Costa Júnior Tranquei a porta atrás de mim, ouvindo o som metálico da chave girando na fechadura. Sem olhar de volta, caminhei pelo corredor da casa com o coração pulsando feito um tambor de guerra. Cada passo transbordava minha raiva contida. Meus olhos encontraram os rostos curiosos dos funcionários, todos parados no meio de suas tarefas, fingindo que não viam, mas desejando saber a fofoca. — Ninguém abre aquela porta — minha voz foi firme. Luciana, a governanta, hesitou por um instante antes de se aproximar. — Nem mesmo para levar comida, senhor? A moça parece fraca… Cerrei os dentes. — Nada de regalias. Apenas uma sopa. Vi a dúvida no olhar dela, mas esperava o quê? “Preparei um jantar inteiro e ela não valorizou, quem sabe a sopa não come.” — pensei, passando direto por Luciana sem dar chance de réplica. Fui até a sala dos fundos e abri a porta com força. — Chame o Yulssef. Agora. O funcionário que estava por ali se apressou. E
Capítulo 8 Mariana Bazzi Acordei assustada. Um barulho suave, quase imperceptível, me tirou do sono. Meus olhos demoraram alguns segundos para se ajustarem à luz suave que entrava pelas frestas da cortina. O quarto ainda estava em silêncio, mas eu sentia que não estava sozinha. Foi então que o vi. De pé, próximo à porta, Ezequiel me observava. Me encolhi instintivamente na cama, puxando a manta até o queixo. O coração disparou. Meu corpo inteiro reagiu com tensão, como se esperasse um golpe, um grito, qualquer coisa. — Bom dia — ele disse, com a voz baixa. — Dormiu bem? — Sim… — respondi, quase num sussurro. Minhas mãos tremiam sob o cobertor. Ele se aproximou devagar. Ainda assim, cada passo dele parecia um trovão nos meus ouvidos. — Chamei o médico novamente. Gostaria que você fizesse alguns exames. Está muito pálida, quase não come. Pode ser algo sério. — Não. — minha resposta foi automática, mais firme do que eu esperava. — Homem nenhum vai encostar em mim.
Capítulo 9 Ezequiel Costa Júnior Ela saiu correndo. Fiquei parado por alguns segundos, sem conseguir processar. O coração batendo no peito como uma martelada surda. A raiva veio como um vendaval. Eu tinha servido aquela mesa com calma, com paciência — algo que nunca fiz para ninguém. Só para ela e bom... Valéria, mas não gosto de lembrar. Fiz seu prato, tratei bem. E pra quê, caralho? Ela correu de mim como se eu fosse um monstro. Minha mão tremeu, os olhos fixos no prato vazio dela. A raiva ferveu. Com um grito rouco e abafado, agarrei a travessa mais próxima e arremessei contra a parede. A porcelana se estilhaçou com um estrondo. Em seguida, virei a mesa com um movimento violento, jogando tudo no chão. Louças, taças, talheres... voaram pelo salão. A mesa de mogno ficou virada, a toalha manchada de vinho escorrendo como sangue. — Porra! — gritei, socando a parede até sentir a pele dos nós dos dedos abrir. O sangue escorreu quente, mas nem isso me fez parar.
Capítulo 10 Ezequiel Costa Júnior Entrei, mas não fui até ela. Encostei as costas na porta fechada e fiquei ali. Braços cruzados, olhar atento. O quarto ainda estava com o cheiro do incenso que a doutora usava, uma tentativa inútil de esconder o medo no ar. Ela estava sentada na cama, os joelhos juntos, abraçando os próprios braços. Assustada, sim. Mas me olhava. E isso já era muito. — Quais foram seus pedidos? — perguntei, sem rodeios — Pode me lembrar o que me pediu? Mariana hesitou por alguns segundos. Os olhos correram pelo quarto antes de voltarem pra mim. — Visitar o túmulo da minha mãe… — começou, a voz embargada. — E procurar pelas minhas irmãs. Assenti lentamente. — Bom... posso conceder um desses desejos. Apenas um, terá que escolher. Vi a surpresa surgir no rosto dela. Não falei com arrogância. Falei com verdade. — Um? — O túmulo da sua mãe está lá. Frio, imóvel, sem nada que eu possa mudar. Nada que você possa mudar também. Não quero te levar