Capítulo 6 Mariana Bazzi A madrugada estava escura como breu. Nenhum poste aceso. Nenhum som além do da minha própria respiração e do coração batendo tão forte que eu mal conseguia escutar os pensamentos. Só precisava chegar até o centro. Talvez encontrasse um bar, um ônibus, qualquer coisa. Meus olhos marejaram, mas segurei. Não agora, já chega de sofrimento. Até que ouvi o som de um motor. Pneus no cascalho, precisei apressar o passo. Um carro se aproximava devagar demais. O farol iluminou minha silhueta, e antes que eu pudesse correr, a porta abriu com violência. — Olha só... A fugitiva — reconheci aquela voz na hora, era do cassino. Ele parecia que estava parando... Droga! — Você?! — minha voz saiu trêmula, mas cheia de ódio. Ele sorriu de um jeito que me embrulhou o estômago. Já havia tentado me comprar do meu progenitor uma vez, como se eu fosse uma mercadoria, mas fugi. E agora, ali, no meio do nada... era como se estivesse realizando um plano antigo de
Capítulo 7 Ezequiel Costa Júnior Tranquei a porta atrás de mim, ouvindo o som metálico da chave girando na fechadura. Sem olhar de volta, caminhei pelo corredor da casa com o coração pulsando feito um tambor de guerra. Cada passo transbordava minha raiva contida. Meus olhos encontraram os rostos curiosos dos funcionários, todos parados no meio de suas tarefas, fingindo que não viam, mas desejando saber a fofoca. — Ninguém abre aquela porta — minha voz foi firme. Luciana, a governanta, hesitou por um instante antes de se aproximar. — Nem mesmo para levar comida, senhor? A moça parece fraca… Cerrei os dentes. — Nada de regalias. Apenas uma sopa. Vi a dúvida no olhar dela, mas esperava o quê? “Preparei um jantar inteiro e ela não valorizou, quem sabe a sopa não come.” — pensei, passando direto por Luciana sem dar chance de réplica. Fui até a sala dos fundos e abri a porta com força. — Chame o Yulssef. Agora. O funcionário que estava por ali se apressou. E
Capítulo 8 Mariana Bazzi Acordei assustada. Um barulho suave, quase imperceptível, me tirou do sono. Meus olhos demoraram alguns segundos para se ajustarem à luz suave que entrava pelas frestas da cortina. O quarto ainda estava em silêncio, mas eu sentia que não estava sozinha. Foi então que o vi. De pé, próximo à porta, Ezequiel me observava. Me encolhi instintivamente na cama, puxando a manta até o queixo. O coração disparou. Meu corpo inteiro reagiu com tensão, como se esperasse um golpe, um grito, qualquer coisa. — Bom dia — ele disse, com a voz baixa. — Dormiu bem? — Sim… — respondi, quase num sussurro. Minhas mãos tremiam sob o cobertor. Ele se aproximou devagar. Ainda assim, cada passo dele parecia um trovão nos meus ouvidos. — Chamei o médico novamente. Gostaria que você fizesse alguns exames. Está muito pálida, quase não come. Pode ser algo sério. — Não. — minha resposta foi automática, mais firme do que eu esperava. — Homem nenhum vai encostar em mim.
Capítulo 9 Ezequiel Costa Júnior Ela saiu correndo. Fiquei parado por alguns segundos, sem conseguir processar. O coração batendo no peito como uma martelada surda. A raiva veio como um vendaval. Eu tinha servido aquela mesa com calma, com paciência — algo que nunca fiz para ninguém. Só para ela e bom... Valéria, mas não gosto de lembrar. Fiz seu prato, tratei bem. E pra quê, caralho? Ela correu de mim como se eu fosse um monstro. Minha mão tremeu, os olhos fixos no prato vazio dela. A raiva ferveu. Com um grito rouco e abafado, agarrei a travessa mais próxima e arremessei contra a parede. A porcelana se estilhaçou com um estrondo. Em seguida, virei a mesa com um movimento violento, jogando tudo no chão. Louças, taças, talheres... voaram pelo salão. A mesa de mogno ficou virada, a toalha manchada de vinho escorrendo como sangue. — Porra! — gritei, socando a parede até sentir a pele dos nós dos dedos abrir. O sangue escorreu quente, mas nem isso me fez parar.
Capítulo 10 Ezequiel Costa Júnior Entrei, mas não fui até ela. Encostei as costas na porta fechada e fiquei ali. Braços cruzados, olhar atento. O quarto ainda estava com o cheiro do incenso que a doutora usava, uma tentativa inútil de esconder o medo no ar. Ela estava sentada na cama, os joelhos juntos, abraçando os próprios braços. Assustada, sim. Mas me olhava. E isso já era muito. — Quais foram seus pedidos? — perguntei, sem rodeios — Pode me lembrar o que me pediu? Mariana hesitou por alguns segundos. Os olhos correram pelo quarto antes de voltarem pra mim. — Visitar o túmulo da minha mãe… — começou, a voz embargada. — E procurar pelas minhas irmãs. Assenti lentamente. — Bom... posso conceder um desses desejos. Apenas um, terá que escolher. Vi a surpresa surgir no rosto dela. Não falei com arrogância. Falei com verdade. — Um? — O túmulo da sua mãe está lá. Frio, imóvel, sem nada que eu possa mudar. Nada que você possa mudar também. Não quero te levar
Capítulo 11 Mariana Bazzi Nem acreditei que ele me levaria até minhas irmãs, Iris e Soraya. Meu coração batia rápido no peito, eu queria muito vê-las, ficar perto, ver um dos rostos que conheço. Mas paralisei quando vi tantas luzes brilhando. Era um cassino. Muito maior e mais sofisticado que o do meu pai, e comecei a apertar o banco com os dedos de medo do que aconteceria. — Elas estão aqui? — perguntei gaguejando quando chegamos. — Sim. Mas olha pra mim — ergui o rosto e o encarei — Se quer mesmo entrar e ver as duas, terá que confiar em mim. Você confia? — Balancei a cabeça confirmando que sim. Eu não tinha escolha, era tudo ou nada. — Você as viu? — questionei. — Sim. Tentei comprar as duas através de meus agentes, mas Iris não quis. Soraya teve medo e preferiu ficar com a irmã. — Mas porque? — Olha, diferente de você, elas foram vendidas para um homem que apenas compra dançarinas e mulheres bonitas para atrair clientes no cassino. Pare
Capítulo 12 Mariana Bazzi (Contém gatilhos) Ao descer do carro, andei pela estradinha até a porta da casa como se minha alma não estivesse no corpo, e realmente acho que não estava. Vi pessoas passarem por mim, mas nada importava. Eu só olhei e segui o caminho que já havia memorizado para voltar pro quarto. — Mariana? — ouvi Ezequiel falando atrás de mim e parei antes de subir uma pequena escada — Você está bem? Não me disse nada até agora. Respirei fundo. Meu corpo todo tremia, eu mal conseguia falar, mas tirei tudo de mim para me virar pra ele. — Venha até meu quarto — virei novamente e bati parte do corpo na mulher que Ezequiel pediu para que se retirasse durante o almoço. — Como assim, quarto? Quem você pensa que é para dar ordens pro Don? — ergui o braço e coloquei a mão no seu peito. — Com licença. Não me lembro de te dever explicação — passei por ela e continuei subindo. Ainda ouvi quando Ezequiel disse: — Tire uma folga com Raquel.
Capítulo 13 Ezequiel Costa Júnior A porta fechou atrás de mim, mas a raiva... essa ainda estava escancarada no meu peito. Caminhei pelo corredor com o punho fechado, sentindo a pressão subir até meu maxilar. As palavras dela ecoavam na minha mente: "Eu mesma tirei a roupa... tentei negociar com o Don..." Eu nunca tinha sentido esse tipo de fúria. Não era só ódio, era um veneno queimando por dentro. Cada roxo no corpo da Mariana era uma lembrança maldita de que eu falhei em protegê-la, demorei para encontrá-la e passou por tudo isso. Quando a vi daquele jeito, naquele quarto, trêmula, tentando me oferecer o próprio corpo em troca de salvação... meu mundo ruiu. Não era só sobre Mariana. Era sobre todas as vezes que homens como aqueles acharam que podiam comprar, tocar, destruir. Mal consegui olhar pra ela quando entrei. Seu rosto angelical e ao mesmo tempo triste, amedrontado, me deixavam enlouquecido. Eu só queria ter certeza que foi naquela porra de cassino do v