Capítulo 9 Ezequiel Costa Júnior Ela saiu correndo. Fiquei parado por alguns segundos, sem conseguir processar. O coração batendo no peito como uma martelada surda. A raiva veio como um vendaval. Eu tinha servido aquela mesa com calma, com paciência — algo que nunca fiz para ninguém. Só para ela e bom... Valéria, mas não gosto de lembrar. Fiz seu prato, tratei bem. E pra quê, caralho? Ela correu de mim como se eu fosse um monstro. Minha mão tremeu, os olhos fixos no prato vazio dela. A raiva ferveu. Com um grito rouco e abafado, agarrei a travessa mais próxima e arremessei contra a parede. A porcelana se estilhaçou com um estrondo. Em seguida, virei a mesa com um movimento violento, jogando tudo no chão. Louças, taças, talheres... voaram pelo salão. A mesa de mogno ficou virada, a toalha manchada de vinho escorrendo como sangue. — Porra! — gritei, socando a parede até sentir a pele dos nós dos dedos abrir. O sangue escorreu quente, mas nem isso me fez parar.
Capítulo 10 Ezequiel Costa Júnior Entrei, mas não fui até ela. Encostei as costas na porta fechada e fiquei ali. Braços cruzados, olhar atento. O quarto ainda estava com o cheiro do incenso que a doutora usava, uma tentativa inútil de esconder o medo no ar. Ela estava sentada na cama, os joelhos juntos, abraçando os próprios braços. Assustada, sim. Mas me olhava. E isso já era muito. — Quais foram seus pedidos? — perguntei, sem rodeios — Pode me lembrar o que me pediu? Mariana hesitou por alguns segundos. Os olhos correram pelo quarto antes de voltarem pra mim. — Visitar o túmulo da minha mãe… — começou, a voz embargada. — E procurar pelas minhas irmãs. Assenti lentamente. — Bom... posso conceder um desses desejos. Apenas um, terá que escolher. Vi a surpresa surgir no rosto dela. Não falei com arrogância. Falei com verdade. — Um? — O túmulo da sua mãe está lá. Frio, imóvel, sem nada que eu possa mudar. Nada que você possa mudar também. Não quero te levar
Capítulo 11 Mariana Bazzi Nem acreditei que ele me levaria até minhas irmãs, Iris e Soraya. Meu coração batia rápido no peito, eu queria muito vê-las, ficar perto, ver um dos rostos que conheço. Mas paralisei quando vi tantas luzes brilhando. Era um cassino. Muito maior e mais sofisticado que o do meu pai, e comecei a apertar o banco com os dedos de medo do que aconteceria. — Elas estão aqui? — perguntei gaguejando quando chegamos. — Sim. Mas olha pra mim — ergui o rosto e o encarei — Se quer mesmo entrar e ver as duas, terá que confiar em mim. Você confia? — Balancei a cabeça confirmando que sim. Eu não tinha escolha, era tudo ou nada. — Você as viu? — questionei. — Sim. Tentei comprar as duas através de meus agentes, mas Iris não quis. Soraya teve medo e preferiu ficar com a irmã. — Mas porque? — Olha, diferente de você, elas foram vendidas para um homem que apenas compra dançarinas e mulheres bonitas para atrair clientes no cassino. Pare
Capítulo 12 Mariana Bazzi (Contém gatilhos) Ao descer do carro, andei pela estradinha até a porta da casa como se minha alma não estivesse no corpo, e realmente acho que não estava. Vi pessoas passarem por mim, mas nada importava. Eu só olhei e segui o caminho que já havia memorizado para voltar pro quarto. — Mariana? — ouvi Ezequiel falando atrás de mim e parei antes de subir uma pequena escada — Você está bem? Não me disse nada até agora. Respirei fundo. Meu corpo todo tremia, eu mal conseguia falar, mas tirei tudo de mim para me virar pra ele. — Venha até meu quarto — virei novamente e bati parte do corpo na mulher que Ezequiel pediu para que se retirasse durante o almoço. — Como assim, quarto? Quem você pensa que é para dar ordens pro Don? — ergui o braço e coloquei a mão no seu peito. — Com licença. Não me lembro de te dever explicação — passei por ela e continuei subindo. Ainda ouvi quando Ezequiel disse: — Tire uma folga com Raquel.
Capítulo 13 Ezequiel Costa Júnior A porta fechou atrás de mim, mas a raiva... essa ainda estava escancarada no meu peito. Caminhei pelo corredor com o punho fechado, sentindo a pressão subir até meu maxilar. As palavras dela ecoavam na minha mente: "Eu mesma tirei a roupa... tentei negociar com o Don..." Eu nunca tinha sentido esse tipo de fúria. Não era só ódio, era um veneno queimando por dentro. Cada roxo no corpo da Mariana era uma lembrança maldita de que eu falhei em protegê-la, demorei para encontrá-la e passou por tudo isso. Quando a vi daquele jeito, naquele quarto, trêmula, tentando me oferecer o próprio corpo em troca de salvação... meu mundo ruiu. Não era só sobre Mariana. Era sobre todas as vezes que homens como aqueles acharam que podiam comprar, tocar, destruir. Mal consegui olhar pra ela quando entrei. Seu rosto angelical e ao mesmo tempo triste, amedrontado, me deixavam enlouquecido. Eu só queria ter certeza que foi naquela porra de cassino do v
Capítulo 14 Ezequiel Costa Júnior Amanheci no bar de casa, bebendo e pensando na vida. Tomei um banho e depois fui ver a Mariana. A minha cabeça não está nos melhores dias. Bati na porta do quarto, quem abriu foi a médica. Contratei para que fique na minha casa e cuide exclusivamente dela, já que parece ter confiado na doutora.. — Como está? — Melhor. — Porque fez aquilo? Eu não pedi nada — questionei a doutora Samira. — Uma mulher com androfobia, pensa que seu corpo é a única coisa que homens querem. Ela não consegue entender de outra forma sem acompanhamento. Elas tem medo absurdo de homem. Existe um transtorno chamado misandria que a mulher tem ódio de homem, são duas coisas diferentes. No transtorno androfobia, ver o homem, ouvir falar nele, pensar até mesmo fotos lhe causam um medo absurdo, irracional mesmo, alguns sintomas como náuseas, tontura, gagueira, tremores, o nível de ansiedade pode até lhe causar perda dos sentidos, dependendo do g
Capítulo 15 Ezequiel Costa Júnior Levei algum tempo apenas observando Mariana. Cada pequeno gesto dela parecia dizer mais do que as palavras. A forma como me olhava, o esforço que fazia para não se afastar... ela estava tentando. E isso me atingia num lugar que eu nem sabia que ainda estava vivo. Queria poder fazer mais por ela. Puxei o celular e fiz uma ligação. — Yulssef, preciso que traga algumas roupas novas para a Mariana. Algo leve, confortável. Ela vai sair comigo hoje. — Claro, Don. Passo na boutique e levo até aí em menos de uma hora. Mais alguma coisa? — Só isso mesmo. Obrigado. Desliguei e um tempo depois fui até a sala, onde Mariana agora mexia em uma flor do vaso sobre a mesa. Era uma imagem quase surreal, como se ela não pertencesse àquele mundo — meu mundo. Mas ao mesmo tempo, algo em mim dizia que ela já era parte disso tudo. — Gosta das plantas? — seus dedos encostavam suavemente no verde. — Eu quase não vi raridades como essa durante minha vida. — Ela virou
Capítulo 1 Mariana Bazzi — Nem acredito que é real... ainda hoje estarei livre desse lugar — sussurrei para mim mesma, com os olhos marejados ao encarar os papéis impressos e assinados sobre a mesa do escritório. Agarrei os documentos contra o peito como se minha vida dependesse disso — e, de certa forma, dependia. Saí quase saltitando entre as mulheres do cassino, com um sorriso no rosto, levando a pequena sacola com minhas poucas coisas. Guardei os papéis lá dentro com o cuidado de quem carrega um tesouro. Lágrimas escorriam, mas dessa vez eram de alívio. O presente de aniversário de vinte anos mais precioso que eu poderia receber: a minha liberdade. Hoje faz exatamente dez anos que fui vendida para esse cassino. Um acordo nojento de covardia, por quem deveria me proteger: meu pai. Mas não... hoje eu não queria pensar nisso. Hoje, eu voltaria pra casa. Veria o rosto da minha mãezinha de novo. Sentiria o abraço das minhas irmãs mais velhas. Subi as escadas desse infer