Aquele vestido era ridículo. Mas, como tinha sido Lúcia quem o vestira, Sílvio decidiu suportar. Qualquer desconforto valia a pena. Ele sabia o que era usar roupas de má qualidade. Quando criança, a pobreza o obrigava a vestir peças usadas que vinham dos parentes. Foi por isso que, quando ficou rico, passou a ser exigente com tudo, especialmente com roupas.A dor de cabeça persistia, mas ele a ignorou.Olhou ao redor e percebeu que não havia chinelos masculinos no quarto. Isso o deixou satisfeito. Era um sinal de que Basílio não havia passado a noite ali. Felizmente, os chinelos que Lúcia comprara tinham um estilo masculino e eram maiores, ajustando-se perfeitamente aos pés dele.Sílvio caminhou até o sofá e parou diante de Lúcia. Ela estava encolhida, abraçando os próprios braços, como um pequeno gato arisco, pronta para se proteger a qualquer momento.Sem hesitar, ele se abaixou e a pegou no colo.Ela estava tão leve, tão frágil, e, enquanto dormia, era como se toda a resistência del
Lúcia acordou e percebeu que estava deitada na cama, coberta com o edredom rosa. De imediato, pensou que Sílvio tinha aproveitado enquanto ela dormia para tirar vantagem da situação. Estava pronta para gritar com ele, mas, ao virar a cabeça, viu que o quarto estava vazio.Sílvio havia saído.Deveria sentir alívio, mas, estranhamente, um vazio tomou conta de seu peito. Havia uma pontada de preocupação misturada com aquela sensação incômoda. Ele tinha passado tão mal na noite anterior, com febre alta... Será que tinha melhorado?Olhou para o celular para ver as horas. Já era hora do almoço, e seu estômago começava a roncar.Do lado de fora, os sons de panelas e facas ressoavam vindos da cozinha improvisada. O aroma de carne assada invadia o ar, despertando ainda mais sua fome.Lúcia ergueu os olhos e viu o sol atravessar a cortina translúcida, iluminando o contorno das costas de Sílvio. Ele ainda estava vestindo aquela camisola feminina de algodão, mas agora usava um avental amarrado na
Mas Lúcia só comeu o pão que tinha comprado, ignorando completamente os pratos que Sílvio havia preparado.— Já comeu o pão, por que não prova um pouco da comida? — Disse Sílvio, colocando um pedaço de carne no prato dela.Aos poucos, o prato de Lúcia foi se enchendo, até parecer uma pequena montanha.Foi então que ela notou os curativos nos dedos dele. Todos os cinco estavam cobertos por band-aids.— O que aconteceu com a sua mão? — Perguntou Lúcia, franzindo o cenho.— Faz tanto tempo que não cozinho que acabei me cortando. — Respondeu ele, com uma expressão de falsa tristeza, os olhos levemente vermelhos. — Mas não precisa se preocupar, não é nada grave.A comida que ele fez tinha o mesmo sabor de antes, exatamente como ela se lembrava. Era como se o tempo tivesse parado em algum ponto do passado.Lúcia, no entanto, não quis ceder. Sem responder, ela foi direta ao ponto:— Já que não é nada grave, coma sua comida e vá embora. Não é apropriado que o Sr. Sílvio fique aqui por muito te
— Sílvio, você pode parar de ser tão descarado? Eu já disse, eu não sou sua esposa. Nós só namoramos, nem sequer tiramos fotos de casamento. Como eu poderia ser sua esposa? — O nariz de Lúcia ficou instantaneamente vermelho, os olhos marejados, enquanto empurrava ele com força.Mas Sílvio foi rápido e a puxou de volta, envolvendo-a em seus braços:— Se você me perdoar, tiramos as fotos, registramos o casamento... e você será minha esposa de verdade.— Sílvio, você acha que eu sou idiota? — Lúcia respondeu, a voz carregada de frustração, os olhos cada vez mais vermelhos. — Eu não vou perder meu tempo discutindo com você. Sai daqui!As lágrimas começaram a se acumular nos olhos dela, ameaçando cair."Por que ele faz isso comigo? Por que acha que pode me tratar assim?", pensou ela.Para ele, parecia tão simples. Ele escolhia quando machucá-la e, agora, quando era conveniente, queria consertar tudo. Mas ela não era um objeto. Ela tinha sentimentos. Ela merecia respeito, confiança.Ele nunc
Depois de um turbilhão de sensações e tontura, Lúcia se deu conta de que, de alguma forma, havia sido levada para a cama.A respiração quente de Sílvio tocava de leve o pescoço delicado dela, enquanto seus dedos estavam entrelaçados com os dele, presos de forma tão firme que ela não conseguia se soltar. O quarto estava escuro, e a única luz vinha do brilho suave da noite, que entrava pela fresta da janela mal fechada. O vento fresco da noite agitava os cabelos negros de Lúcia, que se espalhavam sobre o travesseiro como um véu.Os beijos de Sílvio eram incrivelmente suaves, quase reverentes. Nos olhos dele parecia haver um universo inteiro, e no reflexo de suas pupilas, ela só enxergava a si mesma.Lúcia, com as bochechas coradas, conseguiu soltar as mãos das dele. Seus braços pálidos e graciosos se ergueram lentamente até o pescoço de Sílvio, puxando-o mais para perto. Esse gesto foi tudo o que ele precisava. A resposta dela lhe deu uma coragem que ele não sabia que tinha, uma força qu
Depois de muito tempo juntos, Lúcia, completamente exausta, não conseguiu mais resistir ao sono. Quando Sílvio finalmente olhou para ela, percebeu que ela já havia adormecido profundamente, os olhos fechados, a respiração suave. Mesmo que ela não tivesse dado nenhuma resposta definitiva, apenas poder estar ao lado dela, compartilhar momentos tão íntimos, já era mais do que ele ousava pedir.Com cuidado, ele se virou e saiu da cama. Lúcia tinha o sono leve, então Sílvio, com toda a delicadeza, a pegou nos braços, envolvendo-a como se fosse uma preciosidade frágil, e a levou até o banheiro.O banheiro era pequeno, apertado, e Sílvio não conseguia esconder o descontentamento. Ele odiava vê-la vivendo em um lugar tão simples, tão distante do conforto e da segurança que merecia. Ela, que antes vivia como uma princesa, agora estava ali, em condições que ele considerava inaceitáveis. Tudo aquilo era culpa dele. Se ela havia caído tão baixo, era por sua causa. E ele se odiava por isso.Sentind
A atuação de Sílvio era digna de um prêmio. Ele transitava com facilidade entre o papel de um homem frio e implacável e o de alguém injustiçado e vulnerável.Lúcia deixou escapar um sorriso irônico, curvando os lábios com desdém:— Sílvio, para de jogar com os sentimentos dos outros. Olhando para você agora, só consigo pensar que isso é pura retribuição.— Amor, todo mundo erra. Você não vai nem me dar a chance de corrigir os meus erros? — Sílvio respondeu, com aquele tom suplicante que sabia usar tão bem. — Eu sou um doente, preciso que você me acompanhe ao hospital. — Enquanto falava, ele segurou os braços dela, como se buscasse apoio.Lúcia se desvencilhou bruscamente:— Pode esquecer, eu não vou.— Então eu também não vou.— Sílvio, dá para parar com essa infantilidade? Você tem leucemia e ainda se recusa a ir ao hospital? — Ela já estava perdendo a paciência com ele.Ele, por outro lado, parecia completamente tranquilo:— É que não faz sentido ir. Você não se importa comigo. Qual
— Amor, você tá preocupada comigo? — Sílvio perguntou, sentado no sofá como uma criança obediente. O nariz e os olhos estavam levemente avermelhados, mas os lábios traziam um sorriso contido. Embora a frase fosse uma pergunta, o tom dele era cheio de certeza, como se tivesse acabado de ganhar uma batalha. Sua voz, carregada de orgulho, quase ressoava no ambiente.Lúcia sentiu um aperto na garganta. Ele estava fazendo de propósito. Vê-la preocupada com ele provavelmente era motivo de vaidade, algo que ele usaria para provar que ela ainda era dependente dele, que ainda era fraca. "Ele deve estar achando que sou uma idiota", pensou.— Eu já disse que não estou preocupada com você. Só não quero que você morra aqui e acabe me metendo em problemas. — Respondeu ela, com frieza, mesmo sabendo que mentia.Assim que terminou de falar, viu claramente o brilho nos olhos de Sílvio desaparecer. Aquele olhar que antes parecia brilhar como um céu estrelado tornou-se vazio, como um poço seco. O sorriso