Isso fazia parte da dinâmica peculiar entre eles.Lúcia foi se trocar. Quando voltou, encontrou Sílvio na cozinha, lavando a louça. O canto de sua boca se curvou em um sorriso involuntário. Aquele Sílvio, tão diferente, parecia quase irreal, como se não fosse o mesmo homem que ela conhecia.De repente, ouviram batidas na porta.— Amor, vai lá atender. — Disse Sílvio, sem sequer olhar para trás.Lúcia abriu a porta e viu que era Leopoldo, trazendo as roupas que ela havia pedido.Leopoldo entrou, e seu olhar foi direto para a figura na cozinha. O homem de costas, usando uma camisola feminina, parecia alguém completamente diferente. Ele não conseguiu conter o comentário ao se virar para Lúcia:— Senhora, essa é a nova empregada que o Sr. Sílvio contratou para você? Ele parece meio... peculiar.Sílvio, ao ouvir aquilo, girou a cabeça devagar, lançando um olhar gélido na direção de Leopoldo:— Você tá chamando quem de empregada?A voz dele soou baixa e ameaçadora.Quando Leopoldo finalmente
Os resultados dos exames chegaram três dias depois. Sílvio sentia um desconforto crescente no peito, uma ansiedade que ele não conseguia explicar. Para evitar que Lúcia percebesse algo, pediu que ela saísse para comprar algo para comer.Mesmo estando em uma ampla suíte VIP, com apenas ele, Bruno e Leopoldo presentes, o coração de Sílvio continuava batendo descompassado. A sensação de sufoco era quase física.Ele segurava o relatório médico com tanta força que parecia prestes a rasgar o papel. Seus dedos estavam tensos, a folha já amassada.— Sr. Sílvio, nós realmente não esperávamos que sua condição tivesse se agravado a esse ponto. O problema maior é que ainda não encontramos um doador de medula compatível. Se dentro de uma semana não conseguirmos localizar a medula certa... — Bruno parou no meio da frase, hesitando.Sílvio levantou o olhar, encarando-o com uma expressão fria e inabalável.— O que acontece? — Perguntou Sílvio, como se já soubesse a resposta.Bruno respirou fundo antes
Leopoldo fez um breve resumo sobre os eventos daquela noite fatídica: no mesmo dia em que o pai de Sílvio sofreu o acidente de carro, na verdade, ocorreram dois acidentes.Os ferimentos no corpo do pai de Sílvio foram causados pela colisão com o carro de Giovana, cujo motorista fugiu logo após o impacto. A caminho do hospital, o pai do Sílvio cruzou com o de Abelardo, que também o atingiu, mas de forma superficial, sem causar maiores danos.De acordo com o relato de Paulo, Abelardo saiu do carro, viu o sangue no chão e, achando que o acidente havia sido muito mais grave do que realmente era, entrou em pânico. Quando voltou para a Cidade A, o remorso o consumiu de tal forma que ele passou noites sem dormir, acreditando que havia cometido algo terrível. Decidiu, então, levar o motorista Paulo de volta ao Bairro das Árvores para procurar o endereço da casa do pai de Sílvio. Sua intenção era compensar o homem pelos danos e levá-lo ao hospital para tratamento.No entanto, antes que consegui
Sílvio continuou caminhando até chegar a um pequeno e charmoso quiosque de estilo antigo. Ao redor, árvores de cerejeiras floresciam exuberantes. Suas pétalas, brancas com um delicado toque rosado, caíam suavemente com o vento, como uma chuva de flores que flutuavam pelo ar.Ele estendeu a mão, pálida e trêmula, e uma pétala pousou suavemente na palma. Por um instante, sua mente o levou de volta ao tempo da universidade. As cerejeiras também estavam lá, enfeitando as alamedas do campus.Lembrou-se de estar pedalando sua bicicleta por entre a chuva de pétalas. Lúcia estava sentada na garupa, rindo alto, enquanto gritava cheia de alegria:— Sílvio e Lúcia, juntos hoje, amanhã e para sempre!— Aqui é o campus, Lúcia. Fala baixo. — Sílvio respondeu, um pouco constrangido na época.Mas ela, com um sorriso radiante, replicou:— Por que eu deveria falar baixo? Quando a gente gosta, tem que gritar para o mundo ouvir! Agora todo mundo sabe que você é meu, Sílvio. Acabei de marcar meu território
— Lúcia, eu não estou fazendo drama — disse Sílvio, com a voz calma e um olhar repleto de ternura.Ela soltou uma risada seca, cheia de ironia:— Então por que você saiu correndo? Você é um paciente, sabia disso? Nem terminou o soro e já saiu do hospital? Você não tem ideia do quanto ficamos preocupados, né? Sílvio, você não é mais uma criança. Será que dá para pensar antes de agir? Ou você faz isso de propósito, só para deixar todo mundo aflito?Ele não respondeu. Saiu porque o quarto estava sufocante, e as verdades que descobriu naquele dia ainda estavam pesando demais em sua mente. Mas, com tantas coisas na cabeça, Sílvio não tentou se justificar. Apenas seguiu Lúcia de volta em direção ao prédio do hospital.Ela caminhava à frente, ainda irritada. Seus passos eram rápidos e decididos. Ele a observava de longe, sentindo o coração apertar. Seus olhos ficaram vermelhos novamente. Ele sabia que tinha errado. Deveria ter priorizado cuidar da saúde e descoberto a gravidade da situação an
Lúcia não conseguiu esperar pela resposta de Sílvio. O silêncio foi interrompido pelo som repentino das portas do elevador se abrindo.Vestindo a roupa de paciente, Sílvio passou por ela sem sequer olhar em sua direção. Ao esbarrar no ombro dela, Lúcia quase perdeu o equilíbrio e por pouco não caiu.Ele, no entanto, não se deteve nem por um instante, como se ela fosse invisível. Com uma frieza cortante, ele saiu do elevador e seguiu seu caminho.Lúcia segurou-se no corrimão, respirou fundo e tentou recompor-se. A sensação de um nó na garganta a incomodava, mas, mesmo assim, ela o seguiu até o quarto. Assim que chegou, procurou uma enfermeira para avisar que o paciente havia retornado.No quartoA enfermeira reconectou o soro na veia de Sílvio, que ele havia interrompido ao sair, e então virou-se para Lúcia com um aviso:— Vocês precisam ficar de olho nele. Não podem deixá-lo sair sozinho assim. É muito perigoso.— Tudo bem, eu entendi. Muito obrigada, Srta. enfermeira. — Respondeu Lúci
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L