Depois de muito tempo juntos, Lúcia, completamente exausta, não conseguiu mais resistir ao sono. Quando Sílvio finalmente olhou para ela, percebeu que ela já havia adormecido profundamente, os olhos fechados, a respiração suave. Mesmo que ela não tivesse dado nenhuma resposta definitiva, apenas poder estar ao lado dela, compartilhar momentos tão íntimos, já era mais do que ele ousava pedir.Com cuidado, ele se virou e saiu da cama. Lúcia tinha o sono leve, então Sílvio, com toda a delicadeza, a pegou nos braços, envolvendo-a como se fosse uma preciosidade frágil, e a levou até o banheiro.O banheiro era pequeno, apertado, e Sílvio não conseguia esconder o descontentamento. Ele odiava vê-la vivendo em um lugar tão simples, tão distante do conforto e da segurança que merecia. Ela, que antes vivia como uma princesa, agora estava ali, em condições que ele considerava inaceitáveis. Tudo aquilo era culpa dele. Se ela havia caído tão baixo, era por sua causa. E ele se odiava por isso.Sentind
A atuação de Sílvio era digna de um prêmio. Ele transitava com facilidade entre o papel de um homem frio e implacável e o de alguém injustiçado e vulnerável.Lúcia deixou escapar um sorriso irônico, curvando os lábios com desdém:— Sílvio, para de jogar com os sentimentos dos outros. Olhando para você agora, só consigo pensar que isso é pura retribuição.— Amor, todo mundo erra. Você não vai nem me dar a chance de corrigir os meus erros? — Sílvio respondeu, com aquele tom suplicante que sabia usar tão bem. — Eu sou um doente, preciso que você me acompanhe ao hospital. — Enquanto falava, ele segurou os braços dela, como se buscasse apoio.Lúcia se desvencilhou bruscamente:— Pode esquecer, eu não vou.— Então eu também não vou.— Sílvio, dá para parar com essa infantilidade? Você tem leucemia e ainda se recusa a ir ao hospital? — Ela já estava perdendo a paciência com ele.Ele, por outro lado, parecia completamente tranquilo:— É que não faz sentido ir. Você não se importa comigo. Qual
— Amor, você tá preocupada comigo? — Sílvio perguntou, sentado no sofá como uma criança obediente. O nariz e os olhos estavam levemente avermelhados, mas os lábios traziam um sorriso contido. Embora a frase fosse uma pergunta, o tom dele era cheio de certeza, como se tivesse acabado de ganhar uma batalha. Sua voz, carregada de orgulho, quase ressoava no ambiente.Lúcia sentiu um aperto na garganta. Ele estava fazendo de propósito. Vê-la preocupada com ele provavelmente era motivo de vaidade, algo que ele usaria para provar que ela ainda era dependente dele, que ainda era fraca. "Ele deve estar achando que sou uma idiota", pensou.— Eu já disse que não estou preocupada com você. Só não quero que você morra aqui e acabe me metendo em problemas. — Respondeu ela, com frieza, mesmo sabendo que mentia.Assim que terminou de falar, viu claramente o brilho nos olhos de Sílvio desaparecer. Aquele olhar que antes parecia brilhar como um céu estrelado tornou-se vazio, como um poço seco. O sorriso
Isso fazia parte da dinâmica peculiar entre eles.Lúcia foi se trocar. Quando voltou, encontrou Sílvio na cozinha, lavando a louça. O canto de sua boca se curvou em um sorriso involuntário. Aquele Sílvio, tão diferente, parecia quase irreal, como se não fosse o mesmo homem que ela conhecia.De repente, ouviram batidas na porta.— Amor, vai lá atender. — Disse Sílvio, sem sequer olhar para trás.Lúcia abriu a porta e viu que era Leopoldo, trazendo as roupas que ela havia pedido.Leopoldo entrou, e seu olhar foi direto para a figura na cozinha. O homem de costas, usando uma camisola feminina, parecia alguém completamente diferente. Ele não conseguiu conter o comentário ao se virar para Lúcia:— Senhora, essa é a nova empregada que o Sr. Sílvio contratou para você? Ele parece meio... peculiar.Sílvio, ao ouvir aquilo, girou a cabeça devagar, lançando um olhar gélido na direção de Leopoldo:— Você tá chamando quem de empregada?A voz dele soou baixa e ameaçadora.Quando Leopoldo finalmente
Os resultados dos exames chegaram três dias depois. Sílvio sentia um desconforto crescente no peito, uma ansiedade que ele não conseguia explicar. Para evitar que Lúcia percebesse algo, pediu que ela saísse para comprar algo para comer.Mesmo estando em uma ampla suíte VIP, com apenas ele, Bruno e Leopoldo presentes, o coração de Sílvio continuava batendo descompassado. A sensação de sufoco era quase física.Ele segurava o relatório médico com tanta força que parecia prestes a rasgar o papel. Seus dedos estavam tensos, a folha já amassada.— Sr. Sílvio, nós realmente não esperávamos que sua condição tivesse se agravado a esse ponto. O problema maior é que ainda não encontramos um doador de medula compatível. Se dentro de uma semana não conseguirmos localizar a medula certa... — Bruno parou no meio da frase, hesitando.Sílvio levantou o olhar, encarando-o com uma expressão fria e inabalável.— O que acontece? — Perguntou Sílvio, como se já soubesse a resposta.Bruno respirou fundo antes
Leopoldo fez um breve resumo sobre os eventos daquela noite fatídica: no mesmo dia em que o pai de Sílvio sofreu o acidente de carro, na verdade, ocorreram dois acidentes.Os ferimentos no corpo do pai de Sílvio foram causados pela colisão com o carro de Giovana, cujo motorista fugiu logo após o impacto. A caminho do hospital, o pai do Sílvio cruzou com o de Abelardo, que também o atingiu, mas de forma superficial, sem causar maiores danos.De acordo com o relato de Paulo, Abelardo saiu do carro, viu o sangue no chão e, achando que o acidente havia sido muito mais grave do que realmente era, entrou em pânico. Quando voltou para a Cidade A, o remorso o consumiu de tal forma que ele passou noites sem dormir, acreditando que havia cometido algo terrível. Decidiu, então, levar o motorista Paulo de volta ao Bairro das Árvores para procurar o endereço da casa do pai de Sílvio. Sua intenção era compensar o homem pelos danos e levá-lo ao hospital para tratamento.No entanto, antes que consegui
Sílvio continuou caminhando até chegar a um pequeno e charmoso quiosque de estilo antigo. Ao redor, árvores de cerejeiras floresciam exuberantes. Suas pétalas, brancas com um delicado toque rosado, caíam suavemente com o vento, como uma chuva de flores que flutuavam pelo ar.Ele estendeu a mão, pálida e trêmula, e uma pétala pousou suavemente na palma. Por um instante, sua mente o levou de volta ao tempo da universidade. As cerejeiras também estavam lá, enfeitando as alamedas do campus.Lembrou-se de estar pedalando sua bicicleta por entre a chuva de pétalas. Lúcia estava sentada na garupa, rindo alto, enquanto gritava cheia de alegria:— Sílvio e Lúcia, juntos hoje, amanhã e para sempre!— Aqui é o campus, Lúcia. Fala baixo. — Sílvio respondeu, um pouco constrangido na época.Mas ela, com um sorriso radiante, replicou:— Por que eu deveria falar baixo? Quando a gente gosta, tem que gritar para o mundo ouvir! Agora todo mundo sabe que você é meu, Sílvio. Acabei de marcar meu território
— Lúcia, eu não estou fazendo drama — disse Sílvio, com a voz calma e um olhar repleto de ternura.Ela soltou uma risada seca, cheia de ironia:— Então por que você saiu correndo? Você é um paciente, sabia disso? Nem terminou o soro e já saiu do hospital? Você não tem ideia do quanto ficamos preocupados, né? Sílvio, você não é mais uma criança. Será que dá para pensar antes de agir? Ou você faz isso de propósito, só para deixar todo mundo aflito?Ele não respondeu. Saiu porque o quarto estava sufocante, e as verdades que descobriu naquele dia ainda estavam pesando demais em sua mente. Mas, com tantas coisas na cabeça, Sílvio não tentou se justificar. Apenas seguiu Lúcia de volta em direção ao prédio do hospital.Ela caminhava à frente, ainda irritada. Seus passos eram rápidos e decididos. Ele a observava de longe, sentindo o coração apertar. Seus olhos ficaram vermelhos novamente. Ele sabia que tinha errado. Deveria ter priorizado cuidar da saúde e descoberto a gravidade da situação an