— Senhora, a verdade é que a senhora também ama o Sr. Sílvio. Depois daquela cirurgia, ele ficou dias na UTI. Quando soube disso, a senhora foi capaz de rezar na neve para ele acordar, até mesmo derramando seu próprio sangue enquanto copiava escrituras.Leopoldo fez uma pausa, olhando para o rosto de Lúcia, que permanecia em silêncio. Então, continuou:— Se vocês se amam tanto assim, por que gastar o tempo precioso que têm brigando? O Sr. Sílvio está com leucemia avançada. Ele não tem muito tempo.O ar ficou pesado, mas Leopoldo não recuou. Sabia que precisava ser direto:— Senhora, por favor, compreenda o que ele está tentando fazer. Pare de criar barreiras entre vocês. Sabe por que ele foi até Viana para marcar aquele noivado com Giovana?Lúcia mordeu os lábios, demorou um instante antes de perguntar:— Por quê?— Porque ele não queria resolver isso na Cidade A, com medo de que isso a prejudicasse. Durante as crises que teve lá em Viana, ele passava as noites olhando para a lua e pen
Sílvio era pesado, e Lúcia precisou fazer um esforço enorme para ajudá-lo a chegar até a cama.A jaqueta que ele usava estava completamente encharcada. Seus olhos permaneciam fechados, o rosto tenso, e ele tossia de forma tão violenta que parecia que os pulmões iam sair pela boca.Ela estendeu a mão para tocar o tecido molhado do terno preto que ele vestia. Estava frio e úmido, e sua primeira reação foi tirar logo aquela roupa para evitar que ele piorasse.Mas, ao pensar em tudo o que ele tinha feito para irritá-la, hesitou.Depois de um breve dilema, bufou e, contrariada, começou a tirar a jaqueta molhada. Em seguida, removeu a camisa preta, a calça social e os sapatos.Ela não tinha roupas masculinas em casa. Há poucos dias, comprara pijamas em uma promoção que vinha com um brinde: uma camisola larga de algodão. Foi essa a solução que encontrou.Ela pegou a camisola e começou ajudando o vesti-lo. Mas, de repente, o braço dele caiu bruscamente sobre seu ombro. Antes que pudesse reagir
Aquele vestido era ridículo. Mas, como tinha sido Lúcia quem o vestira, Sílvio decidiu suportar. Qualquer desconforto valia a pena. Ele sabia o que era usar roupas de má qualidade. Quando criança, a pobreza o obrigava a vestir peças usadas que vinham dos parentes. Foi por isso que, quando ficou rico, passou a ser exigente com tudo, especialmente com roupas.A dor de cabeça persistia, mas ele a ignorou.Olhou ao redor e percebeu que não havia chinelos masculinos no quarto. Isso o deixou satisfeito. Era um sinal de que Basílio não havia passado a noite ali. Felizmente, os chinelos que Lúcia comprara tinham um estilo masculino e eram maiores, ajustando-se perfeitamente aos pés dele.Sílvio caminhou até o sofá e parou diante de Lúcia. Ela estava encolhida, abraçando os próprios braços, como um pequeno gato arisco, pronta para se proteger a qualquer momento.Sem hesitar, ele se abaixou e a pegou no colo.Ela estava tão leve, tão frágil, e, enquanto dormia, era como se toda a resistência del
Lúcia acordou e percebeu que estava deitada na cama, coberta com o edredom rosa. De imediato, pensou que Sílvio tinha aproveitado enquanto ela dormia para tirar vantagem da situação. Estava pronta para gritar com ele, mas, ao virar a cabeça, viu que o quarto estava vazio.Sílvio havia saído.Deveria sentir alívio, mas, estranhamente, um vazio tomou conta de seu peito. Havia uma pontada de preocupação misturada com aquela sensação incômoda. Ele tinha passado tão mal na noite anterior, com febre alta... Será que tinha melhorado?Olhou para o celular para ver as horas. Já era hora do almoço, e seu estômago começava a roncar.Do lado de fora, os sons de panelas e facas ressoavam vindos da cozinha improvisada. O aroma de carne assada invadia o ar, despertando ainda mais sua fome.Lúcia ergueu os olhos e viu o sol atravessar a cortina translúcida, iluminando o contorno das costas de Sílvio. Ele ainda estava vestindo aquela camisola feminina de algodão, mas agora usava um avental amarrado na
Mas Lúcia só comeu o pão que tinha comprado, ignorando completamente os pratos que Sílvio havia preparado.— Já comeu o pão, por que não prova um pouco da comida? — Disse Sílvio, colocando um pedaço de carne no prato dela.Aos poucos, o prato de Lúcia foi se enchendo, até parecer uma pequena montanha.Foi então que ela notou os curativos nos dedos dele. Todos os cinco estavam cobertos por band-aids.— O que aconteceu com a sua mão? — Perguntou Lúcia, franzindo o cenho.— Faz tanto tempo que não cozinho que acabei me cortando. — Respondeu ele, com uma expressão de falsa tristeza, os olhos levemente vermelhos. — Mas não precisa se preocupar, não é nada grave.A comida que ele fez tinha o mesmo sabor de antes, exatamente como ela se lembrava. Era como se o tempo tivesse parado em algum ponto do passado.Lúcia, no entanto, não quis ceder. Sem responder, ela foi direta ao ponto:— Já que não é nada grave, coma sua comida e vá embora. Não é apropriado que o Sr. Sílvio fique aqui por muito te
— Sílvio, você pode parar de ser tão descarado? Eu já disse, eu não sou sua esposa. Nós só namoramos, nem sequer tiramos fotos de casamento. Como eu poderia ser sua esposa? — O nariz de Lúcia ficou instantaneamente vermelho, os olhos marejados, enquanto empurrava ele com força.Mas Sílvio foi rápido e a puxou de volta, envolvendo-a em seus braços:— Se você me perdoar, tiramos as fotos, registramos o casamento... e você será minha esposa de verdade.— Sílvio, você acha que eu sou idiota? — Lúcia respondeu, a voz carregada de frustração, os olhos cada vez mais vermelhos. — Eu não vou perder meu tempo discutindo com você. Sai daqui!As lágrimas começaram a se acumular nos olhos dela, ameaçando cair."Por que ele faz isso comigo? Por que acha que pode me tratar assim?", pensou ela.Para ele, parecia tão simples. Ele escolhia quando machucá-la e, agora, quando era conveniente, queria consertar tudo. Mas ela não era um objeto. Ela tinha sentimentos. Ela merecia respeito, confiança.Ele nunc
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L