Sílvio lavava o sangue que escorria debaixo do nariz, mas, dessa vez, parecia impossível estancar. O fluxo era forte e insistente, e ele começou a se sentir tonto, como se a cabeça girasse. De repente, veio à mente a imagem de Lúcia cuspindo sangue na frente dele tantas vezes. Aquilo fez seus pensamentos ficarem ainda mais confusos.Pegou o celular e mandou uma mensagem ao vice-diretor do Hospital Serra Encantada, pedindo que fosse até Cidade A para ajudá-lo com um diagnóstico. Por enquanto, ele o colocaria para trabalhar no hospital que administrava.Depois disso, Sílvio secou o cabelo, vestiu um roupão e, ainda descalço, saiu do banheiro.Sentou-se no sofá da sala, pegou um cigarro sobre a mesa de centro e o acendeu. O aroma familiar da fumaça logo tomou conta do ambiente, misturando-se ao silêncio pesado da noite.Enquanto isso, na mansão da família Araújo, Lúcia se sentia tão abatida que parecia carregar o peso do mundo nos ombros. Com uma rosa seca nas mãos, ela arrancava as pétal
O toque do celular ecoava ao lado de Lúcia, uma vibração insistente que parecia aumentar o peso no seu peito. Seu coração batia como se estivesse preso sob uma rocha enorme. Um segundo, dois segundos, três segundos... e nada de atender. Ela apertava o aparelho com força, os dedos ficando brancos.“Sílvio... o que você está fazendo?” pensou Lúcia, a ansiedade tomando conta. Hoje em dia, ninguém desgruda do celular. Se ele não viu a ligação, seria difícil de acreditar.Lúcia tentou se acalmar, repetindo para si mesma: “Não vá pensar o pior, Lúcia. Ele pode estar ocupado. Talvez o celular esteja no silencioso. Quem sabe ele está no banho, e o celular ficou carregando no quarto...”Mas, lá no fundo, evitava encarar o pensamento mais cruel: “Ele viu... e simplesmente não quer atender.”Naquele exato momento, Sílvio estava sentado no sofá, tragando lentamente um cigarro enquanto segurava o celular em mãos. Na tela, o nome "Lúcia" piscava insistentemente.Ela estava ligando para ele. Ele quer
Sílvio apertava os lábios, a mente tomada por pensamentos conflitantes. Ele queria, mais do que ninguém, começar o tratamento. Mas, no momento, essa não era uma opção. Se Giovana e Arthur descobrissem a gravidade de sua doença, ele sabia que seu fim chegaria ainda mais rápido.Ele lançou um olhar firme para o médico:— Minha condição precisa ser mantida em total sigilo. Ninguém, absolutamente ninguém, pode saber.— Pode ficar tranquilo, Sr. Sílvio. Tenho minha ética profissional. Respeito a privacidade dos meus pacientes.— Depois de dois dias, eu me interno e começo o tratamento.— Está falando sério, Sr. Sílvio? O senhor finalmente decidiu? — O vice-diretor não conseguiu esconder o tom de surpresa, misturado com alívio.Sílvio respondeu com um sorriso leve:— Eu também tenho alguém que amo. Quero passar o resto da minha vida com ela.O vice-director prescreveu alguns medicamentos para controlar o avanço da doença. Sílvio, com um rosto impassível, arrancou a etiqueta da embalagem e co
Quando Sílvio viu Lúcia pela primeira vez naquela manhã, seus olhos brilharam com uma alegria inesperada. A frieza habitual que habitava seu olhar, tão profunda quanto um lago escuro, foi rapidamente substituída por uma luz suave e calorosa. Mas essa felicidade foi, em poucos segundos, esmagada por outro sentimento: culpa.Na noite anterior, Lúcia havia ligado para ele várias vezes, e ele não atendeu nenhuma delas. Era inacreditável como a herdeira orgulhosa da poderosa família Baptista, alguém que sempre esteve acima de todos, havia se permitido chegar a esse ponto. Tão vulnerável. Tão humilde. Essa constatação fazia o peito de Sílvio doer, como se mil agulhas o perfurassem por dentro.Ele queria largar Giovana ali mesmo, atravessar a rua, e puxar Lúcia para os seus braços. Explicar tudo. Seus motivos, suas mentiras, suas dores. Mas, quando deu o primeiro passo, a voz de Leopoldo ecoou atrás dele:— Sr. Sílvio.A realidade o atingiu como uma onda fria e impiedosa. Ele não podia. Não a
Leopoldo entrou no jogo com perfeição:— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio já está cuidando de todo o processo. Ele vai transferir o controle total do Grupo Baptista para o seu nome como presente de casamento, antes mesmo de vocês assinarem os papéis.Ao ouvir isso, Giovana sentiu o coração se apertar com sentimentos conflitantes: uma mistura de comoção e inveja. Por um lado, estava comovida porque, finalmente, tinha conquistado o amor de Sílvio. Por outro, sentia uma pontada de inveja amarga, porque sabia que esse amor não era dela por direito. Era roubado.Uma fagulha de esperança proibida surgiu em sua mente. Ela olhou para ele e perguntou, hesitante:— Sílvio, você realmente me ama?— Claro que sim. — Sílvio respondeu sem hesitar.Giovana apertou os lábios, insegura:— Mas você gosta de mim… ou apenas do nome "Lúcia"?— É de você que eu gosto. Não importa o nome que você tenha, quem você seja ou qual seja sua identidade, eu vou me casar com você.Que palavras doces. Palavras que ela esperou
Depois de acalmar Giovana, Sílvio saiu apressado do quarto e desceu as escadas com passos firmes. Entrou na parte traseira do Rolls-Royce Cullinan, jogando-se no banco de couro. Enquanto girava distraidamente um cigarro entre os dedos, ouviu o ronco do motor que Leopoldo acabara de ligar. Logo deu a ordem, com a voz fria e cortante:— Siga por esta rua. Vamos encontrar a Lúcia.Leopoldo, enquanto ajustava o espelho retrovisor, não conseguiu conter o comentário:— Sr. Sílvio, se encontrarmos a Sra. Lúcia, tente conversar com ela. Não dá para exigir que o coração humano aguente tanto. Do ponto de vista dela, a Sra. Lúcia tem todo o direito de saber a verdade.O Cullinan seguia devagar pela margem da calçada, com os pneus esmagando pequenas poças na rua ainda molhada pela neve derretida. O olhar de Sílvio, frio e resoluto, percorria a multidão que lotava a calçada, buscando desesperadamente uma silhueta familiar.— Pare o carro! — Ordenou Sílvio, subitamente.Leopoldo pisou imediatamente
Onde quer que olhasse, Lúcia já havia examinado tudo. Mas onde estava a sombra de Sílvio? Só havia pedestres indo e vindo, e ela, completamente desamparada, no meio daquela confusão.— Lúcia, você está procurando pelo Sílvio? — Basílio perguntou, como se já tivesse adivinhado.Lúcia mordeu os lábios, mantendo o olhar baixo.Basílio soltou uma risada fria:— Ele não vai aparecer.Era claro que não. Como ele viria? Ele estava ocupado, mergulhado na doçura de sua vida com Giovana.Lúcia levantou a cabeça e esboçou um sorriso amargo:— Sr. Sílvio, vamos para casa.— Quer que eu te ajude a andar?— Não precisa. Não sou tão frágil assim. — Lúcia respondeu enquanto se dirigia ao carro estacionado na calçada.No entanto, mal tinha dado alguns passos, quando uma dor aguda no joelho pareceu cravar agulhas em sua pele, e suas pernas perderam toda a força. Por pouco, não caiu novamente. Mas Basílio, rápido como um raio, segurou sua cintura com firmeza, enquanto outra mão amparava seu braço. Num mo
Dois dias depois.Lúcia não entendia por que Basílio insistia tanto para que ela ficasse longe da internet e do celular. No fundo, ela sentia que algo estava errado, mas não conseguia descobrir o quê.Foi só quando uma empregada, enquanto lhe servia café, deixou escapar sem querer que Sílvio havia ido a Viana para se noivar com Giovana.Enzo, que presenciou a cena, repreendeu a empregada de imediato e tentou consolar Lúcia. Ela, no entanto, forçou um sorriso e disse que estava tudo bem, apesar de ser evidente que não estava. Após tomar um gole apressado de café, subiu para o quarto.Enzo percebeu a inquietação dela e temeu que algo mais sério acontecesse. Sem pensar duas vezes, ligou para Basílio.No quarto, Lúcia estava sentada no chão, encostada no tapete, com o celular nas mãos. Seus olhos estavam fixos nos trending topics do Twitter, onde o principal assunto era o noivado de Sílvio e Giovana. Os tópicos estavam todos em negrito, chamando atenção de qualquer um que passasse por ali.