A médica, usando uma máscara, saiu da clínica e avistou o carro estacionado a poucos metros dali.Leopoldo, vestido de terno, estava encostado no capô, fumando calmamente.Ela sorriu ao vê-lo e acelerou os passos em sua direção. Ao perceber a esposa se aproximando, Leopoldo apagou o cigarro às pressas, olhando-a com doçura.— Como está o trabalho? — Perguntou Leopoldo.— Tudo bem. E você?— Também estou bem. — Respondeu Leopoldo.A médica tirou uma caneta esferográfica do bolso do jaleco e a entregou para ele:— Toma, é pra você.Leopoldo pegou a caneta e, sem aviso, puxou a esposa para um abraço apertado, dando-lhe um beijo rápido. Mesmo depois de tantos anos de casamento, ele ainda sentia o coração disparar ao vê-la. Apesar de terem sido apresentados por Lúcia e terem começado o relacionamento com um casamento arranjado, o amor entre eles cresceu com o tempo, e a vida que levavam não deixava nada a desejar em comparação a qualquer casal apaixonado.— Hoje à noite volto mais cedo. — D
O som de notificação do celular ecoou pelo apartamento.Sílvio pegou o telefone com uma mão, enquanto a outra segurava o cigarro já pela metade.[Sílvio, tive um acidente de carro de última hora. Amanhã você pode vir me buscar no hospital?]Os olhos de Sílvio exibiram um sorriso irônico, mas ele, dissimulado, respondeu com um tom de preocupação e concordou com o pedido dela.Leopoldo, após terminar o relatório, estava ansioso para ir embora e preparar o jantar para a esposa. No entanto, foi chamado por Sílvio antes de sair:— Agradeça à sua esposa por mim.Leopoldo parou por um instante, surpreso. O Sr. Sílvio, conhecido por ser frio e pragmático, que normalmente agradecia com dinheiro, agora estava dizendo “Agradecer”?Ele piscou, achando que havia ouvido errado.Sílvio, percebendo o silêncio, repetiu com firmeza:— Diga a ela que sou grato.Leopoldo coçou o nariz, soltando um sorriso descontraído:— Não precisa agradecer, Sr. Sílvio. É o mínimo que podíamos fazer. Ela nem imaginava q
Sílvio lavava o sangue que escorria debaixo do nariz, mas, dessa vez, parecia impossível estancar. O fluxo era forte e insistente, e ele começou a se sentir tonto, como se a cabeça girasse. De repente, veio à mente a imagem de Lúcia cuspindo sangue na frente dele tantas vezes. Aquilo fez seus pensamentos ficarem ainda mais confusos.Pegou o celular e mandou uma mensagem ao vice-diretor do Hospital Serra Encantada, pedindo que fosse até Cidade A para ajudá-lo com um diagnóstico. Por enquanto, ele o colocaria para trabalhar no hospital que administrava.Depois disso, Sílvio secou o cabelo, vestiu um roupão e, ainda descalço, saiu do banheiro.Sentou-se no sofá da sala, pegou um cigarro sobre a mesa de centro e o acendeu. O aroma familiar da fumaça logo tomou conta do ambiente, misturando-se ao silêncio pesado da noite.Enquanto isso, na mansão da família Araújo, Lúcia se sentia tão abatida que parecia carregar o peso do mundo nos ombros. Com uma rosa seca nas mãos, ela arrancava as pétal
O toque do celular ecoava ao lado de Lúcia, uma vibração insistente que parecia aumentar o peso no seu peito. Seu coração batia como se estivesse preso sob uma rocha enorme. Um segundo, dois segundos, três segundos... e nada de atender. Ela apertava o aparelho com força, os dedos ficando brancos.“Sílvio... o que você está fazendo?” pensou Lúcia, a ansiedade tomando conta. Hoje em dia, ninguém desgruda do celular. Se ele não viu a ligação, seria difícil de acreditar.Lúcia tentou se acalmar, repetindo para si mesma: “Não vá pensar o pior, Lúcia. Ele pode estar ocupado. Talvez o celular esteja no silencioso. Quem sabe ele está no banho, e o celular ficou carregando no quarto...”Mas, lá no fundo, evitava encarar o pensamento mais cruel: “Ele viu... e simplesmente não quer atender.”Naquele exato momento, Sílvio estava sentado no sofá, tragando lentamente um cigarro enquanto segurava o celular em mãos. Na tela, o nome "Lúcia" piscava insistentemente.Ela estava ligando para ele. Ele quer
Sílvio apertava os lábios, a mente tomada por pensamentos conflitantes. Ele queria, mais do que ninguém, começar o tratamento. Mas, no momento, essa não era uma opção. Se Giovana e Arthur descobrissem a gravidade de sua doença, ele sabia que seu fim chegaria ainda mais rápido.Ele lançou um olhar firme para o médico:— Minha condição precisa ser mantida em total sigilo. Ninguém, absolutamente ninguém, pode saber.— Pode ficar tranquilo, Sr. Sílvio. Tenho minha ética profissional. Respeito a privacidade dos meus pacientes.— Depois de dois dias, eu me interno e começo o tratamento.— Está falando sério, Sr. Sílvio? O senhor finalmente decidiu? — O vice-diretor não conseguiu esconder o tom de surpresa, misturado com alívio.Sílvio respondeu com um sorriso leve:— Eu também tenho alguém que amo. Quero passar o resto da minha vida com ela.O vice-director prescreveu alguns medicamentos para controlar o avanço da doença. Sílvio, com um rosto impassível, arrancou a etiqueta da embalagem e co
Quando Sílvio viu Lúcia pela primeira vez naquela manhã, seus olhos brilharam com uma alegria inesperada. A frieza habitual que habitava seu olhar, tão profunda quanto um lago escuro, foi rapidamente substituída por uma luz suave e calorosa. Mas essa felicidade foi, em poucos segundos, esmagada por outro sentimento: culpa.Na noite anterior, Lúcia havia ligado para ele várias vezes, e ele não atendeu nenhuma delas. Era inacreditável como a herdeira orgulhosa da poderosa família Baptista, alguém que sempre esteve acima de todos, havia se permitido chegar a esse ponto. Tão vulnerável. Tão humilde. Essa constatação fazia o peito de Sílvio doer, como se mil agulhas o perfurassem por dentro.Ele queria largar Giovana ali mesmo, atravessar a rua, e puxar Lúcia para os seus braços. Explicar tudo. Seus motivos, suas mentiras, suas dores. Mas, quando deu o primeiro passo, a voz de Leopoldo ecoou atrás dele:— Sr. Sílvio.A realidade o atingiu como uma onda fria e impiedosa. Ele não podia. Não a
Leopoldo entrou no jogo com perfeição:— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio já está cuidando de todo o processo. Ele vai transferir o controle total do Grupo Baptista para o seu nome como presente de casamento, antes mesmo de vocês assinarem os papéis.Ao ouvir isso, Giovana sentiu o coração se apertar com sentimentos conflitantes: uma mistura de comoção e inveja. Por um lado, estava comovida porque, finalmente, tinha conquistado o amor de Sílvio. Por outro, sentia uma pontada de inveja amarga, porque sabia que esse amor não era dela por direito. Era roubado.Uma fagulha de esperança proibida surgiu em sua mente. Ela olhou para ele e perguntou, hesitante:— Sílvio, você realmente me ama?— Claro que sim. — Sílvio respondeu sem hesitar.Giovana apertou os lábios, insegura:— Mas você gosta de mim… ou apenas do nome "Lúcia"?— É de você que eu gosto. Não importa o nome que você tenha, quem você seja ou qual seja sua identidade, eu vou me casar com você.Que palavras doces. Palavras que ela esperou
Depois de acalmar Giovana, Sílvio saiu apressado do quarto e desceu as escadas com passos firmes. Entrou na parte traseira do Rolls-Royce Cullinan, jogando-se no banco de couro. Enquanto girava distraidamente um cigarro entre os dedos, ouviu o ronco do motor que Leopoldo acabara de ligar. Logo deu a ordem, com a voz fria e cortante:— Siga por esta rua. Vamos encontrar a Lúcia.Leopoldo, enquanto ajustava o espelho retrovisor, não conseguiu conter o comentário:— Sr. Sílvio, se encontrarmos a Sra. Lúcia, tente conversar com ela. Não dá para exigir que o coração humano aguente tanto. Do ponto de vista dela, a Sra. Lúcia tem todo o direito de saber a verdade.O Cullinan seguia devagar pela margem da calçada, com os pneus esmagando pequenas poças na rua ainda molhada pela neve derretida. O olhar de Sílvio, frio e resoluto, percorria a multidão que lotava a calçada, buscando desesperadamente uma silhueta familiar.— Pare o carro! — Ordenou Sílvio, subitamente.Leopoldo pisou imediatamente