No elevador, eram apenas três pessoas: Sílvio, Lúcia e Leopoldo. Mas Lúcia sentia o ar tão pesado que mal conseguia respirar. Trocar o fígado tinha dado certo, mas e daí? O final ainda era o mesmo. Sílvio também estava quieto, sentado na cadeira de rodas. Seu olhar fixava-se em seus dedos pálidos, sem trocar nenhuma palavra com Lúcia. Quando o levaram de volta ao quarto, Lúcia não conseguiu mais se segurar. Durante todo o tempo, ela havia estado atenta a cada gesto de Sílvio. Ela não acreditava que ele não tivesse percebido seu humor. No caminho de volta, foram minutos intermináveis, e ele não tentou consolá-la, não se deu ao trabalho de explicar nada. Será que ele tinha mesmo mudado? Um misto de mágoa e amargura preencheu o coração de Lúcia, deixando-a sufocada. Ela se sentia patética por ainda nutrir afeto por alguém que a rejeitava. As lágrimas ameaçavam transbordar, mas Lúcia, teimosa como sempre, as conteve. Em outra época, teria chorado na frente dele, sem hesitar. Mas ag
Lúcia ouviu aquelas palavras, mas nada disso a comoveu. Pelo contrário, sentiu um aperto inexplicável no peito. Uma onda de frustração parecia sufocá-la. Tentou se desvencilhar do aperto no braço dele:— Sílvio, se você não me soltar agora, eu vou me irritar de verdade! Ela estava fazendo o máximo para controlar suas emoções, esforçando-se para não explodir, pois sabia que ele ainda era um paciente em recuperação. Lúcia não queria discutir com ele. — Finalmente admitiu que está brava? — Disse Sílvio.Com um puxão rápido, Sílvio a fez sentar em seu colo. A proximidade repentina criou uma situação estranhamente íntima. Os olhos de Lúcia ficaram vermelhos como se ele tivesse atingido uma ferida oculta. As lágrimas insistiam em surgir, enquanto ela sentia a garganta apertar. Sílvio tentou limpar suas lágrimas, mas antes que sua mão tocasse seu rosto, ela a afastou com um tapa irritado:— Não precisa fingir que se importa! Se eu soubesse que você era um traidor, nunca teria rezado p
Na vida, o ódio era algo efêmero, intangível. Com o pouco tempo que se tinha, desperdiçá-lo com rancores era, sem dúvida, a decisão mais insensata. Felizmente, Deus havia concedido a Sílvio uma chance de redenção. Ele estava decidido a dedicar o resto de sua vida para cuidar de Lúcia, protegê-la e amá-la, trazendo de volta aquele brilho juvenil e despreocupado que ela costumava ter. O que Sílvio não imaginava era que as palavras de Lúcia, ditas em um momento de irritação, carregavam uma verdade desconcertante. O destino, com toda sua imprevisibilidade, tinha um jeito peculiar de pregar peças. Aquilo que parecia garantido poderia desaparecer num piscar de olhos, enquanto o que parecia perdido, às vezes, retornava de forma inesperada. Lúcia não queria que ele limpasse suas lágrimas, mas a postura firme e dominadora de Sílvio a mantinha presa em seu colo. Os dedos ásperos dele deslizavam suavemente pelo rosto dela, enquanto seus olhos a observavam com uma ternura quase palpável. C
— Nesta hora, eu não gostaria de incomodar vocês dois. — A voz de Basílio soava com um leve tom de riso pelo telefone. Sílvio estendeu a mão para Lúcia, que compreendeu imediatamente o gesto e entregou-lhe o celular. Ele sorriu antes de falar:— Por que você foi parar no Grupo Baptista no meio do expediente? — Você acha que eu faço isso porque gosto de resolver suas coisas? — Respondeu Basílio, com um tom frio e levemente sarcástico.Sílvio não se incomodou com a atitude, mantendo o sorriso no rosto:— Quando eu voltar, te convido para jantar.— Um jantar basta?— O que mais você quer? — Você realmente não sabe o que eu quero? Sílvio sabia, era claro. Basílio queria algo que ele jamais poderia ceder: Lúcia, desde o início até o fim. Mas isso era impossível. Agora que ele estava acordado, Lúcia era dele, e ele não abriria mão disso. Sílvio sabia que precisaria encontrar outra forma de demonstrar sua gratidão a Basílio. Após encerrar a ligação, Lúcia perguntou, confusa:— Sobre o
Aquele som, tão acolhedor, trouxe Lúcia de volta à consciência. Com esforço, ela conseguiu abrir os olhos e percebeu que estava em um quarto de hospital na cidade de Serra Encantada.Sílvio estava deitado na mesma cama que ela, segurando-a em um abraço protetor. Ele passou a mão pelo rosto dela, enxugando uma lágrima que escorria.— Por que está chorando? Teve um pesadelo? — Perguntou Sílvio, com um tom preocupado que transparecia uma genuína preocupação.Lúcia não queria que ele se preocupasse:— Não foi nada. Só um sonho ruim.No caminho de volta para Cidade A, Lúcia permaneceu calada, imersa em seus pensamentos. A confusão a consumia. Sílvio dizia que ela era órfã desde pequena, mas as imagens do sonho eram tão vívidas que pareciam memórias reais. Era como se seus pais tivessem partido apenas quando ela já era adulta. E mais: como eles haviam morrido? Por que, no sonho, sua mãe a chamava de tola, com tanta raiva a ponto de quase sufocá-la com as próprias mãos?Quando chegaram à mans
— Você é tão frio, Sílvio.Aquelas palavras perfuraram Sílvio como uma faca. A mão que ele mantinha apoiada no colchão se fechou com força, seus dedos cravando-se no tecido. Frio? Ele já tinha sido muito mais que isso. No passado, ele não apenas foi indiferente: ele a torturou, a feriu, desejou sua morte e até encomendou um caixão para ela.Repetidas vezes, ele a machucou, proferiu palavras que a despedaçavam, acusando-a de coisas que ela nunca fez e jogando culpas que ela não merecia. Ele nunca acreditou nela. Chegou ao ponto de difamá-la, envolvendo-a em rumores com Basílio. Ele foi cruel, desumano.Agora, com Lúcia tremendo em seus braços como um animalzinho assustado, com o rosto pálido e sem cor, ele mal conseguia olhar para ela. Um simples pesadelo a deixara nesse estado. Se ela realmente se lembrasse de algo, Sílvio não queria nem imaginar as consequências.— Não tenha medo, Lúcia. Estou aqui com você. Sempre estarei — Disse Sílvio, acariciando seu ombro com cuidado, como se qui
E se Lúcia a descobrisse? O que aconteceria?— Lúcia, se um dia você descobrisse que eu te enganei, o que faria? — Sílvio perguntou, tentando soar casual.Lúcia franziu as sobrancelhas, estreitando os olhos para ele:— Depende do motivo.— E se fosse para garantir um futuro melhor para nós dois? Se minha intenção fosse boa? — Sílvio insistiu, agarrando-se à possibilidade de que ela pudesse entender.Lúcia pensou por um instante, encarando-o com um olhar firme:— Dependeria do que você está escondendo. Mas, Sílvio, vou te dar um conselho: é melhor ser sincero. Isso sempre resolve.Ela se inclinou um pouco mais para perto dele, semicerrando os olhos de forma suspeita.— Me diz... Você está escondendo alguma mulher lá fora? É isso? — Provocou Lúcia.— Que absurdo! Mal consigo lidar com você, imagine com outra! — Sílvio respondeu com um tom brincalhão, tentando disfarçar o nervosismo.— Então o que você está escondendo de mim? — Insistiu Lúcia.— Nada. Não estou escondendo nada.— Tem cert
Os olhos de Lúcia estavam enevoados, mas o olhar dela perfurava Sílvio, atingindo-o no fundo da alma. Ele sentiu o coração apertar de forma quase insuportável, como se enxames de abelhas o ferroassem, uma após a outra. Ele não queria que ela soubesse. Não queria que ela carregasse o peso de uma culpa ou de uma dívida por algo que ele fez por amor. Ele não suportaria que o amor dela por ele fosse contaminado por gratidão.Com suavidade, ele afastou o cabelo molhado que estava grudado no rosto dela e colocou atrás da orelha.— Não, Lúcia. Essa cicatriz é antiga. Você só não se lembrava dela. — Sílvio mentiu, tentando soar convincente.Os olhos de Lúcia começaram a marejar. A ponta de seu nariz ficou avermelhada, e ela o encarou com uma expressão de vulnerabilidade.— É verdade? — Perguntou Lúcia, com a voz tremendo.— Sim, é verdade.— Como aconteceu? — Lúcia continuou acariciando a cicatriz, os dedos trêmulos.Depois de uma pausa, Sílvio respondeu, inventando rapidamente uma história:—